Juliana de Norwich: Reflexões de uma mística medieval

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

A Inglaterra do século XIX vivia os dramáticos efeitos da Peste Negra e das revoltas camponesas ao mesmo tempo em que a fervorosidade religiosa se manifestava influenciando o comportamento da população. Relatos de mulheres tocadas por uma profunda espiritualidade eram comuns, contendo experiências místicas intensas e visões que se tornavam populares e inspiravam outras devotas que decidiam se dedicar a uma vida voltada para a fé. Numa sociedade que apresentava poucas oportunidades e opções para as mulheres, a vida nos conventos ou a reclusão como anacoretas dedicadas a uma existência de contemplação e oração privadas de prazeres e convivências e ainda submetidas a rigores físicos como jejuns severos e flagelação era a realidade de muitas.

Juliana de Norwich foi uma dessas mulheres medievais que desde a mocidade abraçaram a vida religiosa. Embora sua identidade original seja desconhecida, ela adotou o nome religioso inspirado na Igreja de São Julião de Norwich e passou a viver como uma anacoreta numa cela do templo, embora possa ter sido uma freira beneditina antes de adotar o profundo isolamento.

Conta-se que quando tinha por volta dos 30 anos de idade, em 1373, ela estava gravemente doente e à beira da morte, ocasião em que teve visões de Cristo em seu sofrimento. Depois de recuperada, ela registrou suas visões no livro “Revelações do Amor Divino”, obra na qual oferecia aos fiéis reflexões espirituais sobre o próprio sofrimento de Jesus como exemplo para os sofrimentos humanos, mas também trazendo uma mensagem de redenção como propósito divino. Além da descrição de suas visões místicas, sua obra também trazia um tom filosófico e teológico ao refletir sobre a religiosidade cristã de sua época.

Até a sua morte, que ocorreu após 1416 (ano de seu testamento), ela continuou em reclusão e sua reputação como mística católica só foi realmente impulsionada no século XVII, quando seus escritos foram finalmente publicados depois de várias cópias que eram produzidas e que tinham acesso apenas por parte de figuras do clero.

Mulheres místicas como Juliana de Norwich obtiveram um destaque diferenciado em uma sociedade que obscurecia a relevância feminina e mesmo em um catolicismo dominado por homens, religiosas como ela tiveram voz através do compartilhamento de uma experiência espiritual reconhecida como extraordinária e que contribuiu pela mobilização de fiéis. Sua mensagem religiosa otimista sintetizada em sua afirmação de que “tudo será bem” contrastava com o tom pesado e ameaçador de significativa parte das pregações de seu tempo.


Referências: