A dramática vingança de Beatrice Cenci

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

A jovem Beatrice Cenci é uma personagem trágica de uma história sangrenta e infeliz que abalou a sociedade na Roma renascentista no fim do século XVI. Nascida em 1577, ela era filha do conde Francesco Cenci, um dos homens mais ricos e temidos da nobreza, representante de uma antiga família de longínqua influência desde o Império Romano e de presença marcante nas disputas por poder contra o papado durante a Idade Média, embora sua condução dos negócios da família tenha sido negligente e inepta ao ponto de reduzir consideravelmente a fortuna dos Cenci. A mãe de Beatrice, Ersilia Santacroce, morreu quando ela tinha dez anos e seu pai voltou a se casar com Lucrezia Petroni.  

O conde era um homem de temperamento brutal, costumeiro agressor que frequentemente praticava delitos violentos dos quais escapava impunemente por causa de seu poder e status. Ele impunha maus-tratos aos seus servos, ordenava espancamentos, mandava assassinar desafetos sem poder e os abusos de natureza sexual eram os mais comuns atos criminosos que praticava. Era um estuprador notório que tinha até seus próprios filhos e filhas entre os alvos. Não faltavam denúncias de vítimas às autoridades, mas o nobre se limitava a pagar multas ou subornos e voltava a cometer os mesmos crimes como se não existissem leis, parâmetros de moralidade ou instituições oficiais capazes de conter sua conduta ou dispostas a punir o malfeitor adequadamente apesar do reconhecido caráter negativo de reputação. 

Beatrice e Lucrezia estavam entre as denunciantes ignoradas e sofreram represálias do conde, que trancafiou as duas numa de suas propriedades nos arredores de Roma, o castelo La Petrella del Salto. A vida no cativeiro era dura, pois a presença impositiva e agressiva de Francesco dava ares infernais ao ambiente. Em casa a filha sofria agressões  e era obrigada a se submeter aos apetites sexuais do pai, que insistia em obrigar Beatrice e Lucrezia a dividir a cama com ele num escandaloso arranjo íntimo. A situação chegou ao ponto de tornar insustentável a convivência e uma verdadeira conspiração foi tramada para acabar com aquele que personificava a infelicidade e o sofrimento de quem estava sob sua autoridade. Beatrice foi a mentora do plano que uniu os dois de seus cinco irmãos que ainda estavam por perto, a madrasta e dois ex-funcionários do castelo (um dos quais amante secreto da moça) numa trama que tinha como objetivo assassinar o conde. Depois foi a agressão física usando um martelo. 

Após a consumação do homicídio, tentaram forjar a situação de um acidente para despistar a apuração dos fatos, mas os assassinos inexperientes deixaram vários indícios que contrariavam a versão que foi apresentada aos investigadores. As autoridades chegaram logo aos envolvidos no crime, que confessaram sob tortura. Os envolvidos no assassinato do conde Francesco Cenci foram condenados à morte por decapitação, com exceção do adolescente Bernardo Cenci, sentenciado a testemunhar as execuções e depois cumprir uma pena de trabalhos forçados. 

O caso virou assunto em Roma e clamores reivindicavam a intervenção papal para conceder um perdão considerando o fato de que Francesco Cenci era um homem vil que acabou levando os condenados a cometer o crime como reação ou vingança justa, mas o inclemente Papa Clemente VIII não estava disposto a propor uma alternativa (talvez seu interesse maior fosse se apoderar do patrimônio dos Cenci).    

O mórbido espetáculo público das execuções ocorreu em 11 de setembro de 1599 diante do Castelo Sant’Angelo. O carrasco foi assassinado dias depois por uma pessoa inconformada com o desfecho do caso. Beatrice, a idealizadora do assassinato, foi posteriormente vista como uma figura trágica e vítima da injustiça que até inspirou artistas, que criaram poemas, peças, pinturas e esculturas em sua homenagem. 


Referências: