Daniel Dancer: A personificação da avareza

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Em sua famosa obra “Um Conto de Natal”, o escritor britânico Charles Dickens (1812-1870) apresentou a figura de Ebenezer Scrooge, um homem idoso avarento, mesquinho, frio e solitário que despreza o período natalino e recebe as visitas de espíritos que depois despertam nele uma mudança profunda e redentora. O marcante personagem criado por Dickens teve uma inspiração real, pois a elaboração de sua figura carrancuda, apegada aos bens materiais e que se mantinha isolada retratava traços de Daniel Dancer (1716–1794), um fazendeiro inglês que escolheu adotar um estilo de vida e posicionamento extremo diante de sua relação com a propriedade e a realização de gastos. 

A avareza já era uma marca da família Dancer, pois seu avô e seu pai tinham reconhecida reputação associada aos modos regulados de gastar o dinheiro que possuíam, mas Daniel elevou esta tradição a um nível extremo ao herdar a propriedade familiar em Harrow, no noroeste de Londres. Ele considerava que qualquer gasto era um desperdício inaceitável, então poupava cada centavo e passou a adotar uma vida de hábitos exagerados para evitar usar dinheiro. A terra, que era a sua fonte de riqueza, era explorada de maneira muito rigorosa de tal modo que não fosse necessário o emprego de investimentos em sua melhoria ou manutenção, poupando tudo o que podia através da insistência de não empregar nenhum dinheiro. 

Ele era tão pão-duro que se recusava a empregar recursos em seu próprio bem-estar, vivendo em condições miseráveis mesmo sendo um homem rico. Sua casa foi deteriorada pela falta de cuidados básicos com a preservação ou providências cotidianas para assegurar sua funcionalidade e lá ele cumpria uma rotina de rigoroso controle de gastos. Sua alimentação era precária, pois comida custava caro conforme sua determinação de economizar ao máximo, então ele fazia uma refeição diária seguindo uma dieta limitada. Ele frequentemente era visto vestindo  as mesmas roupas velhas e surradas e sua higiene pessoal também era descuidada, pois ele raramente tomava banho e negligenciava providências em favor de sua qualidade de vida para não consumir nenhum valor em tais providências. Cada moeda que ele ganhava era guardada em locais improváveis, então Daniel mantinha tesouros cuidadosamente escondidos em sua propriedade.

Seu convívio social era restrito, pois não recebia visitas nem saía de casa por razões além do estritamente necessário. Ele ainda conviveu em casa com sua irmã, que também compartilhava dos mesmos hábitos extremamente restritivos em matéria de gastos,  mas depois da morte daquela que foi sua única e última parente, em 1766, Daniel assumiu uma postura ainda mais isolada. Sua solidão só passou a ser amenizada graças ao convívio com seu seu empregado nos serviços da fazenda, um homem conhecido como Griffiths, e sua governanta Lady Tempest, que também se habituaram a viver em situação de fortes privações por causa dos salários baixíssimos que recebiam. 

A comunidade não poupava críticas aos hábitos e comportamento de Daniel, que também virava assunto das conversas e das anedotas difundidas na região. Sua fama de sovina chegava longe, mas aparentemente isso não não o incomodava mais do que precisar gastar um mísero tostão por motivo qualquer.

Daniel Dancer morreu em 1794 aos 78 anos de idade, vivendo uma longa vida considerando as expectativas da época e as condições que ele estabeleceu. Suas medidas para evitar qualquer tipo de gasto resultaram num extraordinário acúmulo de riqueza da qual ele nunca desfrutou. Sem parentes nem herdeiros naturais, nomeou a governanta como beneficiária em seu testamento, mas Lady Tempest não aproveitou a fortuna por muito tempo e morreu em seguida.