A Maldição de Mahsuri: A lenda que virou realidade na Malásia

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Determinar os limites entre os fatos e as lendas nem sempre é um processo óbvio, pois o impacto cultural de certas narrativas pode ser tão profundo que mobiliza intensamente comportamentos e práticas sociais.

Este caso dramático se desenrolou no século XVIII e trata do infortúnio que se abateu sobre a jovem Mahsuri, envolvida em uma trama de contornos trágicos. Segundo as narrativas populares, ela morava em Langkawi, principal ilha do arquipélago de mesmo nome localizado no noroeste malasiano, e era casada com um homem conhecido por Wan Derus. Ela era reconhecida por sua beleza e por ser uma pessoa gentil, respeitada e querida pela comunidade. O casal tinha um filho, o pequeno Wan Hakim, e todos viviam sossegados e felizes até que Wan Derus foi para a guerra, possibilidade que é corroborada pelo contexto do país na época, quando conflitos territoriais contra os tailandeses ocorriam na península da Malásia.

Enquanto o marido estava guerreando, a esposa teria ficado sozinha e isso levou a uma situação vulnerável diante das intenções maldosas de sua sogra Wan Mahora, mulher influente na região e que, segundo diziam, nutria inveja da beleza e popularidade de Mahsuri. A sogra começou a espalhar na comunidade acusações de que Mahsuri estava mantendo encontros com outro homem, um tal Deramang, poeta errante que a esposa de seu filho supostamente hospedou em casa de maneira imprudente e suspeita.

Numa sociedade como malasiana da época, com preceitos muito rígidos diante de condutas morais, o adultério – sobretudo feminino – era objeto de normas rigorosas e abordado como um crime gravíssimo que poderia resultar em pena de morte. A natureza da acusação causou escândalo entre os moradores de Langkawi, expondo Mahsuri a uma situação vexatória e potencialmente perigosa. Ela negou as acusações, mas os clamores radicalizado dos moradores exigiram que as coisas fossem levadas até suas últimas consequências. Os alegados amantes foram presos e um julgamento foi organizado num ambiente desfavorável para os réus. A mulher sofreu ainda mais, sendo ofendida e difamada pelas pessoas por causa de boatos maldosos. A convicção de sua inocência era tamanha por parte de Mahsuri que ela afirmou que no caso de uma condenação derramaria sangue branco no ato da execução, evidenciando para todos a injustiça da acusação e do castigo, mas seus apelos não adiantaram e ela foi declarada culpada por adultério enquanto Deramang foi sentenciado por ter possuído a esposa de outro homem. Ambos foram condenados à morte.

A execução definida para a alegada adúltera seria o esfaqueamento e, segundo a crença arraigada na Malásia, o carrasco não conseguiu matar Mahsuri porque nenhuma lâmina feria seu corpo. A própria condenada informou que só poderia ser morta por uma adaga herdada de sua família, arma que foi enfim empregada exitosamente para cumprir a sentença. Mahsuri teve uma morte sofrida e diante de todas as testemunhas derramou um sangue de cor branca, confirmando sua inocência. As pessoas ficaram atordoadas diante da cena e apavoradas porque as últimas palavras da mulher antes de sua morte consistiram na proclamação de uma maldição sobre a ilha de Langkawi e seus moradores, que sofreriam diversos infortúnios e pobreza durante sete gerações. Wan Derus, o marido da condenada, só voltou para casa depois de derrotado na guerra e quando a tragédia já estava consumada, ficando profundamente abalado com o que aconteceu com sua amada esposa. Ele acabou indo embora da ilha com o seu filho, deixando para trás a desolação da perda e uma terra natal amaldiçoada.

A maldição de Mahsuri tornou-se popular no decorrer dos anos e passou a ser reconhecida como um fato evidenciado através dos fracassos de colheitas, desastres climáticos, epidemias, invasões tailandesas e britânicas, crises econômicas e diversos problemas que eram atribuídos à praga sobrenatural rogada pela infeliz vítima da execução injusta.

Apesar da inexistência de registros documentais sobre o episódio da condenação de Mahsuri, a história foi sendo contada e difundida de tal forma que passou a fazer parte do imaginário coletivo, com realidade e crença abordadas de forma indistinguível.

Em 1980 foi construído um monumento conhecido como Makam Mahsuri, túmulo que foi estabelecido sobre o alegado local onde a mulher injustiçada foi enterrada. O suposto mausoléu virou ponto turístico que gera ainda hoje atração em torno da lenda de Mahsuri.


Referências: