Veronica Franco: Cortesã e poetisa do Renascimento

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

As cortesãs na sociedade italiana, sobretudo nos tempos do Renascimento, eram mulheres que transitavam pelos bastidores do poder e da cena artística. Atuavam em um contexto complexo e de diversificadas tramas associadas à prostituição. Embora servissem como acompanhantes de homens poderosos e oferecessem prazeres sexuais em troca de pagamentos ou benefícios, cortesãs não eram vistas de maneira pejorativa como as prostitutas das camadas baixas da sociedade porque atuavam em outros tipos de ambientes e eram dotadas de requintes como educação sofisticada, gostos e hábitos refinados, além de conexões estreitas com figuras da elite. As mais célebres e destacadas entre as cortesãs conseguiam administrar suas vidas, bens e carreiras, independentes de agentes que atuavam como cafetões, embora este patamar não fosse acessível para todas.

Desfrutar da posição de autonomia e status das cortesãs bem-sucedidas era um objetivo para muitas jovens pobres que eram introduzidas neste meio movidas pelo desejo de ascensão social, podendo ser selecionadas e preparadas para frequentar os ambientes dos salões, festas e banquetes que serviam de ambientes para a sedução e interações. Era comum o início na vida de cortesã antes dos 20 anos de idade ou ainda em plena adolescência e a carreira não ia além da fase de plenitude da juventude, quando ocorria o declínio e as dificuldades de manter o interesse dos clientes e beneficiadores. Depois do auge da carreira, com reputações geralmente abaladas, as mulheres enfrentavam crescentes problemas para posicionamento na sociedade.

Uma cortesã emblemática no cenário italiano foi Veronica Franco (1546–1591), que conseguiu por um tempo exercer fascínio sobre homens influência e até ensaiou uma carreira literária antes de enfrentar os desafios da decadência envolvida em circunstâncias bastante problemáticas. Ela começou a atuar como cortesã em Veneza aos 16 anos seguindo os passos da mãe, que também atuava neste meio. Seu ingresso na carreira ocorreu depois de passar por um casamento curto e conturbado com um médico local que era agressivo e abusador, saindo da relação com o seu primeiro filho, chamado Achilletto. Sua beleza, carisma, inteligência e habilidades encantadoras como dança, canto e criatividade como escritora e declamadora fizeram com que ela logo se destacasse entre muitas jovens que frequentavam os mesmos salões e eventos.

Ela era conhecida e admirada por homens poderosos da elite veneziana e mesmo de outras regiões, tendo até mesmo atraído a atenção de Henrique III, rei da França. Sua beleza também inspirou artistas como Tintoretto, importante pintor veneziano e um dos expoentes do Renascimento, que tem como uma de suas mais celebradas obras um retrato que fez de Veronica.

Seu talento nas letras foi uma característica marcante de sua vida. Ela foi uma das raras mulheres representantes da literatura renascentista italiana, sendo principalmente uma poetisa de talento. Sua obra mais importante foi a coletânea poética “Terze Rime” (1575), que trouxe nos versos referências à sua vida de cortesã, reflexões sobre gênero e questões sociais. Ela também era uma missivista ativa e algumas de suas cartas foram publicadas na obra “Lettere Familiari a Diversi” (1580), revelando aspectos de sua vida, de seus relacionamentos e perspectivas sobre variados temas. Fora dos ambientes de sedução e sexualidade, Veronica frequentava reuniões que agrupavam literatos e pessoas que tratavam de discussões sobre livros e seus temas, onde ela se expressava livremente e questionava sobre o papel feminino na sociedade.

Ser uma mulher independente, envolvida com diversos homens em troca de favores e recompensas, levando uma vida em festas, encontros e artes, podia despertar a reprovação de pessoas que não admitiam tal comportamento libertino e num tempo de atuação da Inquisição os riscos poderiam até envolver elementos de caráter religioso. Em 1580 ela foi denunciada por bruxaria e seu acusador foi um certo Ridolfo Vannitelli, que afirmou que Veronica praticava rituais obscuros e proibidos, mantendo um pacto demoníaco para proporcionar o poder de seduzir facilmente homens que eram enfeitiçados e explorados. Veronica foi levada perante o tribunal e, embora tenha conseguido provar sua inocência dos crimes sobrenaturais, sua reputação foi abalada porque persistia o estigma social e desconfiança a seu respeito. A situação afetou negativamente sua carreira como cortesã, combinando com o fato de que período também era crítico porque Veneza sofria ainda os persistentes efeitos da crise econômica consequente da Peste Negra, que atormentou a cidade nos anos 1575-1577, reduzindo drasticamente os ganhos que ela obtinha como acompanhante e, além disso, ela estava com 34 anos na ocasião, idade que já estava indicava uma fase de declínio nesta atuação. A situação de Veronica era agravada ainda pela perda de seus beneficiadores mais frequentes, fazendo com que a outrora requisitava cortesã visse a ruína se impor em sua vida.

Os percalços em sua carreira e os golpes em sua vida pessoal foram duros, pois todos seus seis filhos morreram prematuramente. Depois de dias gloriosos e agitados, veio uma fase de miséria, solidão e dificuldades de saúde. Veronica Franco faleceu em 1591, aos 45 anos de idade.


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