As guerreiras Irmãs Trưng: Rebelião e heroísmo

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

O território do atual Vietnã passou a fazer parte do domínio chinês desde a conquista do antigo reino de Nanyue em 111 a.C. O controle chinês sobre o Vietnã foi intenso, com a divisão territorial em províncias administradas por funcionários chineses, apesar da preservação de algumas estruturas de poder locais. Os chineses conseguiram aprimorar a infraestrutura vietnamita, construindo estradas, ampliando as áreas de cultivo e introduzindo técnicas agrícolas que resultaram num avanço na produção. Em compensação, tributos passaram a pesar sobre a população da região dominada e recursos como minerais e marfim eram diretamente enviados para a China. Outro efeito do domínio foi o processo conhecido como sinicização, que consistia na imposição gradual da cultura chinesa em sobreposição à tradição vietnamita, o que despertou um senso de identidade e resistência na população local, fator decisivo para influenciar as lutas em favor da independência.

A Revolta das Irmãs Trưng, iniciado em 40 d.C., é um exemplo vigoroso do sentimento de determinação vietnamita contra o poder chinês. Trưng Trắc e Trưng Nhị eram jovens idealistas, filhas de um aristocrata da região de Mê Linh (na atual Hanói) e parte de uma tradicional e poderosa família do Vietnã. Vivenciaram a situação comum no Vietnã que possibilitava maior autonomia para as mulheres, que podiam herdar e gerir propriedades, chefiar famílias e participar das forças militares até como comandantes. As irmãs receberam uma instrução elevada que contemplou aspectos que iam além das artes e práticas domésticas, pois adquiriram conhecimentos de governo, estratégia militar e artes marciais, embora tal formação não tivesse o objetivo de transformar as duas em agentes de uma rebelião.

Trưng Trắc era a mais velha das irmãs e já era casada com o nobre Thi Sách, um notório crítico do domínio chinês num contexto de crescentes reações. A participação do marido em levantes rebeldes acabou resultando em sua execução, fato que catalisou a intensificação da resistência a partir da mobilização da viúva. A ela se juntou a irmã Trưng Nhị como parceira e apoiadora das ações que se desenrolaram a partir da deflagração da revolta. Durante meses a dupla percorreu o Vietnã arregimentando apoios e promovendo a adesão de guerreiros e outros voluntários na formação de uma força pronta para o combate, conseguindo reunir aristocratas e população camponesa em torno da causa da libertação do jugo chinês. 

Exercendo uma liderança carismática e tática, as irmãs Trưng se posicionaram no comando de um magnífico exército rebelde de cerca de 80 mil pessoas, contingente que contava com milhares combatentes femininas e 36 mulheres entre o conjunto de generais. Recorrendo a diferentes estratégias e abordagens conforme as situações, o exército de vietnamitas foi obtendo seguidas vitórias e conquistando espaços, tomando o controle de 65 cidades e expulsando os chineses das regiões retomadas. Além do papel de lideranças, Trưng Trắc e Trưng Nhị eram referências porque atuavam diretamente nos campos de batalha, como guerreiras habilidosas e destemidas.

O ânimo tomou conta dos rebeldes, que chegaram a declarar a área que controlavam como território livre e consagraram Trưng Trắc como rainha. A região manteve sua independência durante 3 anos sob a liderança das irmãs. A defesa territorial era uma preocupação constante, o que motivou a manutenção do exército rebelde como uma força permanente contra as forças invasoras, tendo como importante qualidade sua especialização na atuação de guerrilha favorecida pelo conhecimento da região. A agricultura e atividades extrativistas foram mantidas para sustentar o reino autônomo e as tradições que estavam sob ameaça da sinicização foram estimuladas como meio de reafirmação da identidade local. 

Na China, o imperador Han Guang Wu Di decidiu que era inadmissível a derrota para as forças das irmãs Trưng e seus seguidores e determinou esforços adicionais para reconquistar o território perdido. O general Ma Yuan foi destacado para executar a missão de obter uma vitória definitiva em favor dos chineses. Um notável exército constituído por chineses e forças auxiliares compostas por aliados, inclusive vietnamitas, partiu para o confronto em condições favoráveis em função da quantidade de soldados e da disponibilidade de recursos. As forças de defesa não foram capazes de lidar com um exército muito mais numeroso e perdas territoriais foram ocorrendo gradualmente, acompanhadas da mudança de lado de aristocratas que antes apoiavam a rebelião. 

No ano 43, depois da derrota em uma batalha crucial perto da atual Hanói, as irmãs Trưng reconheceram que o desfecho não poderia ser favorável para o futuro do reino independente e resolveram evitar cair nas mãos dos inimigos e se jogaram num rio deliberadamente para que morressem afogadas juntas. Foi o fim da revolta e da autonomia, mas marcou o surgimento das irmãs como símbolos de heroísmo e de valorização da identidade vietnamita, inspiradoras de movimentos futuros. 


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