As 16 datas que mudaram o mundo: 8- A REVOLUÇÃO FRANCESA

Por Pierre Miquel (1930-2007) - Historiador francês
Pierre Miquel (1930-2007) – Historiador francês

 

 

Antes de 20 de junho de 1789 a França é governada por uma monarquia de direito divino, um Estado que extrai sua legitimidade unicamente da sucessão dos reis, baseada no costume, e de uma organização social fundada no princípio do privilégio, que rege toda a sociedade. Ela é dividida em três Ordens: a nobreza, o clero e o Terceiro Estado. Cada uma dispõe de um lugar estabelecido em instituições representativas, sem poder legislativo, como os Estados Gerais convocados pelo rei ou os Estados provinciais, quando as províncias possuem um.

Depois de 20 de junho, os deputados eleitos pelo povo, reunidos em assembléia constituinte, declaram que a lei é superior ao rei e afirmam que a lei é comum a todos. É uma revolução. Falta somente abolir o privilégio.

*****

O rei Luís XVI, para proceder às reformas, principalmente as fiscais, e tornar o reino governável, convocou a eleição de deputados para os Estados Gerais que se reúnem por ordens. O rei admitiu que os deputados do Terceiro Estado fossem duas vezes mais numerosos, tanto quanto o das duas outras ordens reunidas. Por quê? Porque seu ministro Necker teme uma oposição a seus projetos de reforma financeira e fiscal. Ele quer possuir meios para quebrar a oposição, apoiando-se eventualmente no Terceiro Estado.

A eleição, muito tranqüila, permitiu aos franceses expressar nos “cahiers de doléances”, os cadernos nos quais eles anotavam suas reclamações, suas reivindicações, principalmente aquelas contra os privilégios. Muitos pedem uma constituição para o reino. Porém, não é o caso de pôr um fim à monarquia, mas somente ao antigo regime.

Em 5 de maio de 1789, os Estados abrem a sessão em Versalhes. Tanto os nobres liberais quanto os representantes do baixo clero, como o abade Gregório, unem-se rapidamente ao Terceiro Estado para tentar estabelecer uma constituição, transformando a assembléia em uma constituinte. É necessário então que os deputados votem por cabeça e não, segundo a tradição, por ordem. Só assim terão a certeza de dispor de uma maioria para impor ao rei uma constituição. Ora, o ministro do rei recusa. Necker quer se servir do Terceiro Estado, e não servi-lo.

Na sala dos Menus Plaisirs em Versalhes, tomam assento 1.100 deputados, dos quais somente 270 são nobres e, entre estes, 90 são liberais. O clero possui 300 representantes, mas 200 curas. Os deputados do Terceiro Estado constituem uma massa de 600 pessoas vestidas de negro vindas das províncias; na maioria das vezes são advogados.

No dia 17 de junho de 1789, os deputados do Terceiro Estado, considerando que representam 90% dos franceses, reúnem-se em uma assembléia única que chamam de assembléia nacional, representando a nação. Primeiro ato de ilegalidade sem nenhuma violência.

O clero decidiu unir-se ao Terceiro Estado. Uma maioria manifesta-se para tornar constituinte a assembléia já chamada de nacional. Não é mais o caso de considerar os Estados Gerais como uma assembléia consultiva reunida pela boa vontade do rei, mas como uma assembléia deliberativa, representativa da população francesa, e, claro, capaz de declarar pela maioria de seus votos que ela deseja transformar-se em constituinte.

O poder real percebe perfeitamente o perigo e decide cortar o mal pela raiz. Em 20 de junho, o rei fecha a sala na qual reúnem-se os deputados, aquela dos Menus Plaisirs no castelo de Versalhes. Ele não quer mais que eles tomem assento e lhes fecha a porta na cara, que só lhes será reaberta quando voltarem mais dóceis.

Segundo ato de ilegalidade pacífica: os deputados se reúnem em 20 de junho de 1789 na sala do Jeu de Paume e rompem com a monarquia, já que se recusam a participar de uma instituição, os Estados Gerais, que é estabelecida pelos reis.

O marquês de Dreux-Brézé, representante do rei, “mestre-de-cerimônia dos menus plaisirs”, pede gentilmente para que os deputados se dispersem, deixando-lhes claro que está disposto a utilizar a força em caso de recusa.

Eles recusam-se em ceder. Mirabeau, um nobre de direito, mas representante do Terceiro Estado, teria então declarado que a assembléia só cederia “pela força das baionetas”.

Um debate espontâneo começa. Um deputado do Dauphiné, Mounier, começa a falar, ovacionado pelas pessoas do Terceiro Estado quando diz que seus colegas devem jurar que não irão se separar e que se reunirão em todos os lugares em que as circunstâncias exigirem, “até que a Constituição do reino esteja estabelecida e apoiada em sólidos fundamentos”. Os deputados consideram-se autorizados a não mais obedecer ao rei, já que eles representam a vontade da nação. Vota-se por aclamação. O juramento é aprovado. Um único opositor, o deputado Martin, de Auch.

O clero reúne-se então ao Terceiro Estado. A nobreza, em 27 de junho, une-se também ao Terceiro Estado. Os Estados Gerais são então considerados como uma assembléia representativa. Ela proclama-se oficialmente constituinte no dia 9 de julho de 1789. A revolução legal é feita, sempre sem nenhuma violência.

Está claro, a partir de então, que a Constituição, estabelecida e votada pelos deputados representantes do povo, deve definir os direitos e os deveres de um povo soberano e integrar o rei em uma nova organização da nação. Ele representa somente um poder, o Executivo. Todos os outros poderes são eleitos. Como dizem os advogados membros do Terceiro Estado, a lei é superior ao rei.

O dia 14 de julho de 1789 é a única tentativa de resistência do antigo regime, destruída por um levante popular. Naquele dia, o povo parisiense amedrontou-se ao assistir à concentração das tropas no Campo de Marte. A notícia da demissão do ministro Necker pelo rei anunciava uma política de repressão. A multidão dirigiu-se aos Invalides, para se apoderar de lanças e de fuzis antes de alcançar a fortaleza da Bastilha, transformada em prisão do Estado. O governador Launay deu tiros de canhão para dispersar o tumulto, matando uma centena de rebeldes. A Bastilha foi então tomada de assalto, o governador e mais três de seus oficiais foram decapitados e suas cabeças ensangüentadas exibidas no alto de lanças. A demolição da fortaleza, pedra por pedra, tornou-se o símbolo da mudança de regime e da revolução parisiense.

A assembléia constituinte assentada em Versalhes retoma o curso de seu trabalho como se nada tivesse acontecido. Ela deseja uma revolução limpa, sem derramamento de sangue, pressionando o rei, com certeza, mas pela força da lei.

Na noite de 4 de agosto, o sistema de privilégios é abolido. Dois nobres, o visconde de Noailles e o duque de Aiguillon, despojam-se de seus privilégios diante da tribuna. É declarado que todo cidadão tem direito ao trabalho. Por aclamação são votados a abolição das corporações, da justiça senhorial, a venalidade de cargos públicos, os privilégios das províncias e das cidades, as anatas pagas ao papa e o ganho suplementar dos curas. Luís XVI é aclamado o “restaurador da liberdade francesa”. Na madrugada de 5 de agosto, a assembléia separa-se gritando: “Viva o rei.”

Mas principalmente, em 26 de agosto, a assembléia constituinte vota a Declaração dos Direitos do Homem, que faz da Revolução Francesa um exemplo para os povos do mundo inteiro.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão afirma, com efeito, que o homem deve gozar de “direitos naturais, inalienáveis e sagrados”. O primeiro desses direitos é o da segurança. É necessário defender o indivíduo, a pessoa, contra qualquer forma de arbitrariedade: “Todo homem só poderá ser acusado ou detido em casos determinados pela lei.” Um homem é “presumido inocente até que ele seja declarado culpado”. Todo delito de opinião deve ser proscrito, como contrário à liberdade de pensamento e de expressão, e “ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo religiosas”, desde que a manifestação de suas opiniões não perturbe a ordem pública. A liberdade de falar, de escrever e de imprimir é solenemente afirmada.

Pela primeira vez o indivíduo encontra-se protegido contra a arbitrariedade por uma lei votada por cidadãos. Pela primeira vez um sistema de soberania popular organiza os três poderes para garantir as liberdades. Considera-se que o Executivo deva ser controlado pelo Legislativo, e que o Poder Judiciário, o dos juízes, deva ser absolutamente independente das pressões políticas, venham de onde vierem.

Pela primeira vez é escrito que “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direito”. Esses “direitos naturais” são “a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”. A liberdade “consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique o outro”. A lei só tem o direito de proibir as “ações que prejudicam a sociedade”.

Mas quem autoriza a lei a impor o direito? A soberania da nação, pois “o princípio de soberania” não pertence ao rei, mas “reside essencialmente na nação”. A lei é “somente a expressão da vontade geral”. Uma vez votada pela maioria dos cidadãos, ela deve ser “a mesma para todos, quando protege ou quando pune”.

A Revolução Francesa, na esteira da declaração de independência americana redigida em 1776 por Thomas Jefferson, acaba de abolir na Europa o princípio de privilégio e o absolutismo monárquico. Ela acaba de definir a constituição da liberdade no mundo e de inscrever com precisão sobre um texto inviolável: os direitos do homem e do cidadão. Esses princípios servirão de base para a organização de democracias representativas no mundo inteiro. Eles serão ampliados e complementados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1948 em Paris.

 

Pequena Cronologia

 

  • 1302: Reunião dos primeiros Estados Gerais da monarquia francesa, convocados por Felipe, o Belo, em Notre-Dame de Paris, para garantir o apoio popular no conflito com o papa Bonifácio VIII. Os Estados de 1789 são a trigésima sessão da instituição, sempre convocada para expressar seu apoio ao rei.
  • 4  de julho de 1776: Declaração da independência americana, redigida inteiramente por Thomas Jefferson. Ela apóia-se sobre a teoria dos direitos naturais e proclama “o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade”.
  • 1787: Durante a primavera o general La Fayette pede à assembléia dos notáveis a reunião dos Estados Gerais.
  • Julho de 1787: O Parlamento, por razões fiscais, pede por sua vez a reunião dos Estados Gerais.
  • 8 de agosto de 1788: O primeiro-ministro Loménie de Brienne, diante da amplitude do problema financeiro, decide que a reunião dos Estados Gerais ocorrerá em 17 de maio de 1789.
  • 27 de dezembro 1788: O rei Luís XVI concorda que o Terceiro Estado tenha uma dupla representação. Ele terá tantos deputados quanto as duas outras ordens reunidas.
  • 24 de janeiro de 1789: As cartas reais fixam com precisão as modalidades de eleição para os Estados Gerais.
  • Fevereiro-maio de 1789: Eleições para os Estados Gerais na França. Os nobres são todos eleitores e indicam seus eleitos diretamente aos representantes das assembléias locais. Todos os curas são eleitores, da mesma forma que os bispos, mas para o clero regular é somente contado um voto por monastério. O Terceiro Estado reúne-se, primeiramente, nas paróquias em assembléias primárias encarregadas de indicar seus delegados aos representantes das assembléias locais, onde os delegados do campo se reúnem àqueles das cidades para eleger os deputados.
  • 5  de maio de 1789: Primeira reunião dos 1.100 deputados na sala dos Menus Plaisirs em Versalhes.
  • Maio de 1789: A questão do voto por cabeça, pedida pelo
  • Terceiro Estado, divide a representação.
  • 17 de junho de 1789: O Terceiro Estado, ao recusar o voto por ordem, atrai uma vintena de deputados do clero e se proclama assembléia nacional.
  • 20 de junho 1789: Os deputados se reúnem na sala do Jeu de Paume em Versalhes e juram não se separar antes de ter votado uma Constituição.
  • 27 de junho de 1789: A nobreza e o clero se reúnem ao Terceiro Estado para formar uma única assembléia representativa.
  • 9 de julho de 1789: A assembléia se declara oficialmente constituinte, encarregada de redigir e votar, em nome do povo francês, uma Constituição.
  • 11 de julho: O rei demite o ministro Necker. Concentração das tropas em Paris. Agitação política nos bairros revolucionários do Falais Royal e do faubourg Saint-Antoine.
  • 14 de julho de 1789: Tomada das armas pelo povo nos Invalides e cerco da Bastilha. Massacre do governador e de dois de seus oficiais.
  • 4 de agosto de 1789: A assembléia de Versalhes vota, por aclamação, durante a noite, a abolição dos privilégios. Os dois princípios do antigo regime são destruídos: o absolutismo real e o sistema de privilégios.
  • 26 de agosto de 1789: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada pela assembléia constituinte. Ela servirá de prefácio à Constituição de 1791.
  • 3 a 14 de setembro de 1791: A Constituição é votada pela assembléia constituinte. O “rei dos franceses” é “inviolável e sagrado”. Ele é responsável somente pelo Executivo e pela escolha dos ministros.
  • Dezembro de 1948: Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ata adotada em Paris pela Assembléia Geral das Nações Unidas.

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