Maria I, a rainha católica em uma Inglaterra dividida

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

A rainha inglesa Maria I, também conhecida como Mary Tudor ou pelo infame apelido de “Bloody Mary” (“Maria Sangrenta”), chegou ao poder após um tortuoso e complicado enredo político. Ela nasceu em 1516, seu pai foi o rei Henrique VIII e sua mãe foi a rainha Catarina de Aragão, filha de Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, os Reis Católicos da Espanha.

O reinado de Henrique VIII foi turbulento em vários aspectos, destacando a conflituosa relação com a Igreja Católica que culminou na criação da Igreja Anglicana e em uma onda de enfrentamentos políticos e religiosos que resultaram em perseguições e na execução de opositores às reformas religiosas, incluindo o antigo aliado e conselheiro Thomas More. A vida conjugal do monarca também foi conturbada. Sua separação da rainha católica Catarina, que já contava com 47 anos na ocasião, sob a alegação de que o matrimônio não resultou em um herdeiro masculino, estremeceu relações diplomáticas, institucionais e indefinições sucessórias.

No segundo e malfadado casamento de Henrique, com cortesã Ana Bolena, nasceu Elizabeth. Contudo, o desejado herdeiro masculino do rei, Eduardo, só veio na terceira união matrimonial do Henrique com a nobre Jane Seymour. Suas filhas e seu filho acabaram assumindo o trono. Eduardo VI foi coroado aos nove anos, em 1547, após a morte do pai, mas acabou morrendo aos 15 anos, passando o trono brevemente para Jane Gray através de uma trama palaciana. Maria I assumiu o poder depois de derrotar a conspiração que tentou anular sua legitimidade e, depois de sua morte, foi a vez de Elizabeth I usar a coroa e realizar um dos mais celebrados reinados da Inglaterra.

A separação de seus pais e as condições da ruptura geraram muitas incertezas e reviravoltas na vida da princesa Maria. Batizada e educada como católica, ela permaneceu fiel à sua religião mesmo diante das transformações implementadas por seu pai e isso gerou consequências. Quando Henrique VIII resolveu anular seu casamento com Catarina, Maria, que tinha então 17 anos, não reconheceu Ana Bolena como rainha nem renunciou ao catolicismo, sendo relegada à condição de ilegítima mesmo diante de seu nascimento real, de suas origens dinásticas e de sua posição na rede de relações diplomáticas. Ela era apoiada pela Espanha, governada por seus primos Carlos V e mais tarde Felipe II, pela influência da Igreja Católica através das atuações dos papas Clemente VII e Paulo III, pelo Sacro Império Romano-Germânico e pela França, que formavam uma forte oposição ao rei inglês.

Apesar de ser certa a posição de seu irmão mais jovem como sucessor de Henrique VIII, em 1543 foi decretado o Terceiro Ato de Sucessão, medida que restaurava Maria e Elizabeth como eventuais governantes diante da morte de Eduardo sem deixar herdeiros. Ele acabou coroado como Eduardo VI em 1547 e passava a maior parte de seu tempo adoentado, situação que foi se agravando cada vez mais.

Mesmo com a reconquista de sua legitimidade na linha sucessória, Maria não desfrutava de uma situação promissora, pois ela estava isolada, afastada da corte e em confronto com o Conselho Privado do rei, desconfiado de sua proximidade com a Espanha e o papado. A saúde precária do jovem rei era um fator preocupante para o grupo que o cercava e que efetivamente exercia o poder, pois isso deixava cada vez mais evidente que a condução de Maria ao trono era uma possibilidade muito viável. A morte prematura de Eduardo VI confirmou as preocupações e uma manobra foi arquitetada para impedir sua reivindicação legítima, quando foi designada a coroação da jovem Jane Seymour como rainha numa tentativa clara de golpe. O Parlamento, a pressão popular, a agitação diplomática e as leis estavam do lado de Maria, que tomou o poder após 9 dias de reinado de Jane.

Coroada como Maria I em 1554, aos 37 anos, sua primeira ação no poder foi punir com a morte os envolvidos na conspiração, incluindo Jane. Católica fervorosa e opositora do estabelecimento da reforma liderada pelo pai, ela tratou de restabelecer a presença da Igreja de Roma no centro do poder como religião oficial da Inglaterra, revogando as leis que instituíram o protestantismo associado à coroa. Para reforçar o restabelecimento do catolicismo, fortalecer sua aliança política e militar e gerar um herdeiro para o trono, Maria I se casou com o primo Filipe II, rei da Espanha. Uma reação à união foi a insurreição protestante conhecida como Rebelião de Wyatt, que foi prontamente reprimida e resultou até na detenção de sua irmã, a princesa Elizabeth, adepta do protestantismo e acusada de envolvimento.

O revanchismo religioso se intensificou e os protestantes foram qualificados como hereges. Esta postura foi realizada através das “Perseguições Marianas”, ação repressora que promoveu execuções na fogueira de lideranças religiosas que desafiaram a Igreja Católica e a autoridade papal. O clima dos acirramentos religiosos iniciado por Henrique VIII teve uma nova fase sob Maria I, embora em sentido oposto porque visava reverter o avanço protestante.

Além da atuação religiosa, seu reinado foi dedicado a reformar a legislação e funcionamento das instituições jurídicas para tornar o acesso à justiça mais acessível para os súditos. Medidas instituídas sob a regência de seu irmão foram revogadas para favorecer a ação assistencialista da Coroa e uma nova política financeira proporcionou a redução da inflação e aumento do valor da moeda inglesa. Sob seu governo a Inglaterra sofreu uma vexatória derrota para a França e perdeu a região de Calais, seu último território continental, o que reforçou as críticas e reprovação da rainha.

Desde a adolescência Maria convivia com relações conflituosas, pressões emocionais e implicações políticas que afetavam sua saúde mental e física. A ascensão ao poder, sua luta sem sucesso contra o protestantismo, um casamento infeliz e a frustração pela falta de um herdeiro agravaram ainda mais sua condição, que se manifestava em seu comportamento e sanidade. Ela chegou a experimentar o trauma de episódios de pseudociese ou gravidez psicológica, distúrbio que causava a sensação mental e física de uma gestação inexistente. A situação também era percebida pelos súditos e observadores na corte e no corpo diplomático, afetando a imagem da rainha como uma figura incapacitada. Com sua saúde já seriamente afetada, Maria I morreu em novembro de 1558, aos 42 anos, possivelmente por causa de um tumor uterino.


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