Revista Época | 29 de novembro de 2010
Em 31 de outubro, enquanto milhões de brasileiros votavam no segundo turno das eleições, 12.500 atletas corriam os 42.195 metros que separam a planície de Maratona da capital da Grécia, Atenas. A participação recorde da 28a Maratona de Atenas teve uma razão: festejar os 2.500 anos do feito de Filípedes (também conhecido como Fidípides ou Feidípides). Sua corrida inspirou a criação da prova mais tradicional do atletismo, a maratona, disputada pela primeira vez em 1896, em Atenas, na primeira Olimpíada da era moderna.
A festa dos 2.500 anos da batalha de Maratona foi adiantada: a data correta é 11 de agosto de 2011. Em 490 a.C., após cerca de três horas de batalha, 10 mil atenienses armados com longas lanças e grandes escudos de bronze derrotaram de 20 mila 30 mil invasores do até então imbatível império persa. O centro do império era a Pérsia (o atual Ira) e se estendia a oeste até o Egito e a leste até o Paquistão. Quando os persas conquistaram a Ásia Menor (a Turquia), o passo seguinte foi invadir a Europa para tomar a Grécia. A maioria das cidades-Estado do norte da península grega se submeteu sem resistência. Atenas, bem no centro da península, decidiu resistir. Daí o envio de uma força anfíbia pelos persas, que desembarcou em Maratona.
Finda a batalha, o comandante Miltíades enviou Filípedes a Atenas para anunciar a vitória. Chegando a Acrópole, Filípedes só teve fôlego para dizer “Niki!” (“Vencemos!”), e caiu morto de exaustão. Em suas Histórias, Heródoto (c. 484 a.C.-c. 425 a.C.) conta que 6.400 persas e 192 atenienses morreram. Os gregos foram enterrados num túmulo coletivo que existe até hoje.
Há bem mais a celebrar que os 42 quilômetros de Filípedes. Não se sabe se de fato ele morreu ao transmitir sua mensagem. Heródoto não cita o caso. “A lenda surgiu seis séculos após a batalha, no Império Romano, no início da Era Cristã”, diz o historiador americano Richard Billows, da Universidade Colúmbia, em Nova York, autor de Maratona – Como uma batalha mudou a civilização ocidental, recém-lançado nos Estados Unidos.
O que Heródoto cita é outra façanha do mensageiro Filípedes. Quando os atenienses souberam que milhares de persas desembarcavam em Maratona, despacharam Filípedes para pedir ajuda a Esparta, a outra poderosa cidade-Estado grega, rival de Atenas. Filípedes correu 220 quilômetros até Esparta em três dias, avisou da invasão persa, pernoitou e voltou em três dias com a resposta dos espartanos. Eles levariam uma semana para vir socorrer os atenienses. Seria tarde demais.Uma vez em Atenas, Filípedes soube que o exército havia deixado a cidade para enfrentar os persas em Maratona. Ele correu então os 42 quilômetros até o local da batalha. Chegou na manhã do sétimo dia, ainda a tempo de combater.
Em Maratona, os exércitos estavam num impasse. Os atenienses tinham a vantagem do terreno. Ocupavam a parte alta da planície, de costas para a montanha e de frente para o mar. Mas estavam em desvantagem numérica de 3 para l. Com escudos e armadura de bronze, a infantaria grega era mais bem armada que os persas e seus escudos de couro. O temor era a cavalaria persa. Por mais armados que estivessem, os gregos não conseguiriam detê-la. Aos persas, em superioridade numérica, bastava aguardar o avanço grego. Após seis dias de impasse, o general persa embarcou à noite sua cavalaria com a missão de tomar a indefesa Atenas. A travessia por mar levaria 12 horas.
Era madrugada quando Miltíades soube do plano persa. Esperou a cavalaria partir para atacar. O plano era audacioso: derrotar os persas de manhã e correr para defender Atenas, num trajeto de seis horas. Se tudo desse certo, chegariam à cidade antes da frota persa.
Miltíades reforçou os flancos da frente de batalha grega, de l quilômetros de extensão, tirando homens do centro. Este teria de resistir ao ataque persa, permitindo aos flancos reforçados destruir os flancos persas e envelopar o inimigo. Deu certo. Na luta corpo a corpo, o armamento de bronze fez a diferença. Finda a batalha, Filípedes correu a Atenas e anunciou a vitória. No total, correu 540 quilômetros em sete dias. O resto das tropas o seguiu, chegando quando as velas persas surgiam no horizonte. Ao avistar os gregos na praia, os persas fugiram.
A batalha de Maratona mudou o curso da civilização. Segundo Billows, uma derrota grega significaria o fim de Atenas e a deportação dos habitantes ao Golfo Pérsico – o castigo imposto em 494 a.C. aos revoltosos de Mileto, o lar de Tales, o mais antigo filósofo grego.
Uma vitória persa abortaria no nascedouro a democracia ateniense. Ela ficaria para a história como uma experiência interessante e malsucedida. Sem democracia, diz Billows, não haveria o Século de Ouro de Atenas, o espantoso florescimento cultural na cidade no século V a.C. Tome o exemplo do dramaturgo Esquilo, que lutou em Maratona. Em caso de derrota, ele teria morrido antes de compor suas tragédias. Com o exílio dos atenienses, se tivessem nascido, Sófocles, Eurípides e Aristófanes teriam criado o teatro grego? Haveria a filosofia de Platão, Sócrates e Aristóteles? Péricles jamais teria encomendado a Fídias a construção do Parthenon, uma das sete maravilhas do mundo antigo, nem a cultura grega formaria a base do Império Romano e, por tabela, do Ocidente. Assim, os artistas do Renascimento não contariam com o referencial estético grego. Do mesmo modo, teria Shakespeare escrito suas tragédias sem beber da fonte grega? E quanto à filosofia ocidental, sobre a qual já se disse não passar de notas de rodapé sobre a obra de Platão e Aristóteles?
A divisão entre Ocidente e Oriente foi estabelecida há 25 séculos em Maratona, diz Billows. Pode-se argumentar que a derrota em Maratona levou os persas, em 480 a.C., a invadir a Grécia com 100 mil homens. Ainda assim, foram barrados por Leônidas e 300 espartanos em Termópilas, derrotados no mar em Salamina e em terra em Platéia. Sem a confiança da vitória em Maratona, os gregos teriam resistido?
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