As 16 datas que mudaram o mundo: 11- O HOLOCAUSTO

 

 

Por Pierre Miquel (1930-2007) - Historiador francês
Por Pierre Miquel (1930-2007) - Historiador francês

O antes do Holocausto, o massacre de judeus e de ciganos, de 1941 a 1945, nos campos de extermínio, é a invasão da Europa pelos nazistas, é o estabelecimento da ordem negra diante da ordem vermelha, o que implica a perseguição dos opositores e particularmente dos judeus, vítimas da política racista de Hitler, mas ainda não a morte cínica e cientificamente programada.

 

O depois do Holocausto, o maior crime da história cometido deliberadamente contra a humanidade, é a inclinação dos povos do mundo inteiro na direção da busca, contra todas as agressões de uma proteção sem concessões, dos direitos elementares do homem e principalmente do direito de viver.

*****

Tudo que podemos dizer sobre Auschwitz e os quatro campos de extermínio situados em território polonês, Treblinka, Sobíbor, Chelmno, Belzec, está aquém da realidade; tanto o antes quanto o depois fazem desse sol negro um acontecimento absoluto.

Sabíamos que os nazistas eram capazes de tudo. A publicação de Mein Kampf, livro doutrinário de Adolfo Hitler em 1923-1924-1925, expunha os temas racistas e pregava literalmente o extermínio dos judeus. Em 1930, O Mito do Século XX, escrito por Rosenberg, teorizava o racismo.

A partir de 1933, foram impostas as primeiras medidas anti-semitas para a exclusão dos judeus da comunidade alemã. As leis de Nuremberg em 1935 faziam dos judeus simples subordinados do Reich e proibiam qualquer casamento entre alemães e judeus.

Em 1938, por ocasião da Noite dos Cristais, um vergonhoso pogrom preparado pelos nazistas em toda a Alemanha em represália ao assassinato, por um terrorista judeu, de um diplomata alemão em Paris, foi organizada uma caça aos judeus nas ruas, assim como a destruição de seus bens e o incêndio de sinagogas. As primeiras deportações de judeus começaram em direção aos campos de concentração de Dachau, Buchenwald e Sachenhausen. Em janeiro de 1939, Hitler afirmou em um discurso que uma nova guerra mundial levaria à destruição de todos os judeus da Europa.

Desde que os protestos de pastores e padres revelaram em 1940 a política sistemática de assassinatos, pelo gás, de crianças anormais, sabíamos que Hitler estava prestes a tudo para manter a doutrina racista. Dessa forma, o nacional-socialismo se outorgava o direito de matar.

Os restos das vítimas eram escondidos em urnas e enviados às famílias, e tais modalidades mencionadas nos jornais locais, chamando a atenção do público para o grande número de incinerações. Dessa forma foi possível surpreender os carrascos, confundi-los, denunciá-los, obrigá-los a recuar. Por pouco tempo. De 1940 a 1941, os judeus de todos os países conquistados no leste europeu foram separados da população, reagrupados em guetos insalubres, verdadeiros morredouros coletivos, e depois mandados para os campos de concentração.

Na Rússia, depois do sucesso do plano Barbarossa que conduzia o exército alemão até as portas de Moscou, unidades especiais da SS, as Einsatzgruppen, eliminavam os judeus detidos nas cidades e nos vilarejos soviéticos utilizando os caminhões equipados com gás localizados na retaguarda da Wehrmatcht.

Os judeus da Ucrânia, dos países bálticos, da Bielo-Rússia desapareciam então aos milhares. Era considerado mais rápido e mais econômico gasear as vítimas do que abatê-las nas gigantescas fossas, como em Minsk. A indústria química do Reich permitia a economia de balas e da mão-de-obra dos matadores.

Um decreto de dezembro de 1941, chamado Noite e Nevoeiro, previa a organização sistemática da eliminação dos judeus.

A decisão definitiva foi tomada na conferência de Wannsee em janeiro de 1942; a Shoah estava programada: seis milhões de mortos.

Os temíveis responsáveis reuniram-se em uma cidade próxima a Berlim em Wannsee. Quem são eles? O trio Goering-Himmler-Heydrich, aplicando a vontade de Hitler “campeão impávido de uma solução radical”, diz Goebbels. A solução radical é a eliminação física de uma população inteira na Europa, friamente programada.

Ela deve estar em concordância com a experiência dos Einsatz-gruppen na Rússia, científica, sistemática, apoiando-se no emprego de gases especiais produzidos pela indústria química (cyclon B) e na destruição dos corpos nos fornos crematórios. Tudo deve permanecer em segredo e acontecer no interior da Polónia, nas terras geladas e pontuadas por lagos de Auschwitz. Uma parte da população dos campos será utilizada em trabalhos forçados até a morte, ou em experiências médicas. Uma outra parte será imediatamente gaseada.

As câmaras de gás substituem os caminhões-assassinos de Minsk, de Kharkov, de Kiev, e expõem judeus e ciganos a uma morte programada, organizada em comboios bem ajustados pelo especialista, Eichmann, que ainda consegue deportar 400.000 judeus da Hungria no fim de 1944 e até mesmo judeus de Roma, os judeus do papa, para Birkenau.

Depois da guerra, nada devia transparecer dos horrores do extermínio. Os chefes nazistas deram ordens para limpar inteiramente os lugares dos massacres. Em 3 de novembro de 1944, enquanto os americanos mantinham a linha do Reno e os franceses lutavam em Vosges, Himmler ordenava, depois da execução dos judeus do último comboio, a destruição de todas as instalações. Loucura suprema, a imensa hecatombe deveria permanecer secreta e não deixar nenhum rastro. O depois de Auschwitz, para os chefes nazistas, deveria ser o silêncio da história.

Desde o fim de 1942, as revelações chegavam às autoridades americanas por meio de agentes residentes na Suíça. Elas mostravam-se tão desmesuradas que as autoridades não acreditavam. Tais revelações não tiveram nenhuma conseqüência prática. O Vaticano, muito bem informado sobre a situação na Polônia católica, continuava mudo e o papa Pio XII só considerava como prioridade a salvação dos padres poloneses vítimas dos campos de concentração.

Alertadas, as comunidades judaicas dos Estados Unidos publicavam informações em seus jornais. Os grandes jornais americanos só relatavam a descoberta do Holocausto com grande reserva. Os dirigentes aliados pensavam que era inútil procurar intervir imediatamente, que era necessário acelerar a vitória, não desviar nenhum recurso militar para acabar logo com esse horror.

O horror. Quem poderia olhá-lo de frente? A própria liberação dos campos de extermínio pelos soviéticos era encarada com dúvidas. O público americano não queria realmente acreditar, apesar das revelações mais precisas e espetaculares dos jornais. A descoberta verdadeira da realidade dos campos de extermínio aconteceu com a abertura, para as câmeras americanas das Atualidades cinematográficas, do campo de Dachau visitado pelo general Eisenhower. Não era um campo de extermínio. Mas o amontoado de corpos falava por si só.

Então o mundo inteiro, e principalmente os alemães, foi colocado diante dos estandes da morte do sol de Auschwitz. Agora era impossível negar, duvidar, calar-se.

Então o lugar do martírio torna-se, para todos os homens, o centro de uma reflexão que faz do pós-Auschwitz o pólo mais forte da mudança moral do pós-guerra.

Uma reflexão sobre o homem e sobre o campo de suas possibilidades, sobre os limites da tecnologia que lhe permite transformar o mundo. Se o acúmulo de conhecimento tecnológico pode servir para a destruição dos homens sobre a terra, para que serve a tecnologia? A serviço de uma ideologia da morte, ela se torna o maior dos perigos. O desenvolvimento científico implica um domínio moral planetário das conseqüências das descobertas. Só que o futuro da humanidade está subordinado à produção de armas químicas, mais tarde atômicas. Não há mais nada a fazer para impedir os massacres: impotência dramática do presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt. Esta é a primeira lição de Auschwitz: o poder político a serviço dos direitos da pessoa humana tem como primeiro dever o de dominar a tecnologia e impedi-la de servir ao crime com toda a sua força.

A segunda lição é que se deve evitar a todo custo o desenvolvimento de um regime que atente contra os direitos naturais do homem de existir e de ser livre. A criação da ONU por Roosevelt respondia a esse objetivo; da mesma forma que a nova definição dos direitos do homem. A condenação, por um tribunal internacional, dos crimes de guerra começa, com algum atraso, em Nuremberg. Pela primeira vez na história, os responsáveis pelos crimes de guerra são publicamente julgados e castigados.

Existe às portas do terceiro milênio uma opinião mundial que deve se mobilizar em permanência contra o crime. Pois nós sabemos, a partir de Auschwitz, que um regime pode ser deliberada-mente criminoso, mesmo sob a aparência da legalidade. O exemplo dos massacres da Bósnia pode nos convencer. Eles tiveram como conseqüência a criação de uma corte internacional de justiça que deveria se aplicar em castigar todo atentado contra os direitos do homem no mundo.

Pela primeira vez a comunidade internacional admitiu a idéia de que o crime não devia ficar impune e que pertencia a ela a organização de julgamentos e de sanções, mesmo correndo o risco de uma intervenção cuidadosamente controlada pela forças internacionais da ONU no território das nações culpadas.

Essa intervenção supunha a existência de uma força internacional incontestável, cujo emprego fosse estritamente limitado às decisões do Conselho Executivo das Nações Unidas. A Liga das Nações, entre as duas guerras, não dispunha de um aparelho de sanções morais e econômicas. A ONU tinha o poder e o dever de convocar as forças armadas para zelar pela execução de suas arbitragens. A justiça internacional dispunha, assim, de uma força de execução, de um exército de voluntários permanente cujos contingentes eram recrutados em todas as nações.

O terceiro ensinamento do pós-Auschwitz é que o anti-racismo faz parte do corpus de leis de cada Estado ligado aos valores democráticos e que ele deve ser respeitado a qualquer preço, à custa de uma constante vigilância dos cidadãos e dos poderes públicos.

O anti-racismo, ou seja, a fraternidade, deve ser um dos valores das sociedades humanas a ser inscrito no frontispício dos imóveis públicos e, certamente, no texto das constituições.

Mas ele deve, antes de tudo, expressar-se nos corações dos homens. O amor ao outro, contra a morte do outro.

 

Pequena Cronologia

 

  • 1923-24-25: Redação e publicação do Mein Kampf, obra doutrinária de Adolf Hitler. O futuro ditador, que nasceu em Braunau, no ano de 1889, filho de um aduaneiro austríaco, que se mudou para Viena em 1905 a fim de estudar belas-artes, sendo rejeitado no exame de admissão, torna-se anti-semita e antiparlamentarista. Ex-combatente da Primeira Guerra Mundial, ele passa, em 1919, a “oficial político” encarregado, no exército, de despistar e de denunciar os comunistas. Como militante de extrema direita em Munique, ele cria o Partido Alemão dos Trabalhadores (NSDAP), ao qual o estudante Rosenberg se une. Em 1921, cria a formação paramilitar dos (SÁ) e tenta um putsch em Munique no dia 8 de novembro de 1923 contra o governo bávaro de von Kahr. Preso na fortaleza de Landsberg por cinco anos, Hitler dita Mein Kampf para Rudolf Hess, seu secretário.
  • 1930: Publicação do Mito do século XX, de Alfredo Rosenberg. O engenheiro arquiteto de origem báltica, apresentado a Hitler, em Munique, pelo teórico racista Dietrich Eckart, torna-se propagandista dos Protocolos dos Sábios de Sion, bíblia dos anti-semitas alemães que apresenta a decadência da Europa e do Ocidente como resultado de um complô judeu-maçônico. Foi nomeado ministro em 1941 para os territórios ocupados do Leste, e condenado à morte e enforcado em 1946. 
  • 1933: Depois da chegada legal dos nazistas ao poder, são tomadas as primeiras medidas anti-semitas, como boicote das lojas, exclusão das profissões liberais e artísticas, anulação das natu-ralizações de judeus estrangeiros.
  • 1934: Os campos de concentração de Dachau e Sachsenhausen passam para o controle dos SS.
  • 1935: Leis de Nuremberg. Definição do judeu por ascendência: três avós judeus. Proibição dos casamentos mistos entre arianos e judeus. Uso da estrela amarela.
  • 1936: Heinrich Himmler torna-se o chefe supremo da polícia alemã. O organizador dos SS, chefe da Gestapo, que havia sido criada em 10 de abril de 1934, prestou um serviço a Hitler quando massacrou seu rival Rohm, chefe dos SÁ, em 30 de junho de 1934 durante a “noite das facas longas”. Ele trabalha no desenvolvimento dos campos de concentração. 
  • Julho de 1937: Abertura do campo de concentração de Buchenwald.
  • 1938: Abertura do campo de Mauthausen perto de Linz. Novembro de 1938: Noite dos Cristais. Multa de um bilhão de marcos é imposta à população judaica, 300 sinagogas são queimadas ou saqueadas. Prisão de 30.000 judeus nos campos de concentração.
  • 1939: Abertura dos campos de Neuengamme perto de Hambourg e de Flossenburg no Palatinado bávaro. Para as mulheres é aberto o campo de Ravensbríick. Em abril de 1939, a população dos campos atinge quase 300.000 pessoas. 
  • 1940: O caso da execução por gasagem dos anormais é revelado ao publico pelas autoridades religiosas. 
  • 1940-1942: Criação dos campos de concentração de Lublin, Auschwitz, Theresiensqtadt, Dora, do Struthof na Alsácia. 
  • 1941: Criação dos Einsatzgruppen SS nos territórios ocupados do Leste e execução das populações por gasagem em caminhões especiais.
  • Janeiro de 1942: Conferência em Wannsee, próximo a Berlim, na qual é decidida a eliminação completa dos judeus da Europa. 
  • A partir de 1942: Estabelecimento dos campos de extermínio com câmaras de gás em Belsec, Chelmno, Sobibor, Treblinka e Auschwitz.
  • 20 de novembro 1945 a l7 de outubro de 1946: Processo de Nuremberg. Um tribunal militar com representantes das quatro maiores potências aliadas julga vinte e quatro responsáveis nazistas por “crimes contra a paz”, por “crimes de guerra” e por “crimes contra a humanidade”.
  • Três dos acusados não comparecem. O industrial Gustav Krupp é declarado doente. Martin Bormann desapareceu. Robert Ley se suicidou.
  • São condenados à morte por enforcamento Goering (que se suicida), Ribbentrop, Keitel, Kaltenbrunner, Rosenberg, Hans Frank, Frick, Streicher, Sauckel, o general Jodl, Seyss-Inquart, Baumann.
  • Rudolf Hess, que é condenado à prisão perpétua, morre em 1987 na prisão de Spandau, em Berlim.

 

 

Um comentário

  1. o papa atual foi da Hitlerjugend…. e venera o papa de Hitler… Pio XII…

    ah….
    Pio XII tem passado negro….
    quando era cardeal Pacelli… ele intruiu o partido católico de Centro (Zentrum) a votar a favor de 1 lei de exceção em 1933 que dava imensos poderes a Hitler… em troca… o III Reich assinou concordata com o vaticano. Pacelli participou da assinatura da concordata.
    Pacelli e o Vaticano não tomaram nenhuma atitude contra os prelados alemaes e austriacos que apoiavam Hitler. Nem se importaram com a presença de capelães na SS e Wehrmacht.
    Pio XII nao condenou o padre Jozef Tiso, ditador eslovaco (pró-nazista).Tiso massacrou judeusmciganos e opositores.
    Tampouco condenou o regime Ustasha (Croácia) liderado por Ante Pavelic. o regime era nazi-catolico e exterminou opositores, ortodoxos servios, ciganos e judeus… a crueldade Ustasha escandalizava até mesmo os nazistas! Padres participavam pessoalmente das atrocidades… promoviam conversoes forçadas,torturas e assassinatos.
    Pio XII foi alertado … mas se omitiu criminosamente.
    Depois da guerra… varios nazis e ustashas(Mengele,Eichmann,Pavelic etc.) fugiram da Europa com ajuda do Vaticano,CIA e Cruz Vermelha (Ratlines). Os prelados Hudal*,Draganovic**,Montini***,Tisserant,Caggiano e Siri estavam envolvidos com as Ratlines.

    *austriaco, membro do NSDAP
    **croata e antigo oficial de Pavelic.
    ***ele se tornou o papa Paulo VI

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