Nero, um artista da tirania

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Nero é um dos mais conhecidos imperadores romanos, embora sua fama seja produto de sua marca como um tirano e alucinado exercendo um poder praticamente ilimitado. Nascido Lúcio Domício Enobarbo em 37 d.C., filho de Gneu Domício Enobarbo, nobre de comportamento violento e má reputação, e de Agripina, uma das personalidades mais influentes e controversas de Roma. Apesar de ter ficado órfão de pai aos 3 anos de idade, o próprio Gneu chegou a declarar que “dele e de Agripina nada podia nascer que não fosse detestável e funesto ao bem público”, segundo registrou Suetônio, biógrafo dos Césares.

O jovem Lúcio levou uma vida agitada mesmo antes de se tornar imperador. Foi instruído pelo famoso filósofo Sêneca e, apesar das origens nobres, viveu em condições relativamente modestas desde a morte do pai e depois que Agripina caiu em desgraça e foi exilada ao participar de uma trama contra seu próprio irmão, imperador Calígula. O jovem voltou a ter acesso a boas condições quando Agripina casou-se pela segunda vez com um homem rico, que morreu em condições suspeitas pouco depois de deixar um testamento vantajoso, e quando o imperador Cláudio reabilitou os privilégios e posições de nobreza dele e de sua mãe. Mas a sorte de Lúcio teria um novo impulso quando Agripina se casou com Cláudio, tornando-se imperatriz e conseguindo manobrar para que o líder de Roma adotasse seu filho e fizesse dele seu herdeiro, ocasião em que passou a ser chamado de Nero, recebendo o nome tradicional da família dos Cláudios. Sua posição também foi reforçada pelo casamento arranjado com Cláudia Octávia, filha do imperador no ano 53.

Finalmente o agora denominado Nero Cláudio César Augusto Germânico chegou ao poder quando Cláudio morreu repentinamente depois de ser possivelmente envenenado por ação de Agripina pra elevar de uma vez seu filho ao posto de imperador, em 54.

Nero era antes de tudo um artista, realizando apresentações como cantor, tocando lira, como ator e declamando poemas, muitos de sua autoria. Sob a influência e orientação de Sêneca, buscou implementar ajustes na administração de Roma e promover reformas urbanísticas na capital do império, inclusive estipulando normas e técnicas para construções mais eficazes contra incêndios. Nero explorava ao seu favor os recursos de Roma, recorrendo a gastos extravagantes e em atividades como festas, banquetes, jogos e eventos artísticos onerosos e considerados improdutivos pelo Senado, levando a uma relação desgastante com esta importante instituição romana.

Sua conduta violenta era incontrolável, resultando uma sangrenta perseguição a opositores e críticos, além de massacres contra cristãos. O seu próprio mestre e conselheiro Sêneca foi vítima das perseguições do imperador, sendo forçado a se suicidar após acusado de traição. Nem mesmo Agripina escapou da fúria mortal de Nero, pois acabou sendo assassinada sob suas ordens.

Em sua vida pessoal a violência também era uma marca dominante. Resolveu se divorciar de Cláudia Octávia, sua primeira esposa e representante de uma legítima linhagem imperial e adorada pelo povo, que foi depois exilada e brutalmente assassinada em condições estranhas. O divórcio foi o pretexto para seu segundo casamento, com Popeia Sabina, em 62, mulher que já era casada com o futuro imperador Otho e que foi uma influência marcante em alguns de seus atos mais impopulares. Num momento de cólera em uma discussão, Nero espancou Sabina até a morte enquanto ela estava grávida. Em 66 ele se casou com Estátira Messalina e também começou a ter um relacionamento amoroso que culminou com um casamento não oficial com o adolescente eunuco Esporo.

Os problemas próprios de um governo repleto de erros e má condução aliados a uma reputação das piores fizeram com que o descontentamento a respeito de Nero fosse inevitável. Uma série de revoltas civis e militares forçaram a existência de uma situação caótica e insustentável. Um dos movimentos insurgentes foi liderado por Vindex, governador da Gália, que foi tratado como herói pela população, pelo Senado e por lideranças militares depois de ser derrotado por Nero. A aclamação pública ao opositor derrotado dava conta do nível geral deterioração da posição do imperador, o que ajudou a precipitar a movimentação do de Galba, que então governava a província da Germânia, e resolveu marchar para Roma com o objetivo de derrubar Nero enquanto recebia o apoio do Senado, que declarou o imperador “inimigo público”. Sem apoio e abandonado por seus então aliados, Nero fugiu de Roma numa ocasião em que a cidade, que ele tentou modernizar para a prevenção de incêndios, ardia em chamas destruidoras. Diante da situação de desespero e com medo de ser detido, Nero resolveu se matar em 9 de junho de 68. Suas últimas palavras entraram para história através da frase “Que grande artista morre comigo!”. Para a maioria da população sua arte era a tirania.

Nero foi o último representante da Dinastia Julio-Claudiana. Ele não deixou herdeiros e o caos e instabilidade permaneceram depois de sua morte, situação que fez 69 o “Ano dos Quatro Imperadores”, período em que as disputas internas resultaram em governos precários de curta duração nas figuras de Galba, Otho e Vitélio até a ascensão restauradora de Vespasiano, fundador da Dinastia Flaviana. 

Galba, Otho e Vitélio
(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

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