O passado do futuro – uma trajetória das tecnologias educacionais

Tecnologia não envolve apenas o desenvolvimento de complexos artefatos mecânicos, sintéticos, eletrônicos, cibernéticos e softwares cada vez mais presentes em nossas vidas. A linguagem, por exemplo, é um recurso tecnológico bem antigo que foi desenvolvido pela engenhosidade humana para aprimorar o processo de comunicação muito antes de qualquer dispositivo modernoso e continua sendo uma criação avançadíssima que acabou rendendo outras indispensáveis elaborações tecnológicas associadas. 

Várias tecnologias muito importantes para a vida contemporânea são criações efetiva ou relativamente “velhas” que passaram por aprimoramentos até atingirem os níveis de complexidade que reconhecemos agora. Diversos recursos tecnológicos que fazem parte de nossas rotinas praticamente já possuem suas formas definitivas e nem precisam mais ser modificados porque cumprem satisfatoriamente suas funções, não geram a percepção de que foram superados pela intervenção da inovação, do aprimoramento ou de novas necessidades tecnológicas para o desempenho de suas utilidades. Podemos realmente concluir que uma colher, por exemplo, cumpre sua funcionalidade sem que quase nenhuma melhoria seja necessária para aprimorar sua utilização porque não precisamos a um longo tempo de um processo de transformação tecnológica que realize uma evolução no ato de conduzir aos poucos pequenos volumes de alimento até nossas bocas. 

Vários outros recursos de nosso cotidiano estão muito longe da plenitude tecnológica das colheres e por isso nos acostumamos a associar tecnologia ao implemento de aplicações, processos, desenvolvimento de utensílios avançados e diversos objetos capazes de realizar operações e cumprir funções cada vez mais sofisticadas e eficientes, mas rotineiramente – e cada vez mais – fadados à superação pela criação de substitutos melhorados. Este processo acaba provocando o desuso dos objetos pela obsolescência, por terem deixado de cumprir suas utilidades práticas satisfatoriamente ou até porque nos sentimos ultrapassados quando ainda fazemos uso deles. Consequentemente, tecnologia tende a ter um sentido evolutivo e renovador e por isso uma “nova tecnologia” é uma referência imediata e temporária que, segundo a professora Vani Moreira Kenski, confunde-se com a própria ideia de inovação numa situação em que a velocidade das transformações tecnológicas atuais torna complicada a definição de um limite para se qualificar o que é ou não é “novo”. 

A capacidade de evoluir e renovar as criações tecnológicas claro que desperta muitas expectativas. É até inevitável esperar que aquele aparelho moderninho que acabou de sair no mercado vá em algum tempo virar um trambolho obsoleto que ninguém desejará possuir ou utilizar – com exceção dos colecionadores e dos estilosos e alternativos fãs de coisas retrô. Mas acontece que o processo de evolução tecnológica vai muito além disso. 

Pensar no futuro das coisas nesse movimentado fluxo de transformações das tecnologias realmente mexe com a imaginação das pessoas porque muitos aspectos da vida cotidiana podem depender ou ser afetados por essas evoluções, pois os novos inventos e os aperfeiçoamentos de recursos tecnológicos já conhecidos são capazes de proporcionar uma série de repercussões econômicas, ideológicas, comportamentais, ambientais e outros efeitos sobre nossas vidas. O futuro cada vez mais repleto de tecnologias é um tema de interesse de pessoas imaginativas e curiosas que resolveram explorar possibilidades variadas, incluindo as idealizações positivas e as perspectivas catastróficas. Nos cenários futuristas otimistas várias de nossas dificuldades serão atendidas ou superadas através dos aparatos de recursos criados pela engenhosidade e pela técnica, enquanto, por outro lado, as elaborações pessimistas envolvem visões sombrias de um futuro no qual as pessoas acabarão tendo sua própria humanidade afetada e serão submetidas às máquinas e aos riscos que as tecnologias poderão proporcionar. 

Entre a realidade, a utopia e a distopia futuristas, muitas ideias, especulações, aspirações, projetos, experimentos, criações e até ilusões contribuíram para enriquecer as visões sobre o mundo do amanhã. Os inspirados e inovadores agentes da reflexão sobre o futuro chegaram a considerar as mais variadas possibilidades de progressos e transformações tecnológicas em diversos cenários, inclusive especulando sobre o que se passaria no âmbito da educação das futuras gerações que teriam tecnologias cada vez mais avançadas ao seu alcance. 

Se ocupar do futuro da educação e propor métodos e aplicações tecnológicas para aprimorar a experiência e os processos de ensino e aprendizagem passou a ser o interesse de muitos que enxergaram possibilidades que não poderiam ser desperdiçadas. Tão logo alguns milagres da eletrônica passaram a ser viáveis foram surgindo propostas para utilização de muitos deles em contextos educativos, incluindo adaptações de inventos ou a criação de outros especificamente destinados aos esforços de ensinar e aprender.   

Estas ideias passaram no século 20 a envolver inovações como o emprego de filmes propostos para substituir os livros didáticos – como sugeriu Thomas Edison já em 1922 – ou o uso de gravações de áudio com a mesma finalidade –  como proposto pela revista Science and Invention em 1924. Esta última ideia chegou a ser aperfeiçoada e utilizada como um excelente serviço para públicos especialmente necessitados de recursos educacionais adequados, a exemplo do início da fabricação e emprego dos primeiros LPs como audiolivros produzidos especialmente para deficientes visuais a partir de 1934, iniciativa da Fundação Americana para os Cegos que posteriormente envolveu a Biblioteca do Congresso dos EUA e também a entidade representativa dos editores, ação conjunta que acabou facilitando a liberação de direitos autorais e disponibilidade de recursos financeiros e tecnológicos para a adaptação de obras e a consequente ampliação de produção e oferta de material acessível ao público. 

Estudantes cegos ouvindo um “livro falante” em Nova York (Library of Congress, EUA)

Assim que os irmãos Lumière desenvolveram seu cinematógrafo, em 1895, os primeiros e ainda precários filmes educativos também começaram a ser produzidos por onde quer que tenha chegado essa tecnologia. Os filmes foram logo compreendidos como meios úteis para a divulgação e disseminação científica nas instituições de ensino, e entre os alemães foi concebida a noção de Kulturfilm para classificar todas as produções não-ficcionais que se prestavam a instruir os espectadores, ideia que acabou sendo assimilada em outros países. Também na Alemanha foi criada em 1907 a revista Schule und Technik (Escola e Tecnologia), primeira publicação dedicada ao cinema educacional, sinal de que já havia muito o que se discutir sobre os usos educativos do cinema mesmo antes de sua massificação. A partir dos anos os anos 1910, vários institutos, associações e, claro, órgãos estatais – que encontraram no cinema um meio útil também para propagar seus ideais políticos – passaram a estudar, avaliar, produzir e ainda a regulamentar a produção educativa de filmes. No Brasil foi criado em 1936 o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), primeira instituição cinematográfica brasileira, que esteve envolvido em mais de 400 produções até sua extinção em 1966. 

O conhecimento já navegava nas ondas do rádio quando esta tecnologia começava a ser empregada fora das iniciativas experimentais, da comunicação entre apenas dois pontos e dos usos em combate na Primeira Guerra Mundial. A radiodifusão passou a ser o meio utilizado para veiculação de transmissões de aulas através de programas e estações dedicados ao ensino de ouvintes que poderiam estar longe das escolas, mas próximos dos aparelhos sonoros. Nos EUA, a estação WHA, da Universidade de Winsconsin, foi fundada em 1919 (enquanto só no final do ano seguinte a KDKA, em Pittsburgh, fazia sua estreia como primeira estação comercial do país), dando início a uma expansão de rádios educativas que passaram a operar como unidades reconhecidas das instituições de ensino superior e também na suplementação do ensino básico, apesar das dificuldades iniciais de adaptação das aulas presenciais para a comunicação radiofônica e dos problemas de manter as estações antes da existência de anunciantes. Em 1958, o pesquisador Harold Franklin Niven contabilizava em sua tese na Universidade de Ohio que o país disponha de mais de 160 estações educativas, o que sugere ser uma vasta rede de rádios. 

No Brasil, as transmissões de aulas começaram pouco tempo depois dos EUA, quando em 1923 teve início a programação educativa da Rádio Sociedade, no Rio de Janeiro. Os ouvintes da emissora carioca recebiam verdadeiras aulas de conteúdos escolares de línguas, ciências e história que eram apresentadas por professores diretamente dos estúdios da emissora. Em 1934 foi inaugurada, também no Rio de Janeiro, a estação PRD5, iniciativa que ficou logo conhecida como “o rádio a serviço da educação”. A emissora possuía programação didática que privilegiava o ensino das ciências e um dos docentes vinculados a ela, o professor Ariosto Espinheira, da Escola Secundária Technica Amaro Cavalcanti, chegou a publicar no mesmo ano a obra Rádio Educação, um minucioso manual que continha métodos e procedimentos para a realização de aulas radiofônicas, sendo um pioneiro na produção de estudos, metodologias e divulgação de práticas envolvendo meios para exploração de tecnologias educacionais no Brasil.

Em 19 de maio de 1938, num incrível experimento na sede da RCA (Radio Corporation of America), telas vitrificadas de 15 aparelhos exibiram o professor C. C. Clark ministrando uma aula de 45 minutos sobre fotoeletricidade para um público de 250 estudantes da Universidade de Nova York. A inovadora aula também contava com o uso de um transceptor – recurso que o inventivo Clark já utilizava 3 anos antes disso – para que os alunos pudessem interagir com professor que se encontrava em outro local no mesmo edifício. Embora a tecnologia de transmissão televisiva viesse sendo testada desde a década de 1920 (e a partir de 1933 a Universidade de Iowa já realizasse experimentos de transmissão), a aula do professor Clark representou – e muito antes das atuais “lives” na internet –  a primeira vez que uma tela eletrônica era empregada como recurso educacional efetivo numa ocasião em que a televisão não era ainda uma tecnologia comercialmente viável ou um serviço acessível ao público.

A “sala de aula do futuro” instalada na sede da RCA em Nova York, 1938

Em 1947 foi feita a primeira demonstração conhecida de um dispositivo eletrônico lúdico controlável: o experimento realizado por Thomas T. Goldsmith Jr. e Estle Ray Mann, que então desenvolviam um aparelho de TV, consistia numa simulação rudimentar de ataque de mísseis inspirada num radar no qual o jogador manobrava um ponto na tela para atingir um alvo. Outros experimentos como o jogo computadorizado Bertie the Brain (1950), desenvolvido pelo engenheiro canadense Josef Kates, além da configuração do computador NIMROD (com seus 3m de comprimento por 2m de altura e 1m de profundidade) especificamente montada para o jogo NIM em 1951, foram propostos para demonstrar as capacidades de processamento dos componentes e equipamentos em que eram executados e os jogos não eram exatamente os focos dos projetos. Embora não tenha sido demonstrado para um público porque era impraticável mover o computador EDSAC para fora do laboratório na Universidade de Cambridge e também por não ser este o propósito, em 1952 o britânico Sandy Douglas desenvolveu o jogo OXO (o conhecido “jogo da velha”) com o objetivo de demonstrar a interação entre humano e computador. Em 1858 uma demonstração ainda mais interessante foi realizada pelo físico William Higinbotham, que adaptou um jogo de tênis em um enorme computador analógico conectado a um osciloscópio e a um par de controladores que posteriormente conheceríamos como joysticks

A sequência dos experimentos na elaboração dos jogos eletrônicos acabou gerando um segmento tecnológico produtor de entretenimento com alto nível de inovação, sendo hoje uma indústria multibilionária. No decorrer dessa evolução, discutiu-se muito sobre os malefícios e benefícios dos videogames para o público mais jovem e sobre o potencial de aprendizado que eles poderiam proporcionar. Em 1970, o pesquisador Clark Abt concebeu a ideia de que os “jogos sérios” eram capazes de promover aprendizado e desde então as atenções voltadas para os videogames passaram a considerar o emprego educativo dos jogos digitais. Também em 1970, surgiu o pioneiro Logo, jogo educativo que abordava matemática e fundamentos básicos da programação para crianças e em 1971 foi lançado o primeiro jogo da série The Oregon Trail, que era inspirado na História dos EUA e trazia uma experiência na qual uma carroça de colonos guiava uma caravana para a conquista de terras. The Oregon Trail acabou atraindo investimentos da organização estatal Minnesota Educational Computing Consortium (MECC), que contratou Don Rawitsch, desenvolvedor do jogo, para proporcionar condições para que sua criação pudesse atingir em massa o público escolar, plano que deu certo e ajudou até a motivar a aquisição de computadores para as escolas, sendo a série um sucesso continuado que continuou produtiva na década de 1980. Até no meio militar dos EUA a ideia de explorar jogos em processos instrutivos pareceu fazer sentido e o jogo que ficou conhecido como The Bradley Trainer (de 1981), versão do clássico Battlezone da Atari, foi utilizado como simulador para preparação de combate. A compreensão do papel dos jogos no processo educativo tem sido cada vez mais aprofundada e tem sido revelado seu potencial através de estudos, de experimentações e também em função da evolução e oferta de dos jogos que podem ser explorados. 

Além das tecnologias transistorizadas e digitais mais primitivas que foram inspirando inovações educacionais ao longo dos anos em que determinados recursos surgiam, também eram interessantes as especulações futuristas visionárias até mais antigas que estes experimentos. Eram inúmeras as fantasias em torno de um futuro científica e socialmente avançado, repleto de benefícios proporcionados pela engenhosidade tecnológica. Segundo os autores dos mirabolantes cenários de futuro, os avanços proporcionados pelos inventos sofisticados que ainda viriam a se tornar realidade poderiam facilitar e melhorar as vidas das pessoas, que teriam mais conforto, aproveitariam melhor o tempo disponível, trabalhariam com menor esforço e teriam acesso a um melhorado processo de informação e formação apoiado em curiosos inventos, parafernálias e aparatos eletroeletrônicos de comunicação, de processamento e até (ora, e por que não?) do uso de robôs! 

Numa coleção de quase uma centena de cartões de diversos autores organizada na França por Jean-Marc Côté em 1910 (mas com obras que também datam desde 1899) o futuro foi explorado através de perspectivas artísticas de como seriam uma série de atividades corriqueiras no ano 2000. Bem ao estilo daquilo que hoje é chamado de steampunk com um visual que remete à Belle Époque, as imagens futuristas da coleção retratam variadas situações como o uso de um maquinário com braços articulados num salão de barbeiro, trem elétrico que percorre distâncias continentais, geringonças eletromecânicas utilizadas no serviço doméstico e nas atividades rurais, pequenos aeroplanos empregados para sobrevoar rapidamente as ruas de Paris nos deslocamentos cotidianos ou para a prestação de serviços de vigilância policial, de táxi e para a entrega de correspondências e encomendas diretamente nas sacadas superiores das residências. Também há protótipos de inventos voltados para artes, comunicações e conhecimento a exemplo de um cinema interativo, de uma orquestra mecanizada e do jornal que se ouve no fonógrafo (antecipando bastante a ideia dos audiolivros em LPs), entre outras incríveis maravilhas tecnológicas. A proposta de escola do ano 2000 que faz parte desse acervo futurista pode ser estapafúrdia e absurda mesmo para os dias de hoje, mas a ideia envolve um meio de transmissão de conteúdos e ampliação da capacidade de apreensão de saberes por parte dos estudantes. Segundo a idealização proposta em 1910 pelo artista Villemard, os estudantes do ano 2000 poderiam até continuar frequentando salas de aula não muito diferentes daquelas que já eram habituais mesmo nos tempos da elaboração da proposta visionária, mas eles contariam com o reforço de um invento capaz de converter os conteúdos dos livros em pulsos elétricos que incidiram diretamente sobre os cérebros curiosos dos aprendizes. 

“En L’An 2000 – À l’ École”, Villemard, 1910 (Bibliothèque Nationale de France)

Mergulhando no “Paleofuturismo” (termo criado pelo jornalista e blogueiro Matt Novak), chama também a atenção a arte do desenhista Arthur Radebaugh, que além de seu reconhecido trabalho como ilustrador publicitário. O desenhista ainda gostava de especular sobre o futuro e produziu entre 1958 a 1963 a seção “Closer Than We Think” (“Mais perto do que Pensamos”), que era publicada semanalmente pelo jornal Chicago Tribune e trazia mirabolantes ideias a respeito dos mais diversos cenários além de seu tempo, sobretudo apresentando curiosas criações de design para incríveis artefatos tecnológicos – alguns dos quais até possuem seus equivalentes funcionais hoje em dia. Em maio de 1958 sua especulação futurística intitulada “Push-button education” (algo como “educação ao aperto de botões”) trazia uma sala de aula cheia de apetrechos tecnológicos semelhantes aos computadores contemporâneos e sendo manuseados por alunos que assistiam a uma teleaula. Radebaugh acompanhava o crescimento populacional pós-Segunda Guerra que foi chamado de “Baby Boom” e imaginava que as escolas acabariam superlotadas porque não disporiam de professores suficientes para dar conta de tantos jovens. Essa situação levou o ilustrador a concluir que a tecnologia seria um meio para lidar com o problema, empregando o audiovisual associado às “máquinas mecânicas de tabulação” que fariam o registro da evolução dos muitos estudantes que seriam avaliados através do emprego desses dispositivos – e que indicariam após processar resultados obtidos nos testes se os alunos com desempenhos abaixo do esperado viriam a precisar de ajuda adicional de professores de verdade, de carne e osso, para um atendimento presencial personalizado. Uma vez em casa, os estudantes do futuro de Radebaugh também contariam com tecnológicas ferramentas para lidar com as lições diárias. Dotada de uma tela para exibição de videoaulas e de uma espécie de tablet descrito como “caderno eletrônico”, as mesas domésticas de estudo seriam um complemento de sua sala de aula futurista. Entre as inovações previstas pelo ilustrador do futuro também está um verdadeiro centro de informação e instrução que as residências poderiam dispor na forma de uma biblioteca doméstica multimídia dotada de livros, filmes e equipamentos para gravação do melhor da programação da TV (possibilidade tecnológica que em 1959, ano da publicação da ilustração, foi apenas sondada de maneira ainda especulativa pela RCA, pois os videocassetes comerciais só surgiram no início da década de 1970). Nomeada como “Biblioteca Eletrônica Doméstica”, a ilustração de Radebaugh também traz uma novidade muito interessante na forma de um projetor de leitura capaz de fazer com que textos e imagens pudessem ser reproduzidos no teto ou em alguma parede do recinto, mas com o acréscimo surpreendente de uma voz eletrônica narrando o texto projetado. O autor desta peripécia tecnológica registrou que este último dispositivo teria impacto sobre os estudantes, que teriam uma experiência diferente com a leitura acompanhada de narração.  

A educação também foi objeto do futurismo divertido da série animada The Jetsons, um sucesso mundial inicialmente produzido em 1962 e 1963 e posteriormente retomado mais de 20 anos depois (entre 1985 até 1987). A animação retratava as aventuras de uma simpática e curiosa família que vivia cerca de um século no futuro na tecnológica Orbit City, metrópole que possuía seus prédios suspensos, carros voadores, dispositivos tecnológicos incríveis e robôs desempenhando serviços diversos por toda parte. No Brasil a série foi exibida e reprisada por muito tempo e eu virei fã quando era criança nos anos 1980. 

Meu personagem favorito da família Jetson era o esperto menino Elroy, que costumava estar acompanhado de seu cachorro Astro. Elroy tinha uma rotina de criança, brincava, tinha amigos, gostava de aventuras e também frequentava a escola. Ele estudava numa escola pública fundamental, a Little Dipper School, e no episódio “Elroy’s Mob” (1963) o garoto do futuro apresenta num nada futurista quadro negro a sua complexa “equação supersônica” durante uma aula. A professora robô aciona em seguida uns comandos em seu teclado torácico para avaliar o desempenho do pequeno gênio e o resultado que sai impresso diretamente da cabeça da desengonçada Sra. Brainmocker é positivo, rendendo elogios para Elroy. A aula continua e enquanto a professora cibernética pretende iniciar sua aula sobre as teorias de Einstein para uma meninada de menos de 10 anos de idade, mas a sequência de sua exposição é interrompida porque nem todos os estudantes estão atentos. O bagunceiro Kenny Countdown não está nem aí para o livro – sim, um livro mesmo – e prefere se distrair com sua TV miniatura assistindo a um desenho dos Flintstones e não nega que está achando aquilo muito mais interessante do que a monótona aula expositiva de física. Diante da situação de indisciplina escolar a Sra. Brainmocker se irrita, reclama porque esse comportamento de Kenny é rotineiro e confisca o dispositivo do menino, que caçoa do defeito que faz com que a professora robô fique “engasgando” e repetindo palavras no final de suas frases. Mas a Sra. Brainmocker dá um jeito de se vingar: pega umas espécies de fitas cassetes gravadas com boletins escolares e registros do acompanhamento dos estudantes e distribui para a turma, evidenciando diante de todos que Elroy tirou “A” em tudo e que Kenny amargou uma poção de notas baixas. Os dois meninos acabam tendo reações opostas, pois Elroy sai literalmente voando com sua jato-mochila pela sala de aula comemorando seu ótimo desempenho enquanto Kenny fica com medo de ser punido pelo pai. Então, para evitar o castigo certo em casa, Kenny distrai Elroy e troca as suas fitas-boletins. Tem início a confusão.

Chegando em casa Elroy toma uma bronca de seus pais, George e Jane, que ouvem a fita trocada num aparelho de som na parede do apartamento. A gravação contém a narração das notas baixas e a recomendação da professora de que para corrigir a conduta do menino a solução é colocá-lo justamente numa escola militar. George concorda com proposta e Jane reage de forma melodramática ao suposto fracasso de Elroy, que tenta convencer aos pais de que aquilo é um mal entendido, mas só Astro acredita nele. Depois de o menino ser ordenado a se trancar no quarto como castigo, o pai de Kenny faz uma “videochamada” para os Jetsons e diz – enquanto puxa a orelha do filho treloso – que as fitas foram trocadas. George e Jane ficam péssimos pela injustiça que praticaram e vão ao quarto de Elroy, mas o menino decidiu fugir de casa em companhia de Astro para provar que ele seria capaz por conta própria de realizar feitos incríveis e que um dia viria a ser  reconhecido pelos pais. O resto da trama é bem previsível, o menino sai pela cidade se metendo em encrencas enquanto os pais tentam encontrá-lo até que no final tudo dá certo, os problemas são resolvidos e todos vivem felizes.

Mas voltemos a tratar da escola de Elroy. O episódio é do final da temporada de 1963 e as imaginações criativas dos autores das aventuras dos Jetsons elaboraram pequenos foguetes nas costas dos personagens para que eles pudessem sair voando por aí, seus carros com redomas transparentes que parecem discos voadores, as comunicações que foram pensadas nos idos do início da década de 1960 são moderníssimas – mesmo aquelas que já existem hoje em dia – e em cada episódio vemos toda aquelas inusitadas aparelhagens tecnológicas funcionais para fazer de tudo, mas a escola… 

Apesar de toda tralha tecnológica, a escola futurista dos Jetsons não é muito diferente daquela que ainda existe agora. Tem aula expositiva no quadro negro, a organização da sala de aula é aquela típica com cadeiras enfileiradas, a professora está lá diante de todos realizando sua aula expositiva e sentenciando os comportamentos e desempenhos dos alunos, enfim, não tem nada realmente inovador ali. Claro que os criadores da animação não tinham que propor um modelo avançado de escola a ser considerada para o futuro num episódio de série para crianças, mas temos aqui uma demonstração do quanto o modelo usual de educação escolar é estável, resistente ao tempo e ao conjunto de transformações que acontecem fora das salas de aula. Uma mudança substancial na estrutura e na prática escolar é uma operação desafiadora até mesmo quando a escola se faz presente na criação de um futuro fictício. 

A Sra. Brainmocker também nos faz pensar. Ela é uma andróide metálica flutuante com teclado, antena, braços articulados que se esticam para pegar as TVs de pulso do alunos distraídos e desinteressados, ela tem de voz e fala artificiais, tem as informações arquivadas em seus circuitos, realiza as avaliações de forma processada metodicamente e repete rotinas. Apesar de ser um robô, a Sra. Brainmocker é o que há de menos tecnológico e moderno na cena. É programada para ser professora e até está apresentando defeito em seu funcionamento. Não sei se a personagem não foi elaborada de forma intencional como uma caricatura para criticar a prática docente, mas por hora até dá para usá-la para fazer isso se insistirmos. A robô pode parecer real porque há professores de verdade que se parecem mesmo com ela, mas Sra. Brainmocker não é o futuro da educação.

Pelo que se vê, “novas tecnologias” não são exatamente novidades para educação quando percebemos o vanguardismo dos experimentos iniciais com dispositivos avançados desde o início do século 20, mas a escola sem tecnologia também conseguiu atravessar todo esse tempo e resistir às tentações modernizadoras, apesar dos aperfeiçoamentos e inovações verificados nas possibilidades e no potencial dos recursos que surgiram. De volta para o futuro da educação, é evidente que o emprego de recursos tecnológicos é um fato. No passado os futurólogos mais entusiasmados e criativos já consideravam isso, os inovadores que realizaram experimentos tecnológicos surpreendentes bem antes de nós também tinham esta percepção e até no desenho animado dos Jetsons vemos previsões de situações e temas sobre tecnologias em sala de aula que acontecem agora diante da conturbada situação dos dispositivos móveis nas salas de aula ainda desconectadas, mas os futuristas que hoje imaginam a educação que teremos adiante não podem restringir seus prognósticos ao inevitável uso intensivo de aparelhos avançados, pois a educação que teremos no futuro também vai requerer mudanças que precisam de engenhosidade para elaborar e adotar ideias e práticas que só a tecnologia de nossa sensibilidade é capaz de realizar. Perceber isso e ajustar nossas perspectivas já é seguir bem rumo ao futuro.



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