As 16 datas que mudaram o mundo: 15- O MURO DE BERLIM

 

Por Pierre Miquel (1930-2007) - Historiador francês
Por Pierre Miquel (1930-2007) - Historiador francês

O antes da queda do Muro de Berlim, derrubado em 1989, é a guerra fria, é a Europa cortada em duas, é a ideologia comunista primeiramente dominante em 1945 e depois mantida por meio da repressão que se seguiu, nos países do Leste, após as revoltas das populações da Alemanha, da Polônia e da Tchecoslováquia…

O depois do acontecimento de 1989 é o degelo do Leste, o triunfo absoluto da potência do Oeste, que tem como conseqüência o surgimento no mundo da pax americana que culmina com a guerra do Golfo. É também a revelação e a denúncia dos gulags, que desonraram o regime comunista.


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Em 9 de novembro de 1989, o Muro de Berlim, edificado em 1961 por Kruchev logo após uma crise internacional com o presidente Kennedy, caía brutalmente, por estripação…

Dois milhões de alemães do lado oriental se precipitaram em direção ao lado ocidental nos dias 11 e 12 de novembro, e mais três milhões nos dias 18 e 19. O entusiasmo estava no auge. As pessoas cantavam e dançavam nas praças. As fronteiras eram logo ultrapassadas. Nenhum policial opunha resistência. Desde 10 de novembro Gorbatchev havia aprovado a abertura do muro e não engajara nenhum processo de repressão. A partir de então o fim do comunismo estava inevitavelmente programado.

A queda foi possível pela liberalização realizada por Gorbatchev, que colhia as conseqüências da derrota econômica, social e política do comunismo pós-stalinista. Tal acontecimento levou à revelação dos milhões de mártires dos gulags, aqueles campos de trabalhos soviéticos, imensos abatedores polares lotados de inimigos do regime sobre os quais Soljenitsyn devia revelar o horror. A determinação dos refuzniks, corajosos denunciadores do gulag, impediu o comunismo de continuar o farol ideológico que ele havia sido em 1945. As estátuas de Lenin e de Stalin já estavam ameaçadas em suas bases.

Antes de 1989, temos a Europa da recusa, da contestação da todo-poderosa soviética, que reduzia as “repúblicas democráticas” ou “democracias populares” ao patamar de satélites, obrigadas a aderir, em 1955, ao Pacto de Varsóvia e, a partir de 1949, à organização econômica extremamente restritiva do Comecon. Ao mínimo sinal de revolta, os soviéticos sentiam-se no direito de intervir nos países satélites.

Em 1953, a insurreição operária de Berlim foi dominada à custa de sangue. Três anos mais tarde, os jovens húngaros revoltados de Budapeste seriam esmagados por uma maciça intervenção dos tanques soviéticos. Uma outra revolta espetacular, a da primavera de Praga em 1968, fora debelada da mesma forma.

Em todos os países do Leste Europeu, perguntava-se por que o que era bom para a Rússia, como a liberalização do regime político, não era bom para a Alemanha, a Hungria ou a Polônia.

Em Berlim, o embargo soviético de 1948, erguido pelos americanos, dera o tom de uma repressão que não cederia até 1989. A RDA, réplica à RFA estabelecida em 1949, construía, sob a tutela soviética, um regime duro, militarista e policial que provocava imediatamente a transferência espontânea de populações em direção ao Oeste.

Para colocar um fim a esse êxodo, Kruchev imaginou construir, em 1961, o muro da vergonha. Os comunistas queriam continuar sendo os donos da casa.

Mas os alemães queriam ser livres. Se Brandt reconhecera em Moscou, em 1970, a linha Oder-Neisse da fronteira da Alemanha Oriental com a Polônia, ele disse e repetiu que todo alemão recebido no lado ocidental, vindo do lado oriental, era um cidadão da Vaterland por inteiro.

A queda do muro teve, portanto, como conseqüência imediata, o reconhecimento da unificação alemã, aceita e reconhecida por Gorbatchev em 1990.

Naquele ano foi reaberta, para grande satisfação dos manes de Frederico, o Grande, a porta de Brandemburgo. O mapa da Europa precisava ser revisto. Como integrante da OTAN e membro da Comunidade Europeia, entrava em cena, com a bênção de Washington e de Moscou, um Estado unificado com aproximadamente 80 milhões de alemães. O fim da guerra fria teve essa primeira conseqüência.

Também ampliou enormemente o caminho da liberdade para todas as nações do Oriente. E primeiramente o caminho da liberdade religiosa. A política de nivelamento do comunismo havia afetado a Igreja, sobretudo a húngara e a polonesa, cujos dignitários, cardeais e arcebispos faziam papel de mártires, como o cardeal húngaro Mindszenty, cujo processo causou escândalo: o prelado, que sofreu uma lavagem cerebral, foi reconhecido culpado e condenado à prisão perpétua. Ao ser libertado pela revolução de outubro de 1956, ele encontrou refúgio na Embaixada dos Estados Unidos, antes de ir para Roma. Seu exemplo reanimou a ardente fé dos católicos do Oriente, cujo cardeal arcebispo da Cracóvia, Karol Wojtyla, foi eleito papa em 16 de outubro de 1978.

As viagens de João Paulo II à Polônia animaram a resistência polonesa, e colocaram o sindicato Solidarnosc na liderança da contestação.

A partir de 1979, o Papa denunciou o “comunismo ateu” para a tribuna da ONU e lançou o movimento da “nova evangelização”.

Os pastores protestantes da Prússia não ficaram para trás. Dos 17 milhões de alemães orientais, 1,2 milhão continuava católico, e 7 milhões, protestantes. A Igreja protestante de Berlim-Brandem-burgo encabeçou a contestação. Os concertos de rock estavam associados à contracultura de liberdade. Michael Jackson, o cantor-dançarino negro americano, foi um triunfo. O cantor Stephan Krawczyk torna-se um ídolo das Igrejas protestantes, quando ele usa a liberdade como tema constante de suas canções.

Movimentos de massa impossíveis de se reprimir tinham precedido a queda do muro, tanto em Leipzig como em Berlim. Os húngaros emigraram em massa, no mês de setembro, passando a fronteira austríaca. A força do movimento popular de libertação atingia tanto a Polônia, a Hungria, a Tchecoslováquia, a Romênia, a Bulgária, quanto a Alemanha. Os povos oprimidos vingaram-se do meio século de repressão. Eles se deram, por meio de eleições livres, governantes de sua escolha.

O depois de 1989, para os países do Oriente, apresenta-se como uma redescoberta do princípio de nacionalidade, após cinqüenta anos de gelo do bloco comunista. Como em 1919, o menor povo queria tornar-se uma nação.

A conseqüência lógica desses acontecimentos de Berlim foi, portanto, a implosão dos povos do império da URSS em duas direções.

Primeiramente para a própria Rússia, mas também para os satélites, a reivindicação irresistível da liberdade. A Rússia queria ser a primeira a ser libertada da ameaça dos gulags, da polícia do regime, da restrição burocrática do arbítrio administrativo, da insegurança das pessoas e da precariedade da existência individual.

Ela queria, com armas e bagagem, abandonar o comunismo. A ideologia estava morta, não representava mais o futuro; ao contrário, tornava-se um fator de regressão. Sob a presidência de Boris Yeltsin, os comunistas eram chamados de conservadores.

A Rússia se dotaria de instituições duráveis após um período de distúrbios e incertezas. A nova Constituição, democrática, foi adotada em 12 de dezembro de 1993 por 58% dos votantes. Ela estabelecia um regime presidencial dotado de um Parlamento democrático. As outras nações libertadas do comunismo se dotaram igualmente de instituições democráticas e procederam imediatamente a eleições livres.

Sobrava o Império, o antigo império dos bolcheviques. Os povos longamente mantidos sob a tutela de Moscou queriam obter a independência. Em 8 de dezembro de 1991, na cidade de Minsk, uma reunião dos três presidentes, o russo Yeltsin, o ucraniano Leonid Kravtchuk e o bielo-russo Stanislas Chuchkevitch, constataram juntos que “a URSS parou de existir”. Em 25 de dezembro de 1991, Gorbatchev demitia-se solenemente de suas funções de presidente da URSS. Uma comunidade independente, a CEI, tentava ocupar o lugar.

As nacionalidades oprimidas pela URSS no interior de suas fronteiras reconquistavam sua liberdade: os países bálticos davam o exemplo, constituindo repúblicas independentes. Os três Estados bálticos da Estônia, Letônia e Lituânia recusavam-se a pertencer à CEI.

As outras repúblicas aderiram. A Federação da Rússia reconhecia a independência da Ucrânia e da Bielo-Rússía, aderindo à CEI, como as Repúblicas caucasianas da Geórgia, da Armênia, do Azerbaijão ou as nações muçulmanas da Ásia Central: Uzbequistão, Quirguistão, Turcomenistão e Tadjiquistão. Somente a independência da Chechênia muçulmana, proclamada em novembro de 1991, seria recusada por Moscou, o que levaria a uma interminável série de violências. O terrorismo checheno desafiava a vontade unificadora de Moscou, que insistia em conservar esse território estrategicamente importante.

O imenso império de Stalin voava em pedaços. Sem guerra nem revolução, um poderoso vento de liberdade o levou. Em 1996, a Rússia era admitida no Conselho da Europa e guardava sua cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Ela continuava uma grande potência. Mas o bolchevismo estava vencido.

A passagem de um mundo bipolar para um mundo único, no qual os Estados Unidos da América são os únicos a garantir a ordem, marca a entrada em um novo período da história contemporânea.

 

 

Pequena Cronologia

 

 

  • Fevereiro de 1945: Yalta. Divisão da Europa confirmada pela Conferência de Potsdam.
  • 1947: Derrota da Conferência de Moscou a respeito da Alemanha e criação, em 1949, de duas repúblicas alemãs, uma a oeste, a RFA, e a outra, popular, a leste, a RDA. 
  • 30 de dezembro de 1947: Abdicação do rei Michel da Romênia, condecorado por Stalin com a Ordem da Vitória. 
  • 1947-1950: Bolchevização progressiva da Polônia por Stalin. Fevereiro de 1948: Golpe de Praga. A Tchecoslováquia torna-se um país comunista, com a eliminação de toda a oposição, um satélite da URSS.
  • Abril de 1948: Proclamação da República Popular da Romênia. 
  • 1949: Prisão do monsenhor Béran, arcebispo de Praga, libertado em 1963.
  • 20 de agosto de 1949: Proclamação da República Popular da Hungria. Condenação do cardeal Mindszenty.
  • 1953: Prisão e processo do cardeal arcebispo Wyszynski na Polônia.
  • 1953: Revolta de operários em Berlim oriental. 
  • 1956: Violentas greves em Poznan na Polônia reprimidas duramente pelas forças da ordem.
  • 23 de outubro de 1956: Intervenção dos blindados do exército vermelho contra os manifestantes em Budapeste. São 25.000 mortos, 160.000 fugas para o oeste e 15.000 deportações para os gulags.
  • 1956: Outubro polonês, retomada da burocracia do Estado pelos comunistas russos.
  • 21  de agosto de 1968: Intervenção, na Tchecoslováquia, das tropas polonesas e húngaras sob o título de Pacto de Varsóvia para eliminar o regime liberal criado com a chegada ao poder de Alexandre Dubcek, pai da “Primavera de Praga”.
  • 1968: Reorganização econômica da Hungria após a eliminação dos stalinistas. Semi-retorno liberal que permite, em 1981, a conversibilidade da moeda e a entrada no FMI. 
  • 1969: Suicídio, por fogo, do estudante Jan Palach em Praga, eliminação de Dubcek e exclusão de 500.000 membros do partido comunista.
  • 1970: Greve de fome em Gdansk na Polônia. Greves revolucionárias e intervenção de tanques.
  • 5 de janeiro de 1977: Manifesto Carta 77 em Praga pedindo o respeito aos direitos humanos. Repressão. Vaclav Havei, autor do manifesto, é preso.
  • 1980: Novas greves revolucionárias em Gdansk, nos estaleiros. Conclusão, com o sindicalista Lech Walesa, dos acordos de Gdansk.
  • 1981: Ditadura do general Jaruzelski e do “conselho militar de salvação nacional” composto por generais e coronéis. Walesa é preso, com 6.000 de seus camaradas do Sindicato Solidariedade.
  • 1985: Gorbatchev chega ao poder na URSS. 1988: Reabertura da Bolsa de Budapeste. Março de 1989: Boris Yeltsin é eleito para o Congresso dos Deputados do Povo, com 90% dos votos, contra o candidato oficial.
  • Junho de 1989: Eleições na Polônia.
  • 18 de agosto de 1989: Tadeus Mazowiecki, membro do Solidariedade, torna-se primeiro-ministro de Jaruzelski, presidente da República.
  • Setembro de 1989: O governo húngaro abre sua fronteira para os alemães do leste que querem passar para o oeste. 
  • 23 de outubro de 1989: A Hungria não é mais uma democracia popular.
  • 29 de dezembro de 1989: “Revolução de Veludo” em Praga. Vaclav Havei é eleito presidente da República. 
  • Dezembro de 1989: Revoltas de Timisoara na Romênia. Prisão de Ceausescu, que é executado juntamente com sua esposa Elena, em 25 de dezembro. 
  • Abril de 1990: Eleições livres na Hungria. 
  • Maio de 1990: Eleições livres na Romênia. 
  • 1990: Lech Walesa presidente da República polonesa. 
  • Janeiro de 1991: Intervenção sangrenta de tanques soviéticos nos países bálticos.
  • 12 de junho de 1991: Yeltsin eleito presidente da Federação da Rússia. Leningrado é rebatizada como São Petersburgo. 
  • 15 a 18 de agosto de 1991: Golpe anti-Yeltsin, em Moscou, dos “conservadores”. Dissolução do partido e das organizações comunistas.
  • 8 de dezembro de 1991: A URSS “não existe mais”. No dia 25, Gorbatchev pede demissão.
  • Julho de 1992: Divisão da República Tcheca e da Eslováquia.
  • 12 de dezembro de 1993: Projeto da Constituição russa, que é adotada por 58%.

 

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