Flávio Vegécio, pensador militar romano

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Pouco se sabe sobre a vida de Publius Flavius Vegetius Renatus. Ele pode ter nascido por volta de 365 a.C. e ter iniciado uma carreira no serviço público romano quando tinha em torno de seus 20 anos de idade. Atuou em cargos administrativos relacionados ao tesouro. Ele demonstrou um interesse especial por cavalos, tendo escrito a obra “Digesta Artis Mulomedicinae”, um trabalho sobre medicina veterinária concentrada nos conhecimentos sobre equinos. No entanto, a contribuição intelectual mais importante do servidor estatal sobre o qual se conhece tão pouco é a obra “De Rei Militari” (“Compêndio da Arte Militar”), composta por volta de 390 a 395 d.C. e dedicada ao imperador Teodósio.

Durante sua época, na metade do século IV, o Império Romano estava em seus derradeiros momentos, transtornado por um contexto social, econômico, político, administrativo e militar muito difícil. Os povos bárbaros representavam uma ameaça crescente e desafiadora para as defesas imperiais, o que exigia uma atenção especial a respeito da organização do exército. Os tempos passados e gloriosos de Roma eram evocados através de seus notáveis momentos de êxitos e as referências dessa história de imponência inspiraram Vegécio a considerar uma reorganização da estrutura e funcionamento militar do Império para lidar com as exigências contemporâneas. 

Diante de um tempo de incertezas e de ameaças concretas, era importante considerar a atuação do exército para sustentar a integridade do Estado. Assim, “De Rei Militari” ou “Epitoma Rei Militaris” foi uma contribuição estratégica para o enfrentamento da crise. A obra é um manual, um guia orientador para que o governo aborde a organização da força militar como um pilar de sustentação do Estado diante da percepção do contexto adverso. Embora não fosse militar, o autor tinha um profundo conhecimento a respeito da governança dos assuntos bélicos e o trabalho é uma contribuição intelectual de um teórico e analista sobre como abordar a segurança do império diante das ameaças e impor, através da atuação militar, uma nova fase de vigor e hegemonia de Roma. 

A revitalização da força militar romana foi apontada como uma providência fundamental. Vegécio considerou que seria necessário aprimorar as instâncias os processos característicos do exército. Um aspecto inicial e marcante deveria ser o recrutamento e treinamento de soldados. Ele testemunhou uma fase problemática, quando Roma tinha dificuldades de compor seu exército, passando a depender de mercenários bárbaros e comprometendo a coesão de sua força militar. Além disso, a historicamente reconhecida qualidade dos combatentes romanos também havia decaído pela falta de treinamento e disciplina. Para superar esta condição, o exército precisaria dispor de homens leais e aptos rigorosamente treinados, enfatizando a importância de uma força permanente e regular em oposição ao emprego das voláteis tropas mercenárias constituídas até por soldados recrutados entre os próprios povos invasores do território romano. Para Vegécio, o preparo dos militares deveria ir além da força, habilidade física e desempenho tático, pois o aprimoramento mental era tão importante quanto a capacidade de guerrear com uma espada em punho. Uma mente devidamente preparada favoreceria a atuação de um bom soldado, capaz de agir com calma, determinação, perseverança, moral elevada e disciplina, atributos indispensáveis para evitar o pânico e favorecer o bom discernimento durante a ação e condições extremas.  Ele pregava a realização de um treinamento conduzido através de rigoroso e cuidadoso processo de planejamento e execução, pois o corpo militar deveria lutar “com arte, não ao acaso”. Ele sintetizou esta visão por meio do famoso aforismo “Numquam miles in acie producendus est cuius antea experimenta non ceperis” (“Nunca um soldado deverá ser integrado na formação de combate sem que antes de ter sido posto à prova”).

Ele era atento à importância do intercâmbio entre os saberes militares e civis, favorecendo o desenvolvimento logístico e a implementação de inovações que favoreceriam mutuamente o exército e as atividades produtivas e administrativas. Reconhecer os elementos favoráveis de outros povos e culturas também poderia ser altamente vantajoso, pois esta visão atenta e aberta a influências poderia produzir adaptações e inspirar novas e variadas abordagens de ação, estratégia e adoção de recursos que poderiam ser aproveitados no desenvolvimento da guerra, da ciência, da educação e das práticas em diversas áreas. Sua visão colocava em perspectiva a noção de que a aprendizagem para a guerra e para o desenvolvimento do Estado deveria ser contínua e o processo de treinamento não se esgotava. 

É de sua autoria a máxima “Qui desiderat pacem, praeparet bellum”  (“Quem deseja a paz, prepare-se para a guerra”), noção que evidencia a necessidade de assegurar a sobrevivência do Estado à sua capacidade de agir veementemente contra as ameaças, associando a paz sustentável ao uso da força como forma de garantir a estabilidade e a sobrevivência. As ideias de Vegécio não garantiram a implementação de ações para restaurar o poder do Império Romano, mas influenciaram perspectivas posteriores.  “De Rei Militari” virou um influente manual militar no decorrer da Idade Média e posteriormente influenciou pensadores como Maquiavel, além de líderes políticos e comandantes.


Referências: