
Que tal estabelecer um nome científico de alguma espécie animal (preferencialmente um bicho asqueroso) para provocar um desafeto? Alguns cientistas já promoveram essa trollagem, embora a Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica busque impedir esse tipo de prática atualmente. Ofensas na nomeação de vegetais também são comuns e as vítimas são, nos dois casos, escolhidas por meio de variadas – e insólitas – justificativas. Os exemplos são fartos – diversos estão aqui.
As provocações científicas começaram já com o criador da nomenclatura binominal e da classificação científica, o renomado sueco Carolus Linnaeus (1707-1778), o próprio “Pai da Taxonomia”. Dizem que Linnaeus (ou Lineu, conforme os lusófonos) achou por bem denominar um gênero de ervas como Buffonia como uma “homenagem” a Georges-Louis Leclerc (1707-1788), o Conde de Buffon, que era seu rival nos estudos taxonômicos – além disso, o nome também se associa à palavra latina bufo, que os romanos empregavam para identificar os saltitantes sapos. Linnaeus realmente gostava de insultar seus desafetos e classificou como Siegesbeckia um gênero de ervas daninhas, fazendo uma alusão clara ao botânico Johann Georg Siegesbeck (1686-1755), que manifestou uma discordância em relação a conclusões de Linnaeus sobre o processo de reprodução de vegetais. Outra vítima de Linnaeus foi o naturalista Daniel Rolander (1725-1793) que fora seu ex-aluno e que se recusou a mostrar ao famoso colega e mestre as espécimes por ele coletadas numa expedição no Suriname. Linnaeus invadiu a casa de Rolander para roubar parte das amostras, mas fez coisa ainda pior: Nomeou um besouro como Aphanus rolandri (“Aphanus” é uma palavra grega que pode ser traduzida como “insignificante”).
O paleontólogo (e também sueco) Olof August Peterson (1865-1932) nomeou uma espécie de porco pré-histórico como Dinohyus holland por irritação com William Jacob Holland (1848-1932), que foi diretor do Museu Carnegie de História Natural. Peterson se incomodava com o hábito de Holland de listar seu próprio nome nos artigos científicos em primeiro lugar mesmo quando tinha participação pouco expressiva nas pesquisas que os originavam, achando então que seria adequada a referência ao colega na nomenclatura de um porco.
A confusão envolvendo suecos não se encerra aí, pois nas décadas de 1920-1930 os paleontólogos Elsa Warburg e Orvar Isberg também estabeleceram nomenclaturas insultuosas entre si. Elsa Warburg nomeou o artrópode primitivo da classe tirilobite como Planifrons isbergia, sendo a a palavra “planisfrons” derivada da expressão sueca “cabeça chata”, que tinha sentido usual como referência à estupidez ou burrice enquanto o termo “isbergia” ere uma alusão ao sobrenome do rival. Orvar Isberg devolveu a gentileza ao nomear o mexilhão pré-histórico Crassa warburgia, sendo a palavra “crassa” empregada para chamar uma pessoa de gorda e o segundo termo uma alusão explícita à cientista “homenageada”.
Em 1884 um embate se estabeleceu entre os ex-amigos e paleontólogos Othniel Charles Marsh e Edward Drinker Cope, levando ambos a um confronto no qual um tentava sabotar o trabalho do outro. Naquele ano Cope nomeou um mamífero pré-históricos como Anisonchus cophater e justificou a nomenclatura da seguinte forma: “não adianta procurar a derivação grega de cophater, porque não é clássico na origem. É derivado da união de duas palavras inglesas, ‘cope’ (o verbo ‘to cope’, que significa ‘lidar’) e ‘hater’ (‘aborrecedor’), que adotei em honra daqueles que me aborrecem e que vivem me cercando“. A justificativa era destinada a provocar Marsh, que foi “vingado” em 1878, quando o paleontólogo Leigh Van Halen resolveu nomear outro mamífero pré-histórico como Oxyacodon marshater, empregando a mesma lógica para equilibrar a briga entre Cope e Marsh.
Engana-se quem acha que este tipo de provocação parou por aí, afinal, há vários outros exemplos de nomenclaturas provocativas e insultuosas.
O ex-presidente norte-americano George W. Bush, seu vice-presidente (Dick Cheney) e seu secretário de defesa (Donald Rumsfeld) acabaram servido para nomeação de besouros. Entomologistas da Universidade de Cornell identificaram e nomearam 65 espécies de besouros de lodo e mofo do gênero Agathidium. Os figurões do poder acabaram servindo para nomear o Agathidium bushi, o Agathidium cheneyi e o Agathidium rumsfeldi – e no conjunto de espécies incluíram também uma espécie que foi nomeada com referência ao vilão cinematográfico Darth Vader. O entomologista Quentin Wheeler jura as citações a Bush, Cheney e Rumsfeld foram mesmo por homenagem e não por provocação.