As Cruzadas – o renegado Renaud de Châtillon

Por Marie-Adélaide Nielsen, escritora e conservadora dos Asquivos Nacionais da França – Texto publicado na revists História Viva (edição especial)

Não há episódio na história medieval que tenha levado ao máximo o ideal cavalheiresco como as Cruzadas. A “peregrinação armada” impunha abandonar bens, família e terra por uma vida errante e de aventuras, em troca da salvação eterna e de um retorno financeiro incerto. Havia, contudo, uma aura particular nessa missão, e alguns cavaleiros viam as Cruzadas como ocasião de compensar seus erros, colocando suas espadas a serviço do mais poderoso dos senhores: o próprio Deus.

Várias figuras heróicas inspiraram os cruzados ao longo de dois séculos de aventuras no Oriente, entre elas, o pioneiro de todos os cruzados, Godo-fredo de Bouillon, que viveu no século XI. Louvado tanto pela bravura como pela piedade, admirado pela generosidade e temperança, ele foi modelo para todos os cruzados e pintado como alguém humilde a ponto de recusar a honra suprema, a coroa de Jerusalém, que seu irmão Baldulno aceitou.

Mais tarde, Luís IX, rei da França a partir de 1226 até sua morte e mais tarde canonizado como São Luís, foi reconhecido como outro modelo do cruzado ideal. Corajoso no combate, ardente na oração, generoso com os pobres e órfãos, perdeu a vida a serviço de Deus, em 1270, perto de Cartago. Para o espírito da época, ninguém poderia sonhar com um fim mais honroso.

O ideal cavalheiresco se firmou durante as Cruzadas, entre os séculos XI e XIII. Ao lado da lenda dourada dos cruzados santificados, porém, se desenhou uma lenda negra, a dos cavaleiros desleais. Traidores de seu rei e, pior, de Deus, eles eram traidores de juramentos, sedentos de poder e^ riquezas e covardes diante do inimigo. Alguns mostravam os piores defeitos que um cavaleiro poderia ter, o que não os impediu de protagonizar grandes aventuras e de se tomarem figuras lendárias.

O objetivo oficial da operação armada era, em 1096, liberar da dominação pagã o Santo Sepulcro, em Jerusalém, onde a tradição indica ter sido o local do sepultamento de Jesus e de sua ressurreição. Assim, o caminho da peregrinação ficaria livre para os cristãos.

Alguns cruzados viram na aventura uma forma de ganhar fortuna. Os mais informados tinham grande fascínio pela antiga Bizâncio, e o mundo muçulmano, pouco conhecido, era imaginado cheio de riquezas, pedras preciosas, produtos exóticos, ouro, dinheiro e seda.

Entre os cruzados estavam os normandos da Itália, como Bohé-mond de Taranto. Descendente do intrépido Tancrède de Hauteville, vindo da Normandia, pertencia à família que conquistou todo o sul da Itália e a Sicília. Seu pai, Robert Guiscard, planejara nada menos que conquistar Bizâncio, atravessando a Grécia.

Em 1096, Bohémond soube de uma grande expedição ao Oriente — um bom meio para conseguir um feudo maior e mais rico que seu condado de Amalfi, na Itália. Ele se pôs a caminho. Foi recebido com fausto em Bizâncio pelo imperador Alexis I Comneno e aceitou prestar antecipadamente o juramento de vassalagem ao soberano para suas futuras conquistas.

A homenagem lhe permitiu partir com o apoio imperial e se apoderar de Antioquia (hoje na Turquia). No início, ao sitiar o lugar, ameaçou voltar à Itália em busca de reforços. Mas os cruzados lhe imploraram que ficasse, prometendo-lhe tudo o que quisesse. Em seguida, depois de conseguir um aliado no interior da cidade cercada – uma garantia de acesso -, fez com que os outros chefes cruzados lhe prometessem que o primeiro a entrar na cidade iria possuí-la como feudo.

Assim, em 3 de junho de 1098, quando a cidade sucumbiu, apenas a bandeira de Bohémond tremulava. Ele e seus descendentes reinaram no principado de Antioquia por quase dois séculos. Ninguém podia negar as qualidades da coragem e da inteligência a Bohémond.

A busca de poder e fortuna resultou em casos menos bemsucedidos, como o de Hugo de Puiset, senhor de Jaffa, hoje território de Israel. Ele e muitos outros se colocaram sob a proteção dos inimigos da Igreja, os egípcios, para escapar da punição por suas traições aos propósitos das Cruzadas. Tais deserções, seguidas de alianças, frequentemente davam ao lado oposto o pretexto para atacar.

No domínio da patifaria, contudo, nenhum cavaleiro rivalizou com Renaud de Châtillon, um espinho no pé de Saladino, sultão do Egito, e ao mesmo tempo do reino de Jerusalém, que, fundado em 1099, na Primeira Cruzada, por esse tempo era governado por Balduíno IV.

Imagem que retrata uma execução ordenada por Chântillon
Imagem que retrata uma execução ordenada por Chântillon

Renaud de Châtillon foi um personagem ambíguo da Segunda Cruzada: oportunista e traidor para uns,modelo de bravura para outros e, para muitos, campeão da estupidez e da crueldade. “Sem fé e sem lei” é a definição que melhor o caracteriza. A lista de suas maldades é aterradora. A maioria dos especialistas o considera responsável pelo fracasso de 1187, na Batalha de Hattin, quando os muçulmanos retomaram Jerusalém e houve a queda dos Estados. latinos do Oriente.

Oriundo de uma família nobre, nada se sabe de sua juventude e de sua chegada à Terra Santa, que alcançou talvez em 1147. Logo seduziu uma jovem e rica viúva, Constan-ce de Antioquia, neta de Bohémond e herdeira do principado. Com o casamento, Renaud se tomou regente do principado, em nome do filho de Constance, Bohémond III, e, portanto, um dos principais líderes políticos da região.

Brutal e ávido de riquezas, contumaz em massacres e invasões a territórios inimigos, provocou ódio crescente nos muçulmanos e até nos bizantinos, que em teoria eram aliados dos cruzados, apesar de numerosas dissensões. Renaud participou de uma expedição na Síria, onde caiu prisioneiro em novembro de 1160. Foi levado ao cativeiro na cidadela de Alepo (hoje na Síria) e só ganhou a liberdade em 1176, graças a uma troca de prisioneiros e, provavelmente, ao pagamento de um colossal resgate de 120 mil dinares de ouro.

O filme Cruzada retrata algumas das "proezas" de Renaud de Châtillon
O filme Cruzada retrata algumas das "proezas" de Renaud de Châtillon

Voltou glorificado, com o prestígio de quem conseguira sobreviver a longos anos de prisão em cárcere inimigo. Fluente em árabe e turco, Renaud se tornou indispensável. Ofereceu, então, seus serviços a Balduíno IV, jovem rei de Jerusalém, que fez dele o senhor de Hebron, na hoje Cisjordânia.

Com a morte de Constance durante seu cativeiro, ele desposou outra viúva rica e jovem, Étien-nette de Milly, herdeira da senhoria de Além-Jordão. Situadas em pleno deserto, as terras ficavam nos confins das rotas comerciais que vinham da Arábia, do lêmen e do Egito, do mar Vermelho e da índia, mas por ali as mercadorias do Oriente subiam em direção aos portos do Mediterrâneo no Oriente Médio. Renaud logo percebeu a vantagem de estar em uma região estratégica. Graças aos pedágios pagos pelos caravaneiros, acrescidos do comércio de trigo, índigo, bálsamo, açúcar de cana e vinho, sua propriedade senhorial se tornou uma das mais prósperas do reino.

Renaud de Châtillon também retomou as pilhagens, sem deixar de enfrentar – é preciso reconhecer – as tropas islâmicas. Em 1181, ele rompeu pela primeira vez uma trégua entre Balduíno IV e Saladino, roubando um comboio na rota para Meca. Louco de raiva, Saladino teria dito que mataria Renaud com as próprias mãos.

Em 1183, ousou atacar as cidades sagradas de Medina e Meca. Montou uma expedição em direção ao mar Vermelho, transportando barcos no dorso de camelos pelo deserto até o porto de Eilat. Durante mais de um ano, semeou o terror, saqueando todas as cidades à beira do mar Vermelho até o lêmen e Áden. No caminho, afundou, por pura crueldade, um navio de peregrinos muçulmanos que seguia para Jedá. Consciente de seu valor militar e de ser indispensável ao rei de Jerusalém, gozava de total impunidade.

No plano político, sua influência aumentava. Aliado dos Templários [leia mais aqui], Renaud era partidário de uma política de conquista enérgica diante dos muçulmanos. Além disso, o moderado e sábio Balduíno IV morrera de lepra, e seu sucessor, Guy de Lusignan, não tinha forças para enfrentá-lo. Essas operações audaciosas, que poderiam ter influenciado o curso dos acontecimentos em favor dos cruzados, careciam, no entanto, de meios e preparação.

Em 1186, uma nova trégua foi penosamente assinada, para alívio do rei Guy, senhor de um reino debilitado. Mas Renaud não tinha jeito e atacou uma caravana que ia do Egito para Damasco. Massacrou os soldados, aprisionou os comerciantes e os caravaneiros e, ao que tudo indica, até a irmã de Saladino. Este se mostrou paciente e tentou negociar. Pediu a Renaud que soltasse os prisioneiros, devolvesse o saque e respeitasse a trégua. Renaud, com desprezo, o aconselhou a pedir a Maomé para salvá-los. Ao rei de Jerusalém, replicou que era o senhor de sua terra como o rei era da dele, forma de dizer que se recusava a obedecer.

Isso foi demais para Saladino. Ele armou um exército de 12 mil homens, fez o cerco a Kérak e seguiu para Jerusalém. O encontro decisivo entre o exército do sultão e o do rei de Jerusalém aconteceu em Hattin, em 4 de julho de 1187, próximo ao lago de Tiberíades.

A fina flor da cavalaria cruzada foi destruída nesse combate, travado sob sol implacável. Muitos cavaleiros acabaram decapitados. Um cronista de Damasco anotou: “Todos os dias vemos chegar cabeças dos cristãos, numerosas como melancias”.

Capturados, Guy de Lusignan e Renaud de Châtillon foram recebidos por Saladino em sua tenda, e o sultão ofereceu bebida ao rei Guy. Depois de beber, este estendeu a taça a Renaud, mas Saladino a tomou e lembrou o juramento que fizera de matá-lo com as próprias mãos.
Fanfarrão, Renaud respondeu com desdém, recusando-se a se converter ao islamismo. Saladino, então, golpeou-lhe o ombro com a cimitarra, espada típica dos muçulmanos. A guarda do sultão liquidou o prisioneiro, cortando-lhe a cabeça.

A sequência dos fatos é bem conhecida: houve a marcha de Saladino à Cidade Santa, que tomou para o Egito, a queda em cadeia dos Estados latinos e o desencadeamento da Terceira Cruzada. Por sua estupidez, suas ações impensadas e seu gosto pelo lucro, Renaud de Châtillon provocou, ou pelo menos acelerou, a destruição do reino latino de Jerusalém.

3 comentários

  1. E para-se ficar imprecionado como uma cidade criada pelo rei Davi mais de 400 anos antes de Cristo viveu sempre sitidada antes e depois e até nos dias de hoje. reamente a biblia é um livro altentico.
    jerussalem, jerusalem é uma grade janela q constatimente queima para q todos vejam.

    por Raimundo Martins outubro 11, 2009 at 4:24 pm

  2. E para-se ficar imprecionado como uma cidade criada pelo rei Davi mais de 400 anos antes de Cristo viveu sempre sitidada antes e depois e até nos dias de hoje. reamente a biblia é um livro altentico.
    jerussalem, jerusalem é uma grade janela q constatimente queima para q todos vejam.

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