
O antes é o bloco imperial augusto e marmóreo do Império Romano que domina inteiramente o mundo conhecido e para quem os cidadãos de Roma exploram no melhor de seus interesses os povos vassalos e os numerosos escravos.
O depois é o nascimento do indivíduo como valor universal, livre, igual a seus irmãos, adorador de um Deus único, de um Deus de amor gerado por uma mulher.
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O Cristo, este momento maior da História, é o primeiro Deus que aparece como uma criança. Nós o vemos bebê, nos braços de sua mãe. Nem Zeus, nem Atena, foram bebê. Atena saiu armada da cabeça de Zeus. Jesus nasce de Maria, inocente e nu como uma criança. Maria o amamenta em seu seio. Ele é o filho do Pai, o filho de Deus esperado como um Salvador por João Batista, mas ele é vulnerável como um homem. Ele pode sofrer e morrer.
Ele é o único Deus que podemos descrever fisicamente, porque milhares de homens e mulheres da Galiléia e da Judéia o viram, falaram com ele. Eles conservaram, quando de seu suplício, seus traços em um sudário, o famoso sudário de Turim, cuja legitimidade é, sem dúvida, seriamente contestada. Não importa, cada um pode descrever os traços deste homem jovem, magro e barbudo, de olhos ardentes, de palavras convincentes, representado sob uma forma praticamente única em toda a iconografia.
Um livro, quatro livros, os evangelhos relataram sua paixão, sua morte, sua ressurreição e sua ascensão ao céu. O evangelho de Marcos, o mais antigo, é a obra de um judeu de origem, membro de uma das maiores famílias cristãs da primeira comunidade de Jerusalém, provavelmente influenciado por São Paulo, conhecido como o apóstolo dos gentios. Marcos conheceu São Pedro em Roma e compôs seu texto recolhendo as lembranças dos apóstolos entre 65 e 70.
Em seguida, vieram Mateus e Lucas. O primeiro, judeu convertido ao cristianismo, teria escrito seu evangelho por volta de 80, como o de Lucas, que insistia sobre o papel eminente dos pobres no caminho da salvação. O último evangelho, o de João, foi escrito em Éfeso ou em Antioquia depois de 95.
O culto ensinado pelos evangelistas é uma meditação sobre a vida e morte de Cristo, e sobre o que há depois. Um anúncio da felicidade que esperam os justos, os explorados, os condenados da terra para a ressurreição dos mortos.
Jesus liberta. Na época de seu nascimento, Roma, cidade divinizada, está em seu apogeu sob o imperador Augusto para quem, como a um deus, é dedicado um culto oficial. Ele reina sobre todo o mundo conhecido, o do Mediterrâneo. Roma não tem rival.
O menino Jesus torna os deuses romanos insignificantes. Não porque são múltiplos e ele somente um. Mas porque esses deuses de pedra são imagens, ídolos que confirmam um poder sem dar nenhum reconhecimento aos indivíduos. Roma aceita e tolera todos os deuses. Em cada cidade do mundo romano, os deuses estrangeiros figuram nos santuários em igualdade de tratamento. O dos cristãos é inadmissível, pois ele é único e condena todos os deuses-estátua à destruição, incluindo Augusto e Roma. Ele questiona a natureza transcendental da instituição.
Frágil é o poder marmóreo de Roma. Mesmo se ele é universal. Frágil, porque Jesus, filho do Pai e animado pelo Espírito Santo, é um homem entre os homens, que dá a seus irmãos a louca esperança de igualdade. Nada de escravos. Um homem é um homem, feito para a liberdade.
Em cada homem existe a imagem de Deus. É preciso reconhecê-lo como tal. Podemos destruí-lo, não humilhá-lo; torturá-lo, mas não negá-lo. Como o Cristo, ele tira sua força de sua solidão, porque nesta brilha, pela primeira vez na história, o indivíduo. Mais forte é a consciência do que as forças que o atormentam.
Podem-se perseguir os cristãos, mas não lhes retirar a fé. A posteridade de Cristo é primeiramente a dos mártires da Igreja primitiva.
Essas perseguições têm sempre a mesma causa: recusando o culto imperial, os cristãos colocam-se fora da comunidade, tornam-se inimigos do Estado. Basta que este se sinta ameaçado, para que os discípulos de Cristo sejam perseguidos com uma intolerância bem maior; quanto mais eles se recusam em renegar a sua fé, mais duramente são condenados.
As perseguições começam em 64, com o imperador Nero, que, após o incêndio de Roma atribuído falsamente aos cristãos, decreta que “não é permitido ser cristão”. Pedro e Paulo são vítimas dessas perseguições.
Elas continuam sob Dominiciano, que exila o apóstolo Paulo no Oriente, em 95, sob Trajano em 108, sob Marco Aurélio, que aterroriza a comunidade de Lyon em 177, sob Sétimo Severo, Maximiniano e, sobretudo, Décio (249-251). Continuam até Diocleciano, em 303, e mesmo depois.
As perseguições têm como efeito o desenvolvimento do culto dos mártires que aparecem como imitadores de Cristo, já que eles também dão o próprio sangue. Os corpos são inumados para serem enterrados em lugares secretos, onde se celebram seus aniversários. Mais tarde basílicas serão construídas para homenageá-los, seus restos se tornarão relíquias oferecidas aos fiéis para veneração. Mesmo se muitos cidadãos romanos, sob o medo, renunciaram à fé cristã, a lembrança dos mártires foi o fundamento da Igreja cristã, tanto no Oriente quanto no Ocidente. A política repressiva de Roma havia falhado.
A mensagem de Cristo, transmitida pelos mártires, apoiando-se rapidamente na tradição oral e depois na leitura dos evangelhos, não pode ser exclusiva. Ela não pode dirigir-se a tal ou tal grupo. Ela é universal. A comunidade daqueles que a seguem é, então, chamada de ecclesia. Ela tende à universalidade. Nenhuma alma no mundo deve ignorar o nascimento do pequeno Jesus. O Natal torna-se a festa de reconhecimento pelos indivíduos do universal. Em todo o universo conhecido.
O cristianismo é, portanto, missionário desde o começo. O próprio Cristo é um peregrino. Seus discípulos seguem seu exemplo e Paulo encontra em seu sinal o caminho para Damasco. Os discípulos têm como missão espalhar a figura de Jesus, a fé em Jesus, em todo o lugar em que haja homens. O universalismo do império romano, cada vez mais ameaçado pelas invasões bárbaras, encontrou no cristianismo um rival perigoso cujas conquistas são internas, mas que visa ao mesmo tempo toda a extensão das terras conhecidas.
Quem fala em conquistas, quando é preciso amar? A mensagem de Cristo é de amor. Nem ódio, nem guerra; amai-vos uns aos outros. O homem não é o lobo do homem, mas um irmão. A Igreja primitiva não é hierarquizada, mas igualitária e democrática. Os bispos são escolhidos pelos fiéis entre aqueles que devem fazer reinar, em nome de Cristo, a fraternidade. Acabar com a humilhação dos corpos. Os suplícios, os espetáculos nos circos, os gladiadores, tantos insultos ao menino Jesus. Os massacres dos inocentes, as opressões, as guerras injustas, tantas pessoas condenadas.
Maurício, o centurião, chefe da legião tebana, recusa-se a combater os pobres camponeses revoltados, os bagaudas. Esse santo do Vaiais não quis matar os pobres e fazer sacrifícios aos deuses de Roma, deuses da opressão e da mentira. Foi martirizado e sua legião inteiramente destruída. Quando seguimos o menino Jesus, protegemos a infância, cuidamos dos doentes, assistimos aos moribundos, ajudamos os pobres.
É impossível que a Igreja se desenvolva sem enfrentar o poder imperial de Roma. A única saída para esse conflito é a conquista da instituição imperial pela Igreja.
Em três fases, o cristianismo triunfante torna-se a Cristandade, e a Igreja de São Pedro, uma instituição essencial à sobrevivência do Ocidente, cada vez mais seriamente ameaçada pelas invasões bárbaras.
Primeira fase: Constantino. Filho de Helena e de Constâncio Cloro, declara guerra a Maxêncio, que almeja o império. Constantino é vitorioso em 312 na batalha da Ponte de Mílvia. A imperatriz, antiga empregada em um albergue convertida ao cristianismo, convence-o de que a vitória é devida ao Deus dos cristãos. Ele tolera, em 313 pelo Edito de Milão, o cristianismo. Eis a Igreja instalada no império. Eis a Igreja com permissão para existir à luz do dia. É o fim das perseguições. É o fim do cristianismo militante. O próprio imperador preside o Concílio de Nicéia em 325, um concílio ecumênico de duzentos e vinte bispos, em que a Igreja aceita conduzir-se dentro do limite imposto pelo império, agora tolerante. Ele começa tomando medidas para restringir o paganismo e tolera que Helena, que recobrou, graças a seu filho, o título de imperatriz, ajude poderosamente a instituição com suas doações em dinheiro.
Segunda fase: Ambrósio. Esse filho de um chefe da guarda pretoriana e alto funcionário romano, embora cristão, é nomeado pelo imperador governador da Emília e da Ligúria. Ele é logo exigido como bispo pelos milaneses, por causa de sua fé inabalável e de sua ação social em favor dos pobres.
Em 390, o santo bispo de Milão, que converteu Santo Agostinho e que distribuiu todos os seus bens aos necessitados, é reverenciado pelos seus. Ele desconfia constantemente do poder imperial, mesmo dele obtendo medidas favoráveis ao desenvolvimento da comunidade. Ambrósio tem força de espírito para enfrentar o imperador cristão Teodósio.
Para acabar com uma revolta urbana na Tessalônica, o imperador havia ordenado uma repressão feroz que provocou o massacre de 7.000 habitantes reunidos em um hipódromo. O protesto contra esse crime era unânime no império. Ambrósio havia escrito ao imperador exigindo dele arrependimento, penitência pública, sob pena de excomunhão. Teodósio acabara cedendo. Pela primeira vez, o poder do imperador inclina-se diante do poder espiritual de um bispo. Um precedente de pesadas conseqüências na continuidade da história.
Terceira fase: o império, em 390-391, torna-se cristão sob Teodósio. O imperador interdita os cultos pagãos e destrói os ídolos. Em 392, proíbe os cultos divinatórios nos templos, que ele fecha e dá à Igreja. Ele proscreve, até mesmo nas casas, o culto doméstico dos deuses. No Egito, após uma revolta dos habitantes de Alexandria, ordena a destruição do templo de Serápis, uma divindade muito popular.
Teodósio ousa combater Símaco, nobre romano de origem muito antiga que havia protestado contra a retirada do último símbolo pagão, a estátua da Vitória no Senado. Símaco tinha pedido incansavelmente a recolocação dessa estátua tão venerada pela antiga sociedade romana quanto o templo de Júpiter. Santo Ambrósio havia se oposto com vigor e Símaco teve de recuar.
A partir de Teodósio, o imperador trabalha pela Igreja e o império é a instituição que protege, exalta e defende a nova religião, prometendo expandi-la por todas as terras conhecidas. A ecclesia, a comunidade dos primeiros cristãos, tornou-se a Igreja. Uma Instituição. Foram necessários aos cristãos quatro séculos para se apossar do poder de Roma, para impor-se ao mundo conhecido, para conseguir os meios de acabar à força, se necessário, com as heresias, como a do padre Ário, o criador do arianismo, que converteu os chefes bárbaros, e para instalar em Roma o núcleo de uma administração cristã centralizada, capaz de impor a união aos patriarcas dissidentes do Oriente.
PEQUENA CRONOLOGIA
Jesus
- 4 ou 5 antes da era cristã. Nascimento provável de Jesus em Belém; é certo que ele nasceu antes da morte de Herodes, o Grande, proclamado rei da Judéia pelo Senado romano. A diferença é devida aos problemas posteriores (século VI) de fixação de calendário.
- 27 depois de Jesus Cristo. Predicação de João Batista, que anuncia aos judeus a vinda do Messias e o batismo de Jesus Cristo nas águas do Jordão.
- 28. Começo das predicações de Cristo na Galiléia.
- 28. Primeira viagem de Cristo a Jerusalém, onde, durante a Páscoa, ele expulsa os vendilhões do Templo.
- 7 de abril de 30. Crucificação (data provável).
- 9 de abril de 30. Data provável da ressurreição, seguida em maio pela ascensão aos céus.
Os primórdios da Igreja
- 35. Lapidação de Estevão, primeiro mártir, por seus antigos correligionários. Esse judeu helenizado era um diácono escolhido pela Igreja cristã de Jerusalém para assegurar o culto das tábuas sagradas e se ocupar das tarefas materiais, no lugar dos apóstolos. Ele era, também, encarregado da pregação. Por essa razão, foi citado diante do Sinédrio, tribunal dos judeus, e acusado de ter blasfemado contra Moisés.
- 44-58. Viagens missionárias de Paulo na Ásia Menor e na Europa. O cristianismo coloca-se como uma religião de vocação mundial, mesmo que ainda fosse somente uma pequena seita dentro do mundo judeu. Nascido na Cilicia, Paulo era filho de um judeu da tribo de Benjamim. Com o rabino Gamaliel, havia adquirido um bom conhecimento das escrituras e da língua grega. Primeiramente, tinha considerado os cristãos uma seita divergente, mas, no caminho para Damasco, foi convertido por uma visão. Paulo havia, então, começado a sua carreira de missionário antes de contribuir no concílio de Jerusalém em 48 para a imposição do apostolado cristão ao conjunto do mundo pagão, em vez de limitá-lo a uma síntese com a Lei dos Judeus, e de restringi-lo, assim, à comunidade judaica. Ele havia feito do cristianismo uma religião de salvação universal.
- 64. Depois do incêndio de Roma, Nero sinaliza a perseguição aos judeus, que se estenderá até Constantino. Supliciando Paulo e Pedro, fazia deles os fundadores míticos da Igreja de Roma, que se tornava assim uma espécie de principado. Pedro, o primeiro bispo, tornava-se o pai, papas, da Igreja. O título de papa somente será atribuído oficialmente aos bispos de Roma no século V
- 70. Destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos. O imperador Tito manteve uma guerra de repressão contra os judeus. O Templo, guardando a arca da aliança, era a casa de Deus, o símbolo da fé monoteísta. O culto de Javé só podia ser celebrado neste lugar. A destruição do Templo ajudou o cristianismo a libertar-se do universo fechado de Jerusalém, mas conservando inteiramente as tradições do Antigo Testamento. De modo que somente os cristãos escreveram os textos dos Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, as Epístolas de Paulo, reunidos no Novo Testamento. Mas, antes de ser uma religião do Livro, o cristianismo havia sido, durante muito tempo, uma religião do Verbo.
- 112. Decreto de Trajano determinando o processo da perseguição aos cristãos. Período das catacumbas e da organização do culto clandestino. Definição das festas da Páscoa e de Pentecostes. Desenvolvimento da hierarquia eletiva cristã dos diáconos, padres e bispos no seio das grandes igrejas de Roma, Antioquia, Alexandria do Egito, Éfeso.
- 313. Edito de Milão, de Constantino. Fim das perseguições e construção, em Jerusalém, de uma basílica do Santo Sepulcro pela imperatriz Helena.
- 325. Concílio de Nicéia. Duzentos e vinte bispos condenam o desvio do padre Ário, que nega a divindade do Verbo, ou seja, de Cristo. Para o criador do arianismo, o Verbo é a primeira das criaturas e Cristo não é Deus, mas somente predestinado por Ele e superior aos homens pela Sua vontade. A doutrina espalha-se depois de 320 e ganha os limites do mundo cristão, em particular as tribos bárbaras das margens do Danúbio. Em Nicéia, Atanásio de Alexandria apóia a tese romana da ortodoxia, condena Ário e apóia o moderado Eusébio de Cesaréia para definir a doutrina afirmada pelos papas de Roma: o filho de Deus é Deus ele mesmo, “consubstanciai ao Pai”. IV e V séculos. Lutas cristológicas e militantes dos Pais da Igreja a serviço da ortodoxia, Atanásio, Ambrósio, Hilário de Poitiers, Jerônimo, Agostinho, João Crisóstomo. Aprofundamento da doutrina.
- 360. Grego rio de Tours funda em Ligugé o primeiro monastério da Gália. É o começo no Ocidente do monasticismo, muito desenvolvido no Oriente.
- 391-392. Leis de Teodósio contra o paganismo. O cristianismo torna-se a religião oficial do Império. Qualquer outra religião deve ser extirpada.
- 440. Leão, o Grande, é sagrado papa em Roma, afirma no Oriente a unidade da fé e defende a Igreja do Ocidente contra os bárbaros. Ele é o primeiro a pagar um tributo anual a Átila. No Ocidente, ele é a única força contra os bárbaros. 496 (?). O batismo do chefe dos francos, Clóvis, marca a aliança da Igreja e das monarquias bárbaras. A Igreja encontrou sua espada, a dos francos, contra os reinos arianistas.
“[…]. Porque não há coisa alguma escondida, que não venha a ser manifesta: nem coisa alguma feita em oculto, que não venha a ser pública”. (Marcos 4: 38-21)
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