Em pleno século XVIII, apesar da tradição renascentista e ebulição do racionalismo e do movimento iluminista, uma verdadeira onda de interesse por temas como ocultismo, magia e mistérios da alquimia atingiu as esferas mais elevadas das sociedades da Europa. O declínio da autoridade da Igreja Católica favoreceu a atuação dos praticantes e difusores dos saberes e crenças heterodoxas, estimulando a adesão de curiosos e fascinados nas próprias elites. Essa predisposição motivou os interesses de charlatões que resolveram tirar proveito, obtendo vantagens materiais e desfrutando dos favores proporcionados pelas relações com os ricos e poderosos.
Uma figura intrigante desse meio foi Alessandro Cagliostro, conhecido por suas atividades como ocultista, alquimista, curandeiro e aventureiro. Nascido em Palermo, na Sicília, em 1743, seu nome real era Giuseppe Balsamo e teve origens modestas. Logo cedo demonstrou ser muito inteligente e conseguiu ingressar num seminário em Caltagirone, mas seu comportamento não foi considerado adequado e acabou expulso. Sem perspectivas, perambulou pela Itália como vagabundo e praticante de pequenos golpes e fraudes, favorecidos por sua habilidade de persuasão. Nessa fase, descobriu as práticas ocultistas e alquímicas, percebendo nelas uma oportunidade para se dar bem, então se dedicou a ler textos antigos sobre magia, medicina alternativa e aspectos místicos. Conheceu e se casou Lorenza Feliciani, que acabou se tornando sua cúmplice nas armações que desenvolveu no decorrer de sua carreira. Ao lado de sua companheira, viajou pela Europa aplicando golpes e refinando seus métodos ardilosos enquanto acumulava experiência e fama.
Adotando o nome e a persona de Alessandro, Conde de Cagliostro, apresentado como uma figura aristocrática sábia e misteriosa, o farsante conquistou a atenção de nobres através de sua lábia eficaz e de toda “mise-en-scène” que ele elaborou para fazer sua atuação ser ainda mais convincente. Uma biografia falsa fazia parte da composição e ela era tão elaborada que deixava seus interlocutores impressionados e curiosos. Além disso, ele desempenhava rituais pomposos que causavam impacto até entre os iniciados nas artes ocultas e suas poções e elixires mágicos e curativos eram produtos muito desejados. O plano deu certo e sua ascensão foi vertiginosa. Ele inventou o “Rito Egípcio”, uma mistura de elementos da Maçonaria com influências místicas e esotéricas variadas e conquistou vários seguidores, fortalecendo ainda mais sua presença e influência. A armação era tão complexa que até curas milagrosas faziam parte do repertório.
Cagliostro conseguiu se infiltrar nos círculos sociais da elite graças ao aparato e repertório que produziu e às suas habilidades de envolver e cativar a atenção dos admiradores, pois era um homem carismático e comunicativo que sabia explorar aspectos da personalidade de seus interlocutores em seu favor. Sua esposa atuava na empreitada ajudando a conquistar o interesse das pessoas, apelando para sua beleza, charme e simpatia como chamarizes. A dupla frequentou palácios e outros ambientes da nobreza e alta burguesia e ao longo de suas explorações aproveitavam para formar uma rede de apoio constituída por cúmplices entre a criadagem e em outras posições estratégicas.
Através de pagamentos, doações, patrocínios e presentes, ele conseguiu formar uma considerável fortuna, o que ajudava a financiar o aperfeiçoamento de suas manobras para obter ainda mais vantagens posteriores. Em suas andanças ele fez contatos com atuantes no mundo do ocultismo e adquiriu insumos e artefatos para realizar seus feitos que impressionavam. Ele esteve em vários reinos e nem sempre sua passagem era proveitosa, pois na Rússia a imperetriz Catarina desconfiou das intenções do forasteiro e resolveu expulsá-lo de seus domínios. Sua persistência o levou para outros lugares, como a Inglaterra, impulsionou sua fama, abrindo as portas posteriormente para acessar a requintada corte francesa de Luís XVI, onde logo fez sucesso com seus experimentos alquímicos, venda de curas milagrosas e orientações místicas. Apesar dessa presença que parecia ser promissora, acabou sendo associado ao escandaloso “Caso do Colar de Diamantes” (“L’Affaire du Collier de la Reine”), em 1785, trama que envolveu uma transação fraudulenta de uma joia de valor exorbitante composta por mais de duzentos diamantes sob a falsa citação da rainha Maria Antonieta como compradora. O caso acabou sujando a reputação da rainha num período de crise e contestações às vésperas da revolução, pois o boato foi utilizado contra ela para condenar a riqueza e luxo ostensivos da corte. Vários cúmplices e suspeitos de participação direta e indireta no episódio foram presos, incluindo Cagliostro, que acabou sendo absolvido após uma experiência ameaçadora.
Mesmo escapando de uma condenação severa, sua sorte não foi a mesma depois disso. De volta à Itália, Cagliostro encontrou mais problemas. A persistente Inquisição de Roma resolveu apurar suas práticas e ele enfrentou acusações de heresia, blasfêmia e bruxaria. Ele foi preso no final de 1789 e por ser uma figura conhecida, o caso ganhou repercussão pública e virou assunto bastante comentado como objeto de curiosidade e especulação. Diante do descrédito e da fragilidade de sua situação, Cagliostro foi abandonado pelos seguidores do Rito Egípcio e vários deles viraram colaboradores da Inquisição em troca de benefícios. O pior ato de traição foi marcado pela posição de sua esposa e cúmplice, pois Lorenza resolveu se voltar contra ele, atuando como testemunha da acusação e fonte de informações comprometedoras utilizadas pelo tribunal religioso.
O falso conde de Cagliostro acabou declarado culpado dos crimes apontados pela Inquisição em abril de 1791 e a pena definida por foi a morte na fogueira, mas o Papa Pio VI resolveu comutar o castigo e determinou a prisão perpétua. Ele foi trancafiado na Fortaleza de San Leo, nos Apeninos italianos, em condições extremas, pois sua cela isolada era subterrânea e insalubre. Cagliostro morreu em 26 de agosto de 1795, aos 52 anos, em condições deploráveis. Oficialmente, a causa foi um derrame, mas rumores de envenenamento ou suicídio persistiram.
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