A fase monárquica da Antiga Roma é contada através de relatos posteriores de autores como Tito Lívio, Plutarco, Dionísio de Halicarnasso, Varrão, Estrabão, Tácito e Cícero, com escritos baseados em fontes orais, além das influenciadas repletas de elementos lendários. Evidências arqueológicas e interpretações de historiadores ajudaram a estabelecer informações e entendimentos sobre este que é compreendido como o primeiro período que a historiografia tradicionalmente aborda para estudar esta importante civilização da Antiguidade.
Segundo a tradição, a cidade de Roma é o marco inicial dessa história e sua fundação ocorreu em 753 a.C. Embora estudos arqueológicos indiquem que a região em torno do Palatino já contasse com assentamentos populacionais bem antes disso, a arqueologia e a tradição não são divergentes quanto à noção de que a cidade em si se desenvolveu numa fase equivalente à data indicada. Diferentemente dos indícios arqueológicos, segundo as lendas e tradições antigas repetidas pelos primeiros autores que trataram do tema, o ano 753 a.C. refere-se a um evento específico que marcou o surgimento de Roma, o ato fundador promovido por Rômulo, primeiro rei e inspirador do nome da cidade.
Durante a monarquia o poder central era exercido pelo rei (rex), que possuía funções administrativas, militares, religiosas e judiciais. Os reis eram eleitos pela elite romana num ato que envolvia ritos religiosos (Auspicium) e procedimentos institucionais e o ato de eleição servia como maneira de equilibrar o poder para evitar o despotismo absoluto e a tirania, sugerindo que os escolhidos reuniam os melhores atributos para governar e liderar o povo. A eleição era uma herança de uma tradição tribal dos povos predecessores dos romanos (latinos, sabinos e etruscos), que praticavam a definição de liderança por méritos pessoais e não através da definição hereditária.
O Senado era a instituição que reunia representantes das principais famílias aristocratas e possuía função deliberativa e consultiva, sendo o órgão que escolhia os reis e assumia, através de um de seus membros (interrex), as funções reais durante o período de vacância que prevalecia quando a decisão sobre a indicação de um novo monarca ainda não havia sido tomada (interregnum). A Assembleia Curiata tinha pouco poder decisório porque era basicamente cerimonial, proclamava a nomeação dos reis, as leis propostas por eles e concediam simbolicamente a autoridade suprema real (imperium) quando o Senado indicava o monarca seguinte. Esta estrutura institucional progrediu na medida em que Roma crescia e deixou de ser apenas uma cidade e passou a ser capital de um vasto domínio territorial, servindo de base para o funcionamento da República e posteriormente do Império.
A fase monárquica romana durou até 509 a.C. e ao longo desse período foi governada por sete reis designados. A cronologia dos reinados é estimada com base nas tradições orais e registros produzidos pelos autores que escreveram sobre o período séculos após os eventos. Nesta contagem de tempo, cada um regeu por cerca de 35 anos, característica que reforça a imprecisão da cronologia, elaborada por autores que escreveram séculos depois dos eventos e sob influências de abordagens repletas de elementos lendários.
Rômulo
Segundo a tradição, Rômulo foi aquele que instituiu a monarquia romana. Sua história é amplamente reconhecida como lendária, com aspectos vagos e claramente irreais, mas que moldaram a identidade de Roma e de sua origem. De acordo com a tradição, Rômulo e seu irmão gêmeo Remo tiveram uma origem especial, sendo filhos da vestal Réia Sílvia e do próprio deus Marte. Réia Sílvia era filha de uma princesa e sobrinha de Numitor, um rei legítimo deposto pelo próprio irmão Amulius. Uma profecia de um oráculo determinou que um dos filhos de Réia Sílvia teria um destino grandioso e seria rei, situação que fazia dos bebês eventuais ameaças para o usurpador, que determinou que eles fossem abandonados para morrer para evitar que reivindicam seus lugares de direito. Uma loba encontrou as crianças às margens do Tibre e os amamentou até que um pastor acolhesse e criasse os irmãos. Os irmãos cresceram como notáveis guerreiros e líderes e conseguiram estabelecer uma cidade, porém uma outra profecia indicou que somente um deles conseguiria o feito de fundar a cidade desejada. Rômulo interpretou que um sinal divino foi apresentado em seu favor através de um incomum voo de pássaros em sua direção, mas Remo contestou este augúrio divino e ambos lutaram até a morte do segundo. A vitória de Rômulo confirmou a profecia e ele instituiu a cidade de Roma.
Além do mito da fundação, o reinado de Rômulo foi associado ao estabelecimento de instituições marcantes de Roma e do início da expansão territorial. A organização militar com as legiões e centúrias, a criação do Senado, a divisão da sociedade entre patrícios (aristocracia) e plebeus (classe comum) e criação das cúrias (divisões tribais) foram feitos atribuídos aos seu reinado e tiveram repercussão ao longo da história romana. A ampliação do domínio territorial e a imposição de Roma diante de outros povos foram simbolizadas através do lendário episódio do Rapto das Sabinas. Conforme a tradição, a cidade-estado de Roma carecia de mulheres para poder crescer e prosperar, então um festival foi promovido para atrair populações vizinhas. Num ato surpreendente, os guerreiros romanos se apoderaram das mulheres dos sabinos, povo que viviam nas redondezas, precipitando uma guerra entre os romanos e os vizinhos que acabou quando as próprias mulheres raptadas optaram por ficar em Roma e as terras sabinas foram posteriormente incorporadas ao novo reino, que iniciava a ampliar seus domínios.
O fim do reinado de Rômulo foi descrito de maneira misteriosa através das lendas, pois o rei não teve o destino de um mero mortal e foi levado para o céu numa nuvem enquanto realizava uma inspeção militar. O fundador de Roma foi consagrado como Quirino, um dos principais deuses romanos. Numa versão nada fantástica, o rei acabou assassinado por integrantes do Senado diante da acusação de estar montando um governo autocrático.
Numa Pompílio
Após o desaparecimento de Rômulo, uma crise se instalou no reino e houve um prolongado e tumultuado interregnum até a escolha do sabino Numa Pompílio. Reconhecido por ser um homem sábio e ponderado, o segundo rei assumiu o propósito de promover um governo pacífico, diferente do belicoso antecessor. Dotado de forte devoção religiosa, promoveu uma profunda reforma para buscar as bênçãos divinas para o reino, estabelecendo o pontificado, órgão sacerdotal chefiado pelo Pontífice Máximo (cargo exercido pelo próprio rei), que se encarregava de regular os ritos e cerimônias. As sacerdotisas vestais foram encarregadas de cuidar do fogo sagrado no Templo de Vesta. O Templo de Jano foi construído como símbolo de paz e proteção, sendo caracterizado por ter suas portas fechadas em tempos de pacíficos e abertas quando estavam em guerra (para orgulho do rei, o templo não abriu as portas em seu governo). O calendário romano foi estabelecido e serviu de referência duradoura para medir a passagem do tempo.
O pacifismo de Numa Pompílio ajudou a estabilizar o reino e suas medidas religiosas contribuíram para a formação da identidade romana, mas seus feitos não foram atribuídos a um homem comum e as lendas declararam que o rei tinha como conselheira a ninfa Egeria, entidade divina que se comunicava com ele o ajudou a liderar os habitantes de Roma.
Tulo Hostílio
O período de paz sob o reinado de Numa Pompílio foi interrompido por seu sucessor, o guerreiro Tulo Hostílio, tido como descendente do heroi das lendas Hostus Hostilius, que lutou ao lado de Rômulo contra os sabinos. O terceiro rei romano colocou em prática uma intensa campanha expansionista contra o reino de Alba Longa, cidade-estado próxima de Roma. Conforme a tradição, o enfrentamento só teve definição quando ocorreu um duelo entre campeões dos dois reinos para uma decisão definitiva, estando os trigêmeos Horácios do lado romano e os trigêmeos Curiácios do lado de Alba Longa. A vitória dos Horácios assegurou a conquista feita por Roma e a cidade rival acabou sendo destruída, seu território integrado à Roma e sua população foi incorporada ao contingente de habitantes da vitoriosa. Este feito fortaleceu Roma, que partiu para novas conquistas e dominou a região do Lácio submetendo novas cidades.
Sob o reinado de Tulo Hostílio o Senado foi abrigado numa nova sede, a Curia Hostilia, que foi utilizada com esta finalidade durante séculos, e o exército foi bastante fortalecido, porém, segundo a tradição, ele foi negligente com os assuntos religiosos e os deuses não pouparam Roma pelo descaso de seu rei. Uma peste assolou Roma como castigo divino e nem Tulo Hostílio escapou da fúria sagrada, sendo atingido por um raio fatal enviado por Júpiter como punição.
Anco Márcio
Neto de Numa Pompílio, o quarto rei resolveu equilibrar os interesses militares e as relações diplomáticas para evitar um constante estado de guerra e seguiu as tradições religiosas conforme os ensinamentos do avô. Apesar de buscar a paz, o rei não hesitou diante da necessidade de resguardar a defesa de Roma diante das ameaças de cidades que se rebelaram, derrotando as ameaças e continuando a política de ampliação do domínio territorial e populacional das regiões próximas. Ele fundou a importante colônia de Ostia, proporcionando a criação do primeiro porto de Roma e promovendo uma intensa atividade comercial que rendeu prosperidade para os romanos e integrou o reino a outros destinos afastados através das negociações de bens variados. O rei investiu em obras estruturais e na administração da justiça, intensificando o combate à desordem e o crime através da fundação de uma prisão no Monte Capitolino.
Tarquínio Prisco
O quinto rei de Roma era etrusco de ascendência grega que se estabeleceu em Roma em busca de riqueza e poder. Durante o reinado de Anco Márcio exerceu funções de destaque, progredindo através de sua notável habilidade política e popularidade, recebendo mais atenção dos que os próprios filhos do rei para o qual serviu. Sua posição acabou favorecendo a ascensão ao trono e o novo rei procurou deixar sua marca através da promoção de reformas políticas e militares. Ele ampliou o número de senadores para acomodar mais representantes das famílias proeminentes, o que acabou aumentando sua base de apoio na elite romana. Os efetivos militares também foram aumentados juntamente com uma reorganização das centúrias e das divisões de comando, proporcionando bons resultados em sua política expansionista. A influência cultural etrusca cresceu e se fundiu à tradição romana, influenciando as artes e a religião. Obras públicas marcantes foram promovidas para beneficiar a cidade, tais como o Circo Máximo, grandiosa arena para corridas de bigas e outros espetáculos, a Cloaca Máxima, sistema infraestrutural de saneamento que melhorou as condições da cidade, e ainda dotou seu domínio de novas fortificações e estruturas de defesa como muralhas resistentes para favorecer a defesa.
Apesar do êxito e influência, os aliados dos filhos de Anco Márcio representaram uma ameaça política constante durante o reinado de Tarquínio Prisco, que acabou sendo assassinado por oponentes. A viúva, a rainha Tanaquil, uma mulher de grande influência política, conseguiu impedir o sucesso dos inimigos ao garantir que seu genro Servio Túlio fosse coroado como sucessor.
Servio Túlio
O sexto rei era um homem de origens modestas, condição que refletiu sobre seus atos como governante. Um fator lendário também está associado ao novo rei, pois era dito que quando Servio Túlio era criança uma chama envolveu sua cabeça sem queimá-lo, o que foi tomado como um sinal de que ele estava predestinado a algo grandioso e se tornar rei era a confirmação do presságio. A marca de seu reinado foi a atuação social resultante de suas intervenções como a reforma censitária, que proporcionou uma redistribuição da cobrança de tributos que acabava com a sobrecarga sobre os mais pobres, assegurando que a participação política da população fosse ampliada através de mais direitos civis. As assembleias deliberativas compostas por cidadãos eram instrumentos importantes nesse processo de integrar as camadas populares ao poder. Novas medidas para organizar as tropas foram realizadas para distribuir a defesa de maneira eficiente nas diferentes regiões do reino e foram construídas as Muralhas Servianas, estrutura de pedra que cercava a cidade e a protegia de ameaças externas. Vários edifícios sagrados como o Templo de Diana, no Monte Aventino visavam proteger Roma também através dos favores divinos.
Servio Túlio foi derrubado por uma conspiração familiar arquitetada pela própria filha Túlia Menor e seu marido, Tarquínio, o Soberbo. Segundo os relatos, Túlia chegou a passar com sua carruagem sobre o corpo do pai numa demonstração brutal do sucesso de sua trama pelo poder.
Tarquínio, o Soberbo
O último rei de Roma chegou ao poder por meio da violência e acabou sendo marcado pela tirania. Descendente de Tarquínio Prisco, o novo soberano resolveu concentrar os poderes em suas mãos e para isso desprezou o Senado e perseguiu membros da instituição, confrontando a própria elite romana. O medo e a eliminação dos críticos viraram um instrumento de sua autoridade. Ele não seguia os preceitos religiosos de Numa Pompílio e Sérvio Túlio, embora tenha ampliado o Templo de Júpiter como símbolo da glória de Roma. Empreendeu campanhas militares contra os etruscos, volscos e outros povos da região, consolidando a posição dominante de seu reino.
Sua postura autocrática desafiou famílias importantes, principalmente quando seu filho e virtual sucessor Sexto Tarquínio estuprou a nobre Lucrécia, que acabou se suicidando por causa da desonra. O episódio e os descontentamento com a tirania do rei gerou protestos e uma revolta acabou resultando na expulsão da família real em 509 a.C, ocasião que o Senado instituiu a República, acumulando um poder ainda maior e elegendo magistrados para o exercício do governo.








