A disseminação de desinformação, calúnias e difamação com a finalidade de iludir a opinião pública para obter vantagens e conquistar posições de poder é uma situação que tem despertado bastante atenção e preocupação atualmente, mas a prática maliciosa da manipulação através de farsas tem ocorrências danosas registradas na história. Os mentirosos se aproveitam de contextos favoráveis para a proliferação das narrativas enganosas e de uma predisposição do próprio público para aceitar os conteúdos forjados que são produzidos através de através de astúcia e propósitos questionáveis. Um dos episódios mais infames de articulação de um plano orquestrado para manobrar as massas e até as autoridades envolveu uma trama que anunciou uma falsa conspiração chamada “Popish Plot” (“Complô Papista”), que resultou em perseguições religiosas e execuções de pessoas inocentes na Inglaterra do final do século XVII. O articulador dessa farsa catastrófica e sangrenta foi o clérigo protestante Titus Oates (1649–1705).
A Inglaterra experimentava tensões religiosas desde a Reforma Protestante no século XVI, que estabeleceu a Igreja Anglicana durante o reinado de Henrique VIII numa situação de intenso confronto com os católicos. A influência do papado passou a ser encarada pelos adeptos da reforma como uma interferência externa que ameaçava a soberania britânica e, após uma tentativa da rainha Maria I de reverter o rompimento com a igreja romana, durante o reinado de Elisabeth I perseguições contra católicos foram acentuadas. Confrontos religiosos tumultuaram o cenário britânico no decorrer dos anos, proporcionando crises de profundos efeitos sociais e políticos. Durante o reinado de Carlos II, que governou a Inglaterra de 1660 até 1685, a discórdia religiosa envolvia a própria realeza porque o herdeiro e irmão do monarca, Jaime, o Duque de York, se converteu ao catolicismo e recusou prestar juramento ao Ato de Prova, conjunto de normas que impunha a fidelidade à Igreja da Inglaterra. Isso motivou uma articulação parlamentar para removê-lo da linha sucessória, ação também motivada pelo receio do envolvimento do comando da Igreja Católica e da França contra o avanço do protestantismo no território britânico. Titus Oates aproveitou o contexto conturbado para mobilizar uma reação contra os católicos, mesmo que para isso fosse necessário recorrer a artifícios baseados em uma grande farsa, que se manifestou através da montagem de um plano conspiratório falso atribuído aos seguidores do Papa.
A trajetória de Oates foi conturbada. Ele nasceu em 1649 e seu pai, Samuel Oates, foi um clérigo anglicano que teve experiência anterior como ministro batista. O jovem Oates chegou a ter sua educação formal interrompida, pois foi expulso de instituições de ensino respeitáveis por causa de sua má conduta, mas isso não o impediu de obter o ordenamento sacerdotal anglicano em 1673. A indisciplina continuou a marcar seus hábitos enquanto ele insistia em iniciar sua carreira religiosa e o fracasso como pregador anglicano motivou sua conversão temporária ao catolicismo. Ele tentou se tornar um jesuíta, mas não chegou a ser ordenado porque foi expulso de um seminário na Espanha e de outro na França por desrespeito às normas de conduta e desafio às autoridades eclesiásticas. Esta experiência frustrante o levou de volta à Igreja Anglicana e alimentou sua antipatia e ressentimento pelo catolicismo, sentimentos que marcaram sua atuação quando ele voltou à Inglaterra e se aliou ao reformista Israel Tonge, um notório anticatólico.
Em 1678, ao lado de Tonge, Oates desenvolveu uma trama para atingir a instituição católica e seus adeptos. O plano envolveu a denúncia de uma conspiração em curso que tinha como propósito assassinar o rei Carlos II, estabelecer o Duque de York no trono e restaurar o catolicismo como religião oficial da Inglaterra. O cenário político favoreceu a disseminação da farsa, que citava a participação direta dos jesuítas como alegados autores do complô inventado. O próprio Oates afirmou ter testemunhado reuniões conspiratórias enquanto conviveu com os católicos na Espanha e na França. Nomes de acusados foram apontados pelos articuladores do golpe e um manuscrito forjado por Oates foi utilizado como “prova” da existência do movimento. A influência de Tonge como pregador inflamado ajudou a transmitir a narrativa e diversas pessoas, incluindo autoridades públicas, acreditaram na existência do Complô Papista. O misterioso assassinato do magistrado encarregado de apurar o caso aumentou ainda mais a repercussão e a histeria coletiva contra os supostos católicos conspiradores. Várias pessoas foram indevidamente qualificadas como participantes do complô, sendo presas e torturadas sob alegações infundadas. A fraude criada por Oates foi responsável pela execução de 35 pessoas inocentes, acusadas através de falso testemunho e sem apresentação de qualquer prova.
Apesar do furor inicial e das condenações, as inconsistências e contradições das acusações de Oates foram ficando cada vez mais evidentes e seus apoiadores foram se afastando. O próprio Carlos II passou a duvidar do plano alardeado por Oates e quando o Duque de York foi coroado como rei Jaime II sua situação ficou insustentável e chegou ao ponto de resultar em um processo presidido pelo magistrado George Jeffreys. Durante o processo ficaram evidenciadas as mentiras das alegações, a falsificação de documentos e a intenção danosa de Oates, que acabou confirmando a falsidade de seus atos. O autor da trama foi condenado pelo crime de perjúrio em 1685 e uma pena de castigo físico em público foi aplicada, além da determinação da prisão perpétua imposta como sentença.
Apesar de todos os estragos causados por sua atividade e da prisão perpétua estabelecida, a sorte de Oates mudou e ele passou pouco tempo na prisão. As tensões durante o reinado do católico Jaime II resultaram na reação dos parlamentares contra sua intenção de promover liberdade religiosa e pela desconfiança de que ele pretendia restaurar o poder absoluto. A suspensão do Parlamento pelo rei precipitou uma rebelião dos nobres protestantes, que convocaram Guilherme III, Príncipe de Orange, genro e sobrinho de Jaime, para invadir a Inglaterra e tomar o poder. O movimento, conhecido como Revolução Gloriosa (1688), derrubou Jaime II, que fugiu para a França, e Guilherme III foi coroado. O novo rei protestante decidiu perdoar Titus Oates, que foi libertado e favorecido por uma confortável pensão paga pela Coroa. Oates chegou a se casar com uma mulher rica depois de libertado da prisão, mas arruinou a fortuna da esposa e teve a pensão revogada. Com dificuldades financeiras, se reaproximou da Igreja Batista e chegou a atuar como pregador, insistindo em propagar discursos de ódio contra os católicos que ainda eram acolhidos por várias pessoas, embora seu radicalismo persistente gerasse críticas. O comportamento errático e a postura arrogante de Oates continuavam causando transtornos mesmo nas comunidades atendidas pelas igrejas onde ele atuou.
O manipulador e demagogo que forjou uma farça assassina foi progressivamente caindo na obscuridade até morrer esquecido e sem credibilidade em 1705. O fim da perseguição a concessão de plenos direitos civis aos católicos só foi oficialmente consumada na Inglaterra através do Ato de Emancipação Católica de 1829.
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