Gregório IX: O Papa da Inquisição e dos confrontos pelo poder na Igreja Católica

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

A disseminação de crenças que contrariavam as determinações da Igreja Católica passou a ser uma preocupação para as autoridades eclesiásticas, pois as doutrinas alternativas estavam atraindo seguidores e contrariando preceitos considerados fundamentais. Os disseminadores e praticantes das correntes religiosas divergentes representavam obstáculos para a imposição da autoridade papal e frequentemente questionavam a ordem social, o que também desagravada a nobreza medieval. Uma série de medidas isoladas e até violentas foram dotadas contra os movimento heréticos, a exemplo dos cátaros na França, confrontados pela iniciativa do Papa Inocêncio III. Apesar disso, focos de desobediência continuavam surgindo e motivaram a adoção de uma ação coordenada de controle e repressão e o Papa Gregório IX foi o agente deste processo ao formalizar a criação da Inquisição através da Bula Excommunicamus, emitida em 1231.

Gregório IX, cujo nome de batismo era Ugolino di Conti, nasceu entre 1145 e 1170 (a falta de exatidão decorre da falta de registros definitivos a respeito de seu nascimento). Sua família era tradicional em Anagni, cidade na região central da Itália, e possuía laços próximos com o alto escalão da Igreja Católica, pois Ugolino era sobrinho de Inocêncio III. As conexões e a inclinação do jovem Ugolino possibilitaram seu ingresso na vida eclesiástica primeiramente através de uma sólida formação teológica e em direito canônico, em seguida pelo progresso através dos cargos na igreja. Ele foi nomeado cardeal pelo tio em 1198 e desempenhou funções de destaque na Itália e em missões diplomáticas no exterior. O reconhecimento de sua capacidade culminou com a eleição, em 1127, para exercer o pontificado, quando adotou o nome Gregório IX.

Ao longo de sua carreira antes de assumir o comando da Igreja, Gregório IX já cultivava uma séria preocupação com a atuação dos movimentos e insurgências heréticas. Ele apoiava as ordens mendicantes, como os franciscanos e dominicanos, porque considerava que poderiam proporcionar um exemplo inspirador para os pobres, afastando a influência dos pregadores que criticavam a estrutura suntuosa e poderosa que predominava na instituição, mas certamente pensava que isso não era suficiente.

Investido de poder, ele tinha o desafio de lidar com os variados grupos heréticos. Entre eles estavam os insistentes remanescentes dos cátaros ou albigenses, que pregavam a aniquilação da vida terrena por ser obra do mal e abominavam a Igreja. Contra eles, Gregório IX manteve a Cruzada Albigense para eliminar os rebeldes da fé. Os valdenses, seguidores do francês Pedro Valdo (Pierre Vaudès, 1140–1218), seguiam o preceito da vida na pobreza como ideal para a salvação, renegando a hierarquia da Igreja e os sacramentos. Os patarenos eram reformistas que criticavam a corrupção eclesiástica, estrutura e riqueza da Igreja Católica. Os humilhados eram católicos adeptos de um segmento dissidente que pregava a simplicidade e renúncia aos confortos terrenos, adotando suas próprias práticas e ritos sem autorização da hierarquia eclesiástica, o que os colocou na posição de hereges. Além desses grupos, comunidades e cultos isolados com perspectivas independentes também figuravam neste panorama de experiências religiosas que ocorriam à margem da ortodoxia católica, ameaçando a unidade e controle da Igreja.

As ações desconexas e inconsistentes que eram adotadas pelas autoridades locais contra os hereges estavam se mostrando ineficientes, então o Pontífice achou necessário organizar a estratégia e firmar um conjunto de procedimentos para asseguram um maior e mais efetivo domínio institucional sobre o problema. Ao definir a criação da Inquisição Papal, as medidas foram centralizadas e uma estrutura de funcionamento foi estabelecida para importa a doutrina e a ordem. As figuras dos inquisidores passaram a agir em nome do Papa. Eram clérigos de formação rigorosa investidos de autoridade e designados para conduzir uma série de procedimentos. Eles atuavam em jurisdições definidas, aplicando os procedimentos legais para averiguar a atuação dos hereges e estabelecer as eventuais punições pelas ofensas apuradas. O cumprimento dos procedimentos inquisitoriais era rigorosamente documentado e as punições aplicadas aos condenados eram variadas, podendo ser brandas ou extremas, de acordo com o grau da ofensa e dependendo da severidade de quem julgava. Os alvos da Inquisição poderiam ser punidos através da obrigação do cumprimento das penitências religiosas rotineiras através de orações e submissão às rotinas e serviços ritualísticos regulares nos casos mais simples, contudo, a gravidade e reincidência resultavam em prisões, castigos físicos, confisco de bens e execuções na fogueira. A confissão era um ato muito valorizado no cumprimento dos procedimentos inquisitórios, sujeitando os alvos aos métodos persuasivos violentos para a obtenção de suas declarações de culpa, o que favoreceu a prática da tortura como meio de pressão característico da Inquisição, embora não sancionado oficialmente na Bula Excommunicamus.

A Igreja não agia sozinha no estabelecimento da Inquisição e as autoridades laicas também desempenhavam seus papéis. Enquanto os inquisidores cumpriam as funções de averiguação e julgamento, os nobres asseguravam o cumprimento da aplicação das penas. A lógica por trás desta parceria sangrenta era sustentada no princípio de que cabia à Igreja o aspecto espiritual do combate à heresia e ao poder exercido pelos governantes competia a execução dos atos físicos sobre os condenados. Esta relação entre a Igreja e os nobres favoreceu o controle social exercido pelos poderosos do clero e pelos detentores da força política e os dois lados usaram e abusaram da Inquisição para o atendimento de seus interesses ao longo dos tempos.

Além de sua luta contra os hereges, Gregório IX encarou outros conflitos durante seu pontificado. Ele defendia a luta contra os infiéis no Oriente e na própria Europa, quando apoiou as Cruzadas do Norte, voltadas contra os pagãos que habitavam a região do Mar Báltico. A Ordem dos Cavaleiros Teutônicos era a principal força em ação no enfrentamento e conversão forçada dos praticantes das antigas crenças locais entre prussianos, lituanos, estonianos, letões e finlandeses. O Papa buscou a unidade católica tentando convencer o Patriarca Germano II de Constantinopla a reunificar a Igreja, separada desde o Grande Cisma de 1054, mas a conciliação era inviável porque as divergências doutrinárias eram consideráveis e a tentativa de imposição da perspectiva romana não foi reconhecida pelos católicos do Oriente, poderosos demais para uma subjugação imposta Gregório IX.

A defesa da autoridade papal e poder da Igreja foi exercido pelo Papa em mais situações como conflitos com intelectuais da Universidade de Paris, objetivando o a garantia da garantia da ortodoxia através do rigor no controle sobre a instituição. A riqueza da Igreja foi defendida através de enfrentamentos aos senhores feudais da região central da Itália, onde a instituição controlava vastas terras cobiçadas pelos aristocratas.  

Um importante adversário de Gregório IX foi Frederico II, do Sacro Império Romano-Germânico. A disputa de poder entre o Pontífice e o sacro-imperador continuava uma tumultuada relação institucional que estava estabelecida desde o reinado de Frederico Barbarossa (pai de Frederico II), quando entraram em choque os interesses do papado e da nobreza italiana de um lado e do Sacro Império Romano-Germânico, na posição oposta. As questões envolviam controle de territórios, interferências indevidas e acusações mútuas que citavam corrupção. Gregório IX chegou a excomungar Frederico II duas vezes, na primeira ocasião (em 1227) pela recusa do imperador em apoiar uma cruzada, depois disso, em 1239, quando ambos entraram em guerra após a ameaça papal de convocar um concílio para depor o regente do Sacro Império, qualificado pelo Papa como “anticristo”. Frederico II invadiu a Itália e conseguiu sabotar o concílio. Quando Gregório IX morreu, em 1241, as tropas invasoras continuavam presentes na Itália e o conflito influenciou um longo conclave, dividindo os cardeais entre aqueles que defendiam as posições contra Frederico II e os que buscavam uma conciliação para encerrar a questão. Após dois meses de discussões, Papa Celestino IV foi escolhido diante da expectativa de solução do conflito, mas ele morreu com apenas 17 dias exercendo o pontificado e um novo conclave elegeu Inocêncio IV, que manteve a posição Gregório IX em relação ao sacro-imperador. O tumulto só foi encerrado com a morte de Frederico II, em 1250.

Os 14 anos de pontificado de Gregório IX foram extremamente agitados e tensos, deixando um legado duradouro na história da Igreja Católica e nos desdobramentos sociais, políticos e religiosos vividos pela Europa, principalmente após o estabelecimento da Inquisição.


Referências:

3 comentários

  1. […] Gregório IX é conhecido por formalizar a temida Inquisição em 1231, centralizando o combate aos hereges como os cátaros e valdenses. Seu papado também foi marcado por conflitos, como as Cruzadas do Norte contra os pagãos da Europa. Determinado a reforçar o poder da Igreja, ele perseguiu dissidentes e buscou expandir a influência católica pela força. Conheça os bastidores desse pontificado, que consolidou a brutal repressão religiosa na Idade Méd… […]

  2. […] Outro importante acontecimento promovido pelo pontificado de Inocêncio III foi o Concílio de Latrão IV, em novembro de 1215. Esta reunião da alta cúpula católica teve a finalidade de definir regras e rumos importantes para confirmar a autoridade papal, além de estabelecer aspectos doutrinários e normas de conduta eclesiástica. Durante o concílio surgiram providências para o combate a heresia que prepararam as condições para o posterior estabelecimento da Inquisição, oficializada em 1231 durante o papado de Gregório IX. […]

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