Bajirao e Mastani: Uma história de amor que desafiou tradições na Índia do Século XVIII

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

No século XVIII, o subcontinente indiano era composto por um notável mosaico religioso, abrigando diversas crenças. O hinduísmo figurava como predominante e tradicional religião entre os indianos, mas outros credos eram importantes como o islamismo impulsionado pelo Império Mughal, o budismo que resistia, o sikhismo que sofria perseguições pelo governo imperial, o antigo persistia com suas práticas ascéticas, o cristianismo estava presente introduzido pelos europeus. Além disso, variadas religiões tribais eram praticadas em comunidades isoladas durante incontáveis gerações.

Apesar da diversidade, prevaleciam rigorosos parâmetros sociais que resultavam em tensões religiosas, sobretudo entre os hindus e os muçulmanos, que também rivalizavam pela hegemonia através das divergências entre o Império Mughal, de maioria muçulmana, e os reinos hindus. Os preceitos religiosos eram considerados muito importantes para a identidade destas sociedades, além da coesão e preservação da estrutura do poder centrado em seus grupos dominantes.

Diante deste cenário, uma união conjugal inter-religiosa era um ato desafiador muito sério, podendo ser encarada até como uma traição às origens, grupos sociais e normas legais. Apesar de toda pressão contrária, um importante caso de transgressão a esta postura ocorreu durante o século XVIII no Império Maratha, localizado em regiões do atual centro e oeste Índia.

Bajirao I (1700-1740), líder militar e herói de guerra maratha se notabilizou por sua atuação que expandiu os domínios dos hindus, conquistando terras através de vitórias decisivas sobre o poderoso Império Mughal. Ele era um defensor da autonomia dos hindus diante do poderio dos rivais muçulmanos e pertencia a uma tradicional família seguidora do hinduísmo. Além de seu prestígio militar, Bajirao também exercia o poder como Peshwa (governante de fato) do Império Maratha. Ele era reconhecido como um grande guardião e condutor dos hindus, mas chocou seu povo quando se casou com a muçulmana Mastani (1699-1740).

Mastani era filha de Maharaja Chhatrasal, um líder de clã de guerreiros (Rajput) que se rebelou contra o Império Mughal e se aliou a Bajirao. Sua mãe era Ruhaani Bai, uma princesa persa muçulmana casada com o chefe guerreiro hindu. Sendo fruto de uma relação inter-religiosa, Mastani cresceu habituada aos aspectos das duas religiões, vivenciando uma experiência de sincretismo e diversidade em sua formação na condição de herdeira de duas tradições, embora tenha adotado a crença da mãe e assimilado hábitos hindus para se adaptar ao meio no qual vivia. Era uma mulher de notável inteligência, além de habilidosa nas artes marciais, dança e música.

As vidas dos dois se conectaram incialmente através de um acordo entre Bajirao e Maharaja Chhatrasal, que ofereceu a mão da filha em casamento ao comandante maratha como prova de agradecimento pelo apoio militar contra as forças do general Mohammad Khan Bangash, do Império Mughal. Bajirao e Mastani se conheceram e se casaram em 1727, numa união que fortaleceu estrategicamente o Império Maratha. O casamento arranjado por fins políticos e militares se transformou em um relacionamento de amor intenso entre dois, mas a felicidade conjugal e o profundo afeto do casal geraram controvérsias e preconceitos.

A família de Bajirao era seguidora de padrões fundamentalistas e ortodoxos do hinduísmo, fazendo parte da elevada casta guerreira dos Kshatriya. Numa sociedade marcada pela separação social rígida, um casamento inter-religioso era considerado uma união impura, merecedora de reprovação e repressão. A linhagem descendente de tal união era vista como uma abominação indigna de consideração. A mãe de Bajirao, Radhabai, e seu irmão, Chimaji Appa, exerceram forte pressão contra o casamento e provocando uma onda de manifestações difamatórias e injuriosas contra Mastani. Membros da casta dos brâmanes também rejeitaram e condenaram o casamento, renegando ainda Shamsher Bahadur, filho do casal. Manifestações de rejeição também ocorriam entre líderes políticos e militares do império, além de sacerdotes que não reconheciam o casamento como uma união legítima.

Diante de tamanha pressão e descontentamento, a postura e os sentimentos de Bajirao permaneceram inabaláveis. Ele respondia os ultrages defendendo fervorosamente a esposa e comprovou a sua firmeza ao mandar construir o imponente Mastani Mahal, palácio que ele ofereceu à sua amada.

O casal suportou tenazmente as adversidades até a morte de Bajirao I, em 1740, aos 39 anos, acometido por uma febre fatal.

Mastani morreu pouco depois, no mesmo ano, aos 41 anos de idade. As fontes divergem a respeito da causa de sua morte. Há quem afirme que ela morreu de tristeza, mas prevalece a versão de que ela decidiu praticar o sati, suicídio ritualístico praticado por viúvas numa antiga prática ortodoxa hindu. 

Império Maratha entrou em um desgastante processo de decadência após a as mortes de Bajirao e Mastani.


Referências: