O instinto assassino da Marquesa de Brinvilliers

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

A posição aristocrática poderia proporcionar condições privilegiadas como a disponibilidade de bens e de um estilo de vida requintado, mas o submundo da elite estava sujeito a certas vicissitudes. Uma situação que exemplifica a ocorrência de escândalos e eventos comprometedores nos meios abastados da aristocracia tem como figura central a francesa Marquesa de Brinvilliers.

Marie-Madeleine-Marguerite d’Aubray nasceu em Paris, em 1630, criada no conforto em uma família bem estabelecida. Ela se casou aos 21 anos com Antoine Gobelin, o Marquês de Brinvilliers, o que representou um progresso social e acesso à nobreza francesa.

A vida do casal não era feliz nem harmoniosa, apesar dos três filhos e das conexões sociais. O marquês mantinha relações extraconjugais explícitas e Marie-Madeleine decidiu que faria o mesmo. Ela começou a se envolver com Godin de Sainte-Croix, um ambicioso oficial militar, e a cada dia o relacionamento foi ficando mais intenso. Antoine Dreux d’Aubray, pai de Marie-Madeleine, resolveu interferir na situação, armando a prisão do amante da filha com o objetivo de acabar com o caso que o constrangia e manchava o bom nome da família, afinal, o adultério praticado pela mulher era muito mais grave e censurável.

Sainte-Croix foi parar da infame Bastilha, temida prisão de Paris, sem qualquer julgamento, com base em uma regra costumeira empregada para lidar com questões de honra familiar. Na prisão, ele alimentou seu desejo de vingança enquanto fez amizade com outro detento, o envenenador italiano Egidio Exili, que lhe ensinou sobre a preparação de venenos mortais. Ao final da detenção, que durou cerca de dois meses, Marie-Madeleine e Sainte-Croix não se afastaram e, pior, traçaram planos macabros para o futuro.

Os amantes resolveram matar Antoine d’Aubray, mas sem levantar suspeitas. Concluíram que um processo de envenenamento lento e contínuo seria o ideal para a execução do objeto, porém, a fase preparatória para a consumação do plano foi ainda mais sádica. A dupla achou prudente realizar testes de substâncias venenosas em cobaias humanas até a definição da opção mais adequada a ser usada no extermínio do pai de Marie-Madeleine.

O treinamento sinistro envolveu o envenenamento de diversas pessoas inocentes. Primeiramente testaram substância em pacientes internados no Hôtel-Dieu, importante hospital de Paris. Eles entravam na unidade médica disfarçados de voluntários oferecendo cuidados aos doentes e aproveitavam a situação para misturar substâncias tóxicas na alimentação servida aos enfermos. A expectativa era de que as mortes causadas pelo envenenamento passariam despercebidas graças ao fato de que muitos dos pacientes afetados já se encontravam com suas condições de saúde debilitadas.

Depois da conclusão de que a fragilidade dos doentes no Hôtel-Dieu poderia favorecer a ação da intoxicação venenosa, eles trataram de incluir cobaias saudáveis em seus testes. Resolveram envenenar a alimentação de seus próprios criados para a realização de observações dos efeitos de variadas fórmulas mortíferas. O método mórbido dos assassinos envolvia estudos sobre dosagens e combinações de ingredientes que suas vítimas ingeriam sem perceber. Também acompanhavam a evolução dos efeitos sentidos e duração da agonia até morte.

Marie-Madeleine e Sainte-Croix foram maldosamente metódicos e prolongaram seus experimentos mortais de 1663 até 1666. Depois de encerrada a fase de testes, decidiram que chegou o momento tão aguardado de matar Antoine d’Aubray. A própria filha se encarregou da missão e começou a adicionar pequenas dosagens da substância escolhida nas refeições do pai, que começou a manifestar efeitos de uma doença que os médicos não conseguiram diagnosticar exatamente. A envenenadora continuou a aplicar o veneno enquanto fingia cuidar do genitor, até que, finalmente, ele acabou morrendo sem que pairassem desconfianças a respeito da causa.

A vingança meticulosa e pacientemente planejada estava consumada, mas Marie-Madeleine, a fria e sádica Marquesa de Brinvilliers, queria aproveitar sua experiência assassina para matar também os seus irmãos Antoine e François e assumir sozinha o patrimônio da família que foi deixado pelo pai. O relacionamento de Antoine e François com a irmã mais velha não era amistoso, então, em 1670, ela acionou os serviços de um indivíduo chamado Jean Hamelin, também conhecido como conhecido como La Chaussée (“A Estrada”), que foi infiltrado entre os serviçais dos irmãos. O comparsa recebeu os venenos e contaminou refeições das vítimas. Antoine morreu e julho e François morreu em setembro do mesmo ano.

Os amantes assassinos estavam confortáveis e impunes. As autoridades sequer desconfiavam de seus atos abomináveis, mas o acaso resolveu revelar os segredos mais sombrios que guardavam. Em 1672, Godin de Sainte-Croix virou, acidentalmente, mais uma vítima de seus venenos e morreu ao inalar vapores tóxicos exalados pelas substâncias que preparava em seu laboratório. Quando o corpo foi descoberto, os agentes policiais foram acionados e acabaram descobrindo no local um baú com cartas comprometedoras trocadas entre Sainte-Croix e a Marquesa de Brinvilliers. Além da correspondência que continha informações que incriminavam os dois, os arquivos secretos incluíam relatos dos experimentos e informações sobre as fórmulas venenosas empregadas durante os testes.

O conjunto de provas foi suficiente para a implicação da marquesa assassina, mas o processo de investigação era lento e ela foi esperta para fugir imediatamente com recursos para bancar sua evasão e esconderijos no exterior. Ela viveu na Inglaterra, na Holanda e na Bélgica, onde acabou sendo detida por um agente disfarçado que estava investigando seu paradeiro. De volta à Paris, ela encontrou uma cidade agitada pelo escândalo e uma população ansiosa por justiça. Abandonada pelos familiares influentes, Marie-Madeleine ainda sofreu tortura para confessar logo suas ações. A Marquesa de Brinvilliers foi condenada à morte e executada em praça pública em 17 de julho de 1676, aos 42 anos, sendo decapitada e queimada após a morte.


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