Tlazolteotl, a deusa asteca da purificação dos pecados

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Os astecas concebiam a existência como um processo complexo que ia além da própria vida física. Havia uma transição entre o ambiente terreno e submundo chamado Mictlan, destino no  além regido por Mictlantecuhtli ao lado de sua companheira Mictecacihuatl. A travessia não era simples, exigia desafios que ocupavam as almas durante quatro anos terrenos até alcançarem o esperado reino dos mortos. No caso dos afogados, o paradeiro pós-morte era Tlalocan, reino de Tlaloc, deus da chuva. Guerreiros e mulheres que morriam no parto recebiam um tratamento especial, pois passavam para Tonatiuhichan, o domínio de Tonatiuh, o deus solar que tomava estas alma como suas companhias no decorrer de sua travessia cósmica, o que era considerado uma grande honra. 

Antes da travessia os rituais eram imprescindíveis. Os vivos se encarregavam das providências, realizando oferenda de alimentos, objetos pessoais e sacrifícios de animais ou até de outras pessoas se achassem que suficiente para satisfazer a vontade divina em favor dos falecidos. Os corpos eram cremados e as cinzas guardadas ou enterradas com itens ritualísticos. 

A partir deste instante iniciava a longa jornada sobrenatural que passava pela intervenção da deusa Tlazolteotl. Ela promovia a confissão das almas e poderia permitir a continuidade da travessia. Também conhecida como Ixcuina ou Tlaelquani, esta entidade divina era encarregada da purificação, requisito fundamental para a elevação e vida espiritual dos astecas. A “deusa da sujeira” consumia os males simbolicamente “comendo” as impurezas ou pecados, limpando as transgressões daqueles que estavam se dirigindo aos seus paradeiros no além. 

No mundo terreno os sacerdotes realizavam os rituais de limpeza que deixavam os indivíduos aliviados e limpos espiritualmente. A transferência das impurezas para a deusa era promovida através de rigorosas exigências que envolviam autoflagelação e jejum como meios de penitência que serviam para demonstrar as sinceras intenções e evidenciar o arrependimento dos pecadores. Aqueles purificados em vida contavam com melhores chances na travessia espiritual e por isso as práticas religiosas associadas à Tlazolteotl eram muito requisitadas, tornando ela uma das divindades mais populares e importantes para os astecas e seu culto já era comum e praticado por povos ainda mais antigos, pois os huastecas, que existiram entre  1500 a.C. e 200 d.C,. já honravam a deusa. 

Tlazolteotl estava presente em diversos registros religiosos, principalmente no Códice Borgia, um rico e detalhado documento escrito importante em informações sobre a mitologia, rituais e calendário dos astecas e outros grupos indígenas pré-colombianos que ocupavam aquela região mexicana. Nas representações ela é apresentada como uma mulher de lábios e dentes escurecidos pela prática de consumir a podridão humana e seu símbolo mais comum é o algodão, elemento empregado nos rituais de purificação 

A purificadora também tinha seu lado provocativo, pois ela também possuía a capacidade de fomentar os pecados, especialmente aqueles de natureza sexual. Tlazolteotl instigava tentações e impulsos luxuriantes que acabavam atingindo aqueles que recorreriam a ela arrependidos em busca de redenção. 

A chegada dos espanhois impactou significativamente a religiosidade nativa.  Tlazolteotl era especialmente encarada como uma representação contrária à moral cristã da época por poder provocar condutas tidas como imorais como a prática sexual fora do matrimônio e outras condutas sexuais inapropriadas. A confissão dos pecados associada à deusa também era muito diferente da prática cristã e contrariava a prática católica que reservava esta atribuição ao clero. As descrições dos invasores europeus a respeito das práticas dos nativos eram detalhistas, mas impregnadas de julgamentos e condenações e os aspectos referentes à deusa que comia os pecados não receberam uma abordagem diferente disso.  Imagens e templos consagrados a ela foram destruídos para eliminar seu reconhecimento e facilitar a conversão ao cristianismo.


Referências: