A vida dupla de William Brodie, o homem que inspirou a história de “O Médico e o Monstro”

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

O escocês William Brodie ficou conhecido no século XVIII por causa da descoberta da surpreendente vida dupla que levou durante duas décadas, alternando entre sua persona de cidadão exemplar durante o dia e assumindo o papel de bandido sorrateiro à noite. Esta alternância de Brodie entre o homem de bem e o criminoso inspirou o conterrâneo Robert Louis Stevenson a escrever a clássica obra “O Médico e o Monstro”, que gira em torno das figuras misteriosas e complexas do Dr. Jekyll e Mr. Hyde, que são faces de uma mesma pessoa numa narrativa que explora a dualidade humana.

O Jekyll/Hyde original nasceu na capital, Edimburgo, em 1741, filho da senhora Cecil Grant e do respeitado Francis Brodie, que exerceu cargos importantes na cidade e era originalmente um marceneiro de exímio talento e reconhecimento profissional. O jovem William aprendeu o ofício do pai, de quem também herdou a perícia e engenhosidade no trabalho com a madeira, tendo seus serviços muito requisitados. Era um homem de grande habilidade e ainda dominava as técnicas do serviço especializado de chaveiro, atividade que exigia confiabilidade porque envolvia o domínio de métodos e instrumentos capazes de acessar recintos, baús e cofres que guardavam bens e valores. Seu reconhecimento e a reputação que herdou do pai favoreceram seu crescimento como membro ativo e respeitado da comunidade, conquistando posições importantes na corporação de ofícios que reunia artesãos e comerciantes da cidade, assumindo mandato no Conselheiro Municipal, cumprindo funções na fiscalização de obras públicas, atuando na definição de projetos cívicos e até projetando edifícios c partir de seus conhecimentos fundamentados de engenharia e arquitetura. Embora não fosse oficialmente casado, tinha postura pública de um cavalheiro digno e honrado.

Toda esta fachada de credibilidade era desfeita na calada da noite, quando Brodie assumia uma postura totalmente diferente, frequentando ambientes sórdidos fora das vistas dos ditos “cidadãos de bem”. Ele curtia noitadas de bebedeira e jogatina, acumulando dívidas contraídas em apostas com pessoas perigosas. O vício em jogos de azar foi virando um problema sério, comprometendo seus recursos e proporcionando o risco de revelação desta faceta de sua personalidade que ele buscava omitir. No âmbito de sua rotina secreta ele conheceu vigaristas profissionais com quem se associou em planos criminosos que envolviam a prática de invadir propriedades alheias para furtar dinheiro e objetos de valor.

Ele começou a produzir cópias das chaves que eram encomendadas em seu estabelecimento ou produzia duplicatas das chaves das fechaduras que instalava para sua clientela. Recorrendo a esta maliciosa estratégia ele conseguiu meios para acessar com discrição diversos recintos nas áreas nobres de Edimburgo. Ele mapeou com atenção os lugares mais promissores para invadir, reconhecia as potencialidades de ganhos a partir do que conhecia das eventuais vítimas e arquitetou investidas lucrativas. Ele montou um esquema para evadir o produto dos furtos e até contava com uma equipe de vigaristas que exerciam funções específicas no esquema criminoso.

A quadrilha realizou diversos serviços, invadindo residências, estabelecimentos comerciais, escritórios e bancos. Depois das operações ninguém suspeitava da participação do distinto sr. William Brodie, que seguia com sua rotina de aparente lisura e empenho diante das boas ações e do interesse coletivo. O homem era um enganador tão eficiente que chegou até a manter duas amantes e ter filhos com ambas sem que elas desconfiassem de sua dupla jornada como sedutor.

Depois de anos enganando e furtando a comunidade, ele finalmente caiu em desgraça quando um de seus comparsas foi preso e decidiu delatar os companheiros de crime em troca de perdão da Justiça. A delação chegou a outros cúmplices, que denunciaram a participação do insuspeito membro da elite de Edimburgo. Brodie fugiu para Holanda e estava prestes a embarcar para a América quando acabou detido. Durante o julgamento, além dos depoimentos dos antigos aliados, foram exibidas as cópias de chaves encontradas na casa do farsante, além de disfarces e armas utilizadas nas operações do bando, incriminando e complicando a situação de Brodie, que acabou sendo severamente condenado à morte por enforcamento.

Uma verdadeira multidão compareceu ao ato de execução, em 1 de outubro de 1788, movida pela repercussão do caso. A história percorreu a Grã-Bretanha e perdurou por anos até que, um século depois, o notável escritor Robert Louis Stevenson acabasse aproveitando a inspiração para desenvolver sua obra mais famosa.


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