Alexander Selkirk, o verdadeiro Robinson Crusoe

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

A vida no mar era sujeita a condições extremas impostas pela própria natureza da atividade de navegação e ainda poderia ser submetida a regras específicas admitidas por aqueles que tinham as embarcações que cruzavam os oceanos como reduto. Sobretudo entre corsários e piratas, algumas normas radicais poderiam ser chocantes, embora fossem reconhecidas como aceitáveis para a imposição da ordem e aplicação de penas. Uma notória prática punitiva era conhecida como “marooning”, que consistia no abandono de pessoas que desafiavam os parâmetros ou promoviam atos de insubordinação grave em ilhas remotas com poucas chances de sobrevivência ou resgate.

Um indivíduo que passou pela situação e ficou bastante conhecido foi o escocês Alexander Selkirk. Seu nome de nascimento era Alexander Selcraig e nasceu em 1676 na cidade de Lower Largo. Em sua juventude ele vivia arrumando problemas por causa de seu comportamento indisciplinado, frequentemente desafiando as regras legais e expectativas de boa conduta social. Sua reputação reprovável acabou estimulando uma fuga da comunidade de origem para evitar que acabasse na prisão, então ele acabou encontrando como alternativa de vida o duro e arriscado serviço como marinheiro a partir de 1695, época na qual começou a fazer parte de tripulações corsárias.

Ele se habituou com a rotina no mar e progrediu até passar a atuar como mestre de navegação, mas sua postura continuava provocativa e desafiadora diante das autoridades. Em 1704 ele se indispôs com seu capitão, Thomas Stradling, divergindo a respeito da avaliação das condições do navio. O desentendimento resultou na decisão extrema e impulsiva de Selkirk de abandonar o navio na ilha Más a Tierra (atual Ilha Robinson Crusoe), no Pacífico Sul, vontade que o capitão fez questão de atender ao largar o insubordinado naquele lugar desolado.

Selkirk precisou se virar com um mínimo de provisões em seus primeiros dias na região costeira, onde também conseguia obter crustáceos, peixes e frutos do mar diversificados para comer. Depois ele começou a recorrer ao que encontrava na selva no interior da ilha, onde conseguiu ter boas fontes alimentares por causa da rica vegetação, da existência de cabras selvagens que ele passou a criar com a finalidade de obter carne e leite. Sua perícia de sobrevivente era progressivamente aprimorada pela necessidade e pela passagem do tempo. Ele construiu abrigos e chegou até a domesticar gatos do mato para proteger seus recursos das ratazanas que incomodavam muito. Para se agasalhar o escocês confeccionava suas roupas a partir de couro e pele de cabras.

Embora tenha conseguido lidar com as severas provações físicas de sua situação, Selkirk sofria ainda mais por causa da solidão. Ele encontrava algum alento na Bíblia que manteve consigo, mas os longos dias de isolamento provocavam um constante estado de esgotamento emocional. Eram horas e mais horas de olhar fixo no horizonte na expectativa de encontrar algum navio e uma chance de resgate. Em 1709, depois de cerca de quatro anos e meio, mais de 1.500 dias na ilha deserta, finalmente ele foi visto por tripulantes do navio Duke, comandado pelo famigerado capitão Woodes Rogers.

Os marinheiros encontraram um Selkirk desnorteado que precisou de vários dias até retomar o pleno controle de sua sanidade. Ele foi reconhecido por ex-companheiros dos mares e até se incorporou à tribulação, pois era um homem de experiência e habilidade com as rotinas da navegação. Depois de passar cerca de um ano como corsário, ele conseguiu guardar dinheiro e decidiu voltar a viver na Europa. Morou na Inglaterra e anos depois retornou para sua cidade natal, onde voltou a ter problemas por causa de seu temperamento e disposição para confusões. Em 1720 ele se casou com uma viúva chamada Frances Candis e ingressou na Marinha Real, mas acabou morrendo no ano seguinte, aos 45 anos de idade.

Em 1710 Woodes Rogers, publicou um livro sobre suas viagens e dedicou algumas páginas da obra ao que ouviu daquele que resgatou e comandou como integrante de sua tripulação. Depois dele, Sir Richard Steele, um notável jornalista e editor, se interessou pela história e entrevistou Selkirk, o que ajudou a difundir sua incrível experiência que impressionou o público. Conhecedor desses relatos, o escritor inglês Daniel Defoe (1660-1731) ficou tão interessado pela experiência que encontrou nela a inspiração para escrever “Robinson Crusoe”, romance que foi publicado pela primeira vez em 1719.


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