A escravidão é uma antiga abominação, fenômeno complexo que se estende ao longo de milhares de anos marcando presença em variadas culturas e sociedades. Do Mundo Antigo à modernidade, a tirânica manifestação de dominação adaptou-se aos tempos e condições e prosseguiu proporcionando os extremos da exploração.
Na Era das Descobertas, a partir do século XV, novas terras foram acrescentadas aos mapas, mas mesmo nelas a escravidão se fez presente porque os dominadores estrangeiros fizeram com que os nativos fossem subjugados e resolveram ainda introduzir cada vez mais escravos que foram buscar na África, através do medonho processo comércio escravista transatlântico.
O chamado Novo Mundo demandava mão-de-obra, pois a imensidão territorial e o grande potencial de riquezas evidentes e que poderiam ser alcançadas por meio da intensificação da colonização necessitavam ser alcançados por meio de muitos esforços e trabalho intenso. Na África foram identificados fatores determinantes para a promoção da escravidão de povos espalhados pelo continente. Entre africanos a servidão e a escravidão já eram práticas difundidas, embora em escala e intensidade incomparável ao que se estabeleceu quando os europeus passaram a controlar o processo, que rendia formidáveis lucros aos agentes deste comércio humano. A alegada resistência dos africanos a doenças também foi justificada para estabelecer a preferência por estes povos, numa comparação aos indígenas, suscetíveis aos agentes patológicos que contraíam a partir dos contatos com os europeus e que resultou em verdadeira aniquilação em massa através de epidemias. A concepção de inferioridade dos africanos também foi invocada pelos europeus para legitimar o domínio exploratório, que contava até com apoio da Igreja Católica e das novas instituições cristãs, frutos da Reforma Protestante.
O tráfico negreiro foi se intensificando ao longo dos anos como um macabro empreendimento que gerava fortunas para seus exploradores. Postos avançados e portos na costa da África foram estabelecidos para proporcionar estrutura para o funcionamento do negócio, que contava com cooperação africana para o fornecimento humano. Líderes nativos e comerciantes locais participavam do processo ajudando a manter um fluxo elevado de escravos, obtidos por meio de guerra, captura, pela intensificação da imposição de penas que resultava na escravização dos condenados. Esta complexa cadeia de fatores e envolvimentos contribuiu para arruinar regiões inteiras do continente africano, despojado de parte de sua população de uma maneira absurda.
Após o cruel e perigoso desafio da travessia oceânica nos navios negreiros, homens, mulheres e crianças que chegavam ao destino na condição cativa eram submetidos a tratamentos aviltantes e jornadas de trabalho extenuantes, mas havia muita resistência. O confronto ao escravismo já corria na própria África, quando populações lutavam – e frequentemente em condições desiguais – contra os agentes do escravistas financiados por recursos pagos pelos europeus e a luta persistiu nas colônias estabelecidas nas Américas através de diversas formas de agir. Através de atos abertos como rebeliões organizadas, massas de escravos insurgentes tentaram obter a libertação enfrentando os senhores e suas estruturas de dominação, embora ações desse tipo fossem raras em função da grande dificuldade de execução. As fugas eram eventos mais comuns e podiam ocorrer através de iniciativas isoladas ou planejadas, quando até grupos de escravos conseguiam escapar do local de cativeiro. Os escravos fugitivos tinham ainda que enfrentar o desafio de despistar os captores, figuras como os capitães-do-mato que eram encarregados de resgatar os fugitivos.
Os quilombos eram comunidades de resistência que agrupavam populações que se organizavam em locais estrategicamente de difícil acesso como refúgios para escravos fugitivos e outros desvalidos sociais, incluindo indígenas e mesmo brancos em condições de miséria. Nas sociedades quilombolas eram estabelecidas suas próprias estruturas de governança, atividades produtivas e aparatos ou estratégias de defesa. O poder dominante reconhecia os quilombos como organizações desafiadoras que precisavam ser contidas, pois representavam para a população escrava uma possibilidade real de escapar da sujeição e por esta razão eram organizadas expedições massacrantes de combates contra as sociedades libertas.
Diversas formas alternativas de resistência eram empregadas cotidianamente pelos escravos, incluindo sabotagens, extravios e furtos de bens e produtos gerados nas propriedades, havia quem forçasse a insatisfação de um senhor para poder ir parar em outro local sob um novo domínio que pudesse ser mais brando e variadas articulações voltadas para o atendimento de objetivos e mesmo a preservação das tradições ancestrais eram formas de resistir. Ações violentas como atentados vingativos e até atos contra a própria vida eram também desempenhados por escravos em situações extremas.
A dominação extrema e o comércio humano que fizeram parte do processo escravista deixaram marcas e danos severos na África e do lado de cá do Oceano Atlântico. Os males desencadeados pela escravidão repercutem atualmente através de manifestações de desigualdades e do sentimento de vexame histórico que precisam ser encarados através de reparações, de ações inclusivas e de abordagens que confiram às tradições africanas os devidos reconhecimentos como partes significativas das nações que surgiram através da colonização de base escravista.
Textos sobre escravidão e resistência publicados em HistóriaBlog:
- João de Deus, Lucas Dantas, Luís Gonzaga e Manuel Faustino: Mártires da idependência e da abolição das escravidão
- Juan Valiente: Um capitão escravo a serviço do domínio colonial espanhol
- Carlota Lucumí e a rebelião dos escravos em Cuba
- Marie-Joseph Angélique e as chamas da escravidão
- Maria Firmina dos Reis: Educadora, abolicionista e a primeira romancista negra do Brasil
- Ignatius Sancho: Um Intelectual Abolicionista que Nasceu Escravo
- Mum Bett e a Libertação da Escravidão Conquistada no Tribunal Durante o Século XVIII
- Mary Prince, uma ex-escrava que relatou sua vida e buscou a liberdade através da lei
- A Revolta de Nat Turner: Um sangrento marco na luta contra a escravidão
- Zacimba Gaba: A vingança da princesa escravizada
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- “Le Code Noir”: A vida sob as regras da escravidão
- O navio negreiro Zong e a trágica expedição da morte
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