Ciência e paixão: Émilie du Châtelet e a força feminina no Iluminismo

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

O Iluminismo foi um movimento cultural e filosófico que promoveu a razão, o pensamento crítico e a liberdade intelectual, fundamentos para promoção do progresso. As ciências tinham papel importante diante desse grande propósito iluminista, pois eram a representação da razão diante das explicações sobre o universo, buscavam as leis naturais que governavam os fenômenos, eram ferramentas para a superação das superstições. O conhecimento científico era considerado como definidor para a promoção de melhorias que favoreceriam a humanidade, proporcionando aprimoramentos na medicina, agricultura, engenharia e nos diversos campos de aplicação que favoreceriam diretamente a sociedade. Não foi por acaso que o magnífico trabalho realizado na elaboração do “Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers”, a “Encyclopédie” organizada por Denis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d’Alembert (1717-1783) tenha dado tanto espaço para que cientistas abordassem suas teses.

Entre os iluministas baseados na França, Gabrielle Émilie Le Tonnelier de Breteuil (1706-1749), mais conhecida como Émilie du Châtelet, foi uma das figuras mais destacadas como promotora da ciência, sendo uma notável filósofa natural, matemática e física. Mulheres não eram frequentes nos círculos científicos em seu tempo, o que lhe confere uma relevância adicional por sua posição de pioneirismo.

Ela foi a única menina entre os seis filhos de Gabrielle Anne de Froullay, Baronesa de Breteuil, e Louis Nicolas e Tonnelier, importante membro do corpo diplomático francês. Sua família cultivava o apreço pelo conhecimento e a requintada residência principal que possuíam recebia intelectuais nas variadas ocasiões dos encontros sociais quem eram promovidos, então a jovem Émilie contou com este tipo de estímulo em sua formação desde cedo. Ela logo foi capaz de demonstrar uma notável capacidade intelectual, primeiramente como leitora e depois se expressando sobre os temas mais complexos. Com sua inteligência prodigiosa, ela já era fluente em latim, italiano, alemão e grego aos doze anos de idade e sua educação também envolveu atividades físicas como esgrima e equitação.

Seus interesses se voltaram principalmente para a matemática e a física. Ela produziu a tradução comentada das obras de Newton, contribuição que difundiu as teorias newtonianas na França e elaborou suas próprias teses científicas. Ela antecipou concepções físicas sobre conservação de energia, interpretações sobre óptica e a natureza da luz e estudos a respeito do fogo. 

A cientista também tratou de se expressar e promover debates a respeito de temas como as limitações impostas às mulheres na sociedade, especialmente em relação à educação e ao acesso ao conhecimento científico. Explorou também aspectos do pensamento religioso, como a noção do livre-arbítrio e o papel do poder divino, aspectos metafísicos de sua ampla gama de interesses e conhecimentos.

Émilie se casou com o Marquês Florent-Claude du Chastellet-Lomont, união fruto de um arranjo típico entre membros da nobreza. Ela tinha 19 anos por ocasião do matrimônio. Apesar do relacionamento distante, o casal teve três filhos. Émilie levava uma vida independente e considerada escandalosa, pois mantinha relações extraconjugais que não eram escondidas. O marido não se abalava com a situação, pois manifestava sua tolerância diante da situação. Em 1733 ela conheceu o filósofo Voltaire e ambos iniciaram um relacionamento intelectual e romântico. Foram viver em uma das propriedades da cientista em Cirey-sur-Blaise, onde construíram uma rica biblioteca e um laboratório. A parceria entre ambos influiu sobre seus trabalhos, pois debatiam as ideias e apontavam sugestões a respeitos dos projetos que elaboravam. O relacionamento com o filósofo também era aberto, permitindo que ambos se envolvessem com mais amantes mesmo diante da parceria e vida em comum.

Os críticos qualificaram Émilie du Châtelet como uma aristocrata libertina que gostava de jogos de azar, festas e tinha vários casos amorosos escandalosos, o que provocou inúmeros escândalos em Paris. Sua postura autoconfiante também incomodou, pois acabou descrita como arrogante e pretensiosa, capaz de nutrir sentimentos de superioridade e ressentimento em relação a quem a contestava.

Émilie passou a ter problemas de saúde, sentindo-se cada vez mais esgotada e sofrendo por uma crônica falta de sono. Ela acabou falecendo aos 42 anos devido a complicações de seu parto. Uma semana após o nascimento de sua filha Stanislas-Adélaïde, que teve com o poeta Jean-François de Saint-Lambert.

A Marquesa de Châtelet foi uma mulher que contrariou as normas sociais de seu tempo e rompeu barreiras na comunidade científica.


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