Quando a curiosidade e o medo convergem podem abrir as portas para experiências especulativas que mexem com a repulsa, o fascínio, a imaginação e também aprofundar conhecimentos. O trabalho do médico e filósofo italiano Fortunio Liceti (1577-1657) explorou isso a fundo.
Liceti estudou intensamente aspectos que assustavam e incomodavam as mentes mais comuns, tendo apetite por explorar e coletar fontes de conhecimentos, sendo colecionador ávido de antiguidades e artefatos curiosos reunidos em seu museu pessoal famoso em toda a Europa. O doutor estudou extensivamente sobre anatomia, embriologia e doenças infecciosas, sendo um dos primeiros pesquisadores a reconhecer que as malformações congênitas poderiam ser causadas por problemas durante a gestação, embora o senso comum persistisse em associar tais ocorrências a fatores religiosos. Ele lecionou tanto medicina quanto filosofia em universidades italianas e foi um escritor prolífico, autor de mais de 50 obras sobre variados temas, incluindo astronomia, filosofia aristotélica, teologia e alquimia, mas se tornou notável graças ao seu trabalho a respeito das anormalidades biológicas.
Em “De Monstrorum Natura, Caussis, et Differentiis” (1616) e na versão ampliada publicada como “De Monstris” (1665), Fortunio Liceti explorou princípios da teratologia, estudo das anormalidades físicas em seres humanos e animais, trazendo descrições detalhadas e ilustrações de anomalias simples e extremas. A palavra “monstro” contida em seu trabalho referia-se à noção da época de monstruosidade como uma condição que contrariava os aspectos físicos da normalidade, a exemplo das anomalias que foram objetos de seus mais famosos trabalhos. Liceti buscou produzir esclarecimentos a respeito das condições aberrantes que integravam a obra, trazendo abordagens que misturavam fundamentos biológicos, especulação imaginativa e crenças hoje reconhecidas como pseudociência, mas explorando um campo inovador para a época buscando perspectivas explicativas para aquilo que espantava os sentidos e abalava a fé.
As anormalidades retratadas correspondiam a variadas situações, incluindo ocorrências de tipos distintos de siameses, gêmeos parasitas e até criaturas mutantes, pois os limites entre ciência e fantasia não estavam firmemente definidos no trabalho de Liceti. Ele descreveu o que seriam possibilidades de anomalias híbridas, de humanos com partes de corpos de variados animais, simbiontes complexos e criaturas tão estranhas que apenas a ficção científica seria capaz de apresentar muito tempo depois.
Os estudos de anatomia patológica de Fortunio Liceti despertaram uma inevitável curiosidade na época renascentista, mas além do século XVII sua obra representa um passo importante porque foi pioneira na classificação de malformações e na tentativa de buscar uma compreensão dentro dos limites possíveis de seu contexto.
Observe a seguir alguns registros visuais do trabalho de Liceti sobre os “monstros”.

































