O inevitável instante da morte preocupou as pessoas desde tempos imemoriais e pareceu comum imaginar que depois do fatídico momento em que o corpo não tem mais vida um outro plano existencial seria o destino de todos. Assim, lugares para esta nova existência foram imaginados e então a ocorrência da concepção de um “submundo” acabou sendo verificada em diversas mitologias elaboradas por diferentes povos ao redor do mundo. Todos os povos que elaboraram suas perspectivas de existência no além buscaram oferecer um entendimento para a morte e um sentido para a vida, deste modo, suas concepções de submundos pós-morte regidos por deidades julgadoras acabaram sendo meios para proporcionar isso. A ocorrência de variações de entendimentos semelhantes não é mera coincidência cultural, pois essa similaridade pode ser uma espécie de manifestação de preocupações e esperanças universais da humanidade diante do mistério da vida e da morte.
Pioneiros em diversos aspectos, em sua mitologia os mesopotâmicos também conceberam a noção de destinos no além e consagraram o submundo a uma divindade específica. Ereshkigal era a deusa que ostentava a condição de Rainha do Submundo. Em seu reino, visto pelos viventes como um espaço sombrio e distante, as almas dos mortos residiam após deixarem o mundo físico. Este submundo era um lugar de mistério e temor, povoado por seres e entidades sobrenaturais, onde a deusa rainha exercia seu julgamento e autoridade sobre as almas.
Os mesopotâmicos reconheciam a morte como etapa do ciclo da existência e da renovação, mas a devoção dedicada a uma divindade da morte tinha seus limites, afinal, o medo era um elemento que não era desconsiderado mesmo diante da reverência devida. Costumavam sobrar para Ereshkigal ritos associados às práticas funerárias e aspirações relacionadas ao destino das almas quando chegassem aos seus cuidados, esperando contar com a benevolência da deusa no submundo.
Apesar de seu reconhecimento como deusa reinante sobre as almas, Ereshkigal era pouco representada através de criações artísticas, sendo mais vívida em registros textuais do que em esculturas. Essa abordagem mais simbólica e menos figurativa contribui para a aura de mistério e solenidade que envolveu a deusa, realçando sua importância no contexto religioso e cultural da Mesopotâmia, mesmo sem uma iconografia tão prolífica quanto a de outras divindades.
Ereshkigal é personagem de um dos mais importantes relatos mitológicos mesopotâmicos, conhecido como “A Descida de Inanna ao Submundo”. Na narrativa, Inanna ou Ishtar, a deusa do amor, da fertilidade e da guerra, decide descer até os domínios de sua irmã Ereshkigal. As razões para sua descida variam entre as versões do mito, mas frequentemente são apresentadas como uma tentativa de Ishtar de participar do funeral do marido de Ereshkigal ou de buscar poder no submundo. Ao chegar aos portões do submundo, Ishtar exige entrada. Os guardiões consultam Ereshkigal, que concorda em permitir a entrada irmã, mas sob uma condição: ela deve passar por sete portões e, em cada um, despojar-se de um item de vestuário ou jóia, simbolizando a perda de seu poder e atributos divinos. Quando Ishtar finalmente chega diante de Ereshkigal, ela está completamente nua e desprovida de seus poderes, portanto, está vulnerável. Ereshkigal, então, prende Ishtar no submundo, levando a uma série de desastres na Terra, pois, sem Ishtar, a fertilidade e a vida cessam. Os deuses, preocupados com as consequências da ausência de Ishtar, decidem intervir. Eles enviam um emissário ao submundo para negociar a libertação de Ishtar. Ereshkigal acaba cedendo e concorda em libertar Ishtar, mas impõe uma condição: Ishtar deve encontrar um substituto para ocupar seu lugar no submundo. Ishtar aceita a condição e, após retornar ao mundo dos vivos, escolhe seu amante, Dumuzi (ou Tammuz), para ser seu substituto.
Esse mito é rico em simbolismo, representando temas como a dualidade vida-morte, o ciclo da natureza, a renovação e a transformação. A descida de Ishtar ao submundo e seu confronto com Ereshkigal ilustram a interação complexa entre diferentes esferas do divino e a inevitabilidade do ciclo de vida, morte e renascimento. Este mito teve um impacto profundo na mitologia mesopotâmica e é um registro importante sobre a complexidade das atribuições divinas e das conexões entre as deidades.


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