Na Itália do século 17, as mulheres eram literalmente negociadas como objetos para realizar casamentos sem amor e muitas vezes abusivos. Essas mulheres não tinham poder financeiro ou social e, na verdade, só tinham três opções à sua disposição: casar, permanecer solteira e depender do trabalho sexual para sobreviver ou tornar-se uma viúva respeitada e abastada (o que por si só já exigia a primeira opção). Para muitas mulheres, a terceira opção era a mais atraente. Felizmente para elas, a Roma do século 17 tinha um florescente “submundo mágico do crime” que fornecia os serviços para tornar isso possível.
Essa comunidade clandestina foi encontrada em outras grandes cidades europeias e era composta por alquimistas, boticários e especialistas em “magia negra”. Na realidade, esses especialistas não se interessavam pelas artes das trevas, mas resolviam problemas que os médicos ou padres da época podiam ou não queriam, como fazer abortos.
Entre os agentes da morte química em atuação na sociedade italiana estava Giulia Tofana, mulher de quem não se sabe muito a respeito de suas origens, embora especule-se que nasceu em 1620 em Palermo, Sicília, e que sua mãe, Tofana D’Amado foi assassinada pelo próprio marido por envenenamento. Sabe-se que em sua vida adulta Giulia se casou cedo, teve uma filha chamada Girolama e que ficou viúva, mudando-se depois disso para Nápoles e depois para Roma, onde entrou para o ramo do envenenamento profissional.
Ela conseguiu estabelecer uma rede de auxiliares em seu negócio e em seu grupo de envenenadores havia até um padre local, Girolamo, que também era fornecedor de componentes para a química macabra de Tofana.
Claro que um negócio desse tipo não poderia ser operado claramente. As atividades Giulia ocorriam sob o disfarce legítimo de serviços e produção de cosméticos. Seu principal produto letal era a Aqua Tofana, veneno sutil e imperceptível formulado por Giulia e que era apresentado para a clientela disfarçado de creme facial ou em pequenos frascos identificados como óleos para manchas na pele, tudo facilmente possível de se esconder entre itens de cuidados estéticos das mulheres. O público feminino interessado em voltar ao estado civil da solteirice era o grande consumidor da fórmula mortal.
O veneno desenvolvido pela química do crime era muito forte e sua administração necessitava de algumas recomendações. A substância era incolor e insípida facilmente disfarçada ou encoberta quando misturada em bebidas ou alimentos. Eram suficientes de quatro a seis gotas para matar, mas o procedimento exigia descrição, então era servida gota a gota em ocasiões diferentes para iludir eventuais especuladores a respeito do desfecho da ação do veneno. O ideal era fazer a vítima consumir o veneno sem perceber durante dias, o que dava a impressão de que o infeliz estava sofrendo por uma doença. Como os veneno não deixara rastros, os médicos não conseguiam diagnosticar a situação de seus pacientes e isso era mais um fator da eficiência da Aqua Tofana.
A pessoa contaminada começava a sentir uma fraqueza depois do primeiro contato com o veneno, em seguida, com o acréscimo de mais uma gota no organismo, surgiam as dores de estômago, cólicas e desidratação. Com mais uma dose os sintomas pioravam e então a futura viúva também poderia iniciar sua própria encenação de preocupação, o que incluía se certificar da situação testamental para garantir que não ficaria em más condições depois que o serviço fosse consumado. Se estas providências estiverem asseguradas e os sintomas se prolongarem demais, então a dose final poderia ser oferecida ao futuro defunto para fazer o moribundo encontrar o seu destino.
Era 1650 e Giulia passou os vinte anos anteriores negociando produtos não letais legalmente e venenos clandestinamente até que um dia a situação mudou. Uma de suas clientes não estava totalmente decidida a ficar viúva, mas só decidiu isso no último momento. A mulher serviu ao marido uma tigela de sopa misturada com uma gota de Aqua Tofana, mas a consciência pesou antes que o marido tomasse sua primeira colherada e ela então implorou para que ele não comesse. O relacionamento do casal não deveria ser dos melhores, pois o homem concluiu logo que seria envenenado e obrigou a mulher a confessar e conduziu sua quase assassina para que as autoridades apurassem os fatos. Giulia foi denunciada e tentou fugir, chegou a se esconder por pouco tempo em uma igreja até ser presa. Enquanto as história ficou conhecida o pânico na cidade foi grande porque algum engraçado começou a espalhar o boato de que a criminosa derramou sua substância nos poços de abastecimento de água, o que acentuou ainda mais a fúria coletiva contra Giulia.
Após tortura brutal, Giulia Tofana confessou que seu veneno deve ter matado até 600 homens. Ela acabou sendo executada no Campo de ‘Fiori, em Roma em 1659, ao lado de sua filha e três de seus ajudantes. Além disso, mais de 40 dos clientes de classe baixa de Tofana também foram executados, enquanto as mulheres da classe alta foram presas ou escaparam da punição por insistir que nunca souberam que seus “cosméticos” eram realmente venenosos.


[…] Giulia Tofana e sua fórmula para realizar 600 assassinatos […]
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