Nascido de uma família camponesa perto de Lyon, Tarrare desde cedo manifestou uma fome incontrolável e incomum. E ele não comia apenas as refeições normais para uma pessoa em suas condições, avançava para disputar a ração dos animais nos celeiros. Quando rapaz seu comportamento virou um transtorno para a família, pois além de não haver alimento capaz de saciar sua fome inesgotável, ele comia praticamente qualquer coisa, estava sempre fedendo e suado, o que deixava sua mãe e pai constrangidos ao ponto de colocarem o próprio filho para fora de casa. Depois de andar acompanhado de assaltantes, prostitutas, vagabundo e outros tipos desgarrados, Tarrare foi para Paris e lá passou a usar sua estranha habilidade como um meio de vida, realizando apresentações bizarras nas ruas. Em suas performances ele comia cestas cheias de alimentos, animais vivos, enormes quantidades de carnes em condições desaconselhadas para o consumo humano, além de coisas que sequer eram comestíveis.
Suas apresentações embrulharam os estômagos dos espectadores, mas rendiam algum dinheiro para o sustento mínimo na cidade, porém eclodiu a Revolução Francesa e as ruas de Paris passaram a ser palcos para outro tipo de atração: os conflitos políticos e confrontos armados. Tarrare passou a se virar comendo gatos e cachorros de rua, ratazanas, lagartos e revirando lixo, mas contou com a compaixão de um oficial que ajudava a lidar com seu apetite anormal fornecendo comida dos cavalos nos estábulos. Nada adiantava, ele continuava tão faminto que ficava sempre fraco, o que resultou em seu internamento hospitalar para ser estudado. Durante os exames, os médicos atestaram que ele não tinha distúrbios mentais e que consegui comer de uma vez uma refeição capaz de alimentar 15 homens e ainda ter apetite para mais. Os médicos fizeram testes particularmente repulsivos oferecendo ao paciente animais vivos para testar seu processo de deglutição espantoso.
Depois de conhecer o homem de apetite perturbador, o general Alexandre de Beauharnais teve uma inusitada ideia para tirar proveito do “dom” de Tarrare: fazer o comilão transportar documentos secretos em seu estômago, passando despercebido pelos inimigos prussianos que compunham a Primeira Coligação, aliança militar internacional que tentava conter a revolução. Desse modo Tarrare foi recrutado como um tipo único de mensageiro militar, mas sua carreira durou pouco tempo, pois foi logo capturado pelos inimigos, passando por diversas seções de tortura até delatar a estratégia de comunicação do exército revolucionário. Chegou a ser colocado na forca, mas o comandante prussiano decidiu poupar sua vida de última hor.a
De volta ao lado francês, Tarrare apresentava-se perturbado após a experiência de sua detenção, procurou apoio no hospital militar foi submetido a procedimentos inusitados como meios de tratamento, mas foi expulso de lá acusado de andar bebendo sangue de pacientes submetidos a sangrias e de ter sido responsável pelo desaparecimento de um paciente que estava internado.
Em 1798 ele estava internado em um hospital em Versalhes em estado grave, morrendo após uma diarréia contínua. Seu corpo foi analisado em uma autópsia e foram registradas anomalias consideráveis em seu sistema digestivo, com órgãos estranhamente maiores do que poderia ser esperado em um organismo humano saudável. Além disso, perceberam nele sinais de infecções graves espalhadas por diversos órgão e úlceras estomacais severas. Suas entranhas exalavam um odor tão forte que os médicos não puderam realizar a autópsia por completo e interromperam o serviço para se livrarem do corpo o mais rápido possível.
A condição estranha de Tarrare o levou a ter sérios problemas de saúde no decorrer de sua vida. Ele sofria perda de peso constante mesmo comendo excessivamente, tinha diarreia crônica, refluxos estomacais e seu corpo emitia um odor desagradável. Ao se empanturrar de comida, sua barriga ficava dilatada, mas imediatamente voltava a se esvaziar porque ele não conseguia manter o estômago cheio e ocorria logo uma diarreia severa ou uma enxurrada de vômito. Apesar de seu apetite voraz, Tarrare era descrito como tendo uma constituição frágil e fraca. Ele tinha 27 anos por ocasião de sua morte.


[…] pode resultar em casos de comedores descontrolados impressionantes a exemplo do francês Tarrare e do polonês Charles Domery, ambos homens do século XVIII que coincidentemente viveram na mesma […]