O tumultuado Oriente Médio

Acompanhar no varejo do dia-a-dia os desdobramentos dos vários conflitos simultâneos do Oriente Médio pode ser uma tarefa infrutífera do ponto de vista do aprendizado. Grupos se ramificam, interesses se sobrepõem, fronteiras tomam-se difusas, mocinhos e bandidos são papéis intercambiáveis. Quem está matando quem? E por que razão? Quem prestar atenção apenas aos últimos acontecimentos dificilmente terá a percepção do conjunto. Pelo simples motivo de que os problemas atuais se arrastam há décadas, mais precisamente desde o final da Primeira Guerra Mundial, em 1918. Foi nessa época que uma intervenção franco-britânica selou o destino da região.

O Oriente Médio

O Oriente Médio é uma das regiões mais conflituosas do globo, aquela que há mais tempo domina os noticiários internacionais. Qual o motivo de tanto conflito? Uma das razões da tensão é capital: a intervenção franco-britânica na região após a Primeira Guerra Mundial, que selou seu destino. E nesse momento da história que devemos buscar a gênese dos conflitos e, assim, compreender a situação atual. Tentar entender as turbulências da região a partir exclusivamente dos fatos contemporâneos é tarefa inglória.

Neste espaço, vamos nos ater a um panorama genérico dos dois principais conflitos da região: a questão palestina e a guerra no Iraque.

Como os demais conflitos que ocorrem no Oriente Médio, a origem do problema palestino está no início do século XX. Em 1917, enquanto eram escritos os últimos capítulos da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra, já sabedora da herança do espólio otomano e de seu futuro domínio na região, concedeu a Palestina ao movimento sionista, na famosa Declaração Balfour.

O organizado sionismo, que contava com forte retaguarda financeira de banqueiros judeus de Londres, tratou de patrocinar a migração de milhares de judeus para a Terra Prometida, com o claro objetivo de construir ali o seu Estado. Acontece que a Palestina era habitada: árabes palestinos lá estavam havia séculos. Ou seja, a Inglaterra concedeu uma terra habitada, e que não era dela, a um povo que vivia na Europa, mas que, por razões religiosas e históricas, sonhava em construir um Estado nacional na Palestina. Eis as primeiras sementes da discórdia.

Logo começaram as tensões entre aquele judeu que chegava e a população local. A situação não tardou a sair do controle dos britânicos, que se desvencilharam do imbróglio nos anos 40, quando transferiram a questão para uma recém-criada ONU.

Na ordem que se iniciou após a Segunda Guerra Mundial, com os Estados Unidos fortalecidos e a Europa enfraquecida, a tentativa de solução ficou a cargo da ONU, que realizou, em 1947, a Partilha da Palestina, criando dois Estados: um judeu, com 14 mil quilômetros quadrados, e outro árabe, com 11 mil quilômetros quadrados.

Em maio de 1948, com a retirada das últimas tropas britânicas da Palestina, David Ben Gurion proclamou a independência de Israel. Os árabes não aceitaram aquilo que denunciavam como “um corpo estranho no mundo árabe”, e declararam guerra ao recém-criado país; seria a primeira de muitas derrotas árabes para Israel. A verdade é que os judeus eram poucos, mas fortes, enquanto os árabes eram muitos, mas frágeis e desunidos. Outras guerras viriam, e outras vitórias israelenses. A mais importante delas seria a de 1967, quando Israel não apenas venceu simultaneamente três países árabes em menos de uma semana (Egito, Síria e Jordânia), como lhes tomou territórios. Alguns deles se encontram sob seu domínio até hoje. E foi além. Conclamou judeus de todo o mundo a vir ocupar terras “disponíveis.” Iniciava-se, então, a colonização da Palestina por Israel. Os palestinos foram sendo expropriados de suas terras: primeiro, em 1948, depois, em 1967. É da indignação palestina que nasceria a violenta revolta que se estende aos dias atuais. Catalisados pela OLP (Organização pela Libertação da Palestina), surgida em 1964, nasceram movimentos que buscavam a pátria perdida, sonho ainda não realizado.

Em 1994, os acordos de Oslo (Plano de Paz) viriam criar a Autoridade Palestina (AP). O primeiro presidente da AP foi o legendário líder Yasser Arafat. Como a OLP, a Autoridade Palestina luta pela criação do Estado Palestino. No entanto, o recente acirramento da disputa entre o Al Fatah e o Hamas ameaça jogar os palestinos numa guerra civil que pode dificultar ainda mais a criação do seu Estado.

 

NO LÍBANO, HEZBOLLAH ENFRENTA ISRAEL

Em julho de 2006, uma ação do grupo xiita Hezbollah contra soldados israelenses desencadeou uma violenta reação de Israel com trágicas conseqüências para o Líbano. Sob pretexto de resgatar dois soldados seqüestrados pelo Hezbollah e eliminar a sua capacidade de lançar mísseis contra o norte do país, tropas de Israel invadiram o Líbano. Durante pouco mais de um mês aviões e tanques realizaram incontáveis bombardeios contra supostas posições militares do Hezbollah e também contra alvos civis, como o aeroporto de Beirute, edifícios, estradas, pontes e até uma base da ONU, onde quatro de seus observadores morreram.

O Hezbollah atacava lançando mísseis sobre cidades do norte de Israel, como Haifa e Nazaré, fazendo algumas vítimas civis. Nos combates no sul do Líbano o grupo conseguia impor também algumas baixas militares aos israelenses. No total, cerca de 120 israelenses morreram no conflito.

Mas o saldo da guerra refletiu a superioridade militar e a força com que Israel atacou o Líbano: mais de mil libaneses mortos, a maioria civis, muitas cidades e a infra-estrutura do país quase totalmente destruídas.

Em 14 de agosto teve início o cessar-fogo e os preparativos para a retirada das tropas israelenses, que se completaria com a chegada da missão de paz da ONU (a Força Interina das Nações Unidas no Líbano). Enquanto ambos os lados declaravam-se vitoriosos, grupos de direitos humanos e observadores das Nações Unidas denunciavam possíveis excessos cometidos por Israel contra a população do Líbano, certamente o grande perdedor.

 

Aiatolá Khomeini
Aiatolá Khomeini

Na outra ponta do Oriente Médio, um cenário não menos desolador se desenvolve no Golfo Pérsico: a guerra no Iraque. Vejamos sua trajetória. Em 1979, no mesmo ano em que ocorria a Revolução Islâmica no Irã, Saddam Hussein chegava ao poder no Iraque. Entendendo aquele movimento no país vizinho como ameaçador, pois poderia se alastrar para o Iraque, de maioria xiita, Saddam tratou logo de produzir uma guerra para, em sua perspectiva, cortar o mal pela raiz. Ele acreditava quê seria uma guerra rápida. Ledo engano/Usando o velho litígio no estuário de Chat el Arab (a foz dos rios Tigre e Eufrates) como pretexto para o ataque, em 1980 iniciava-se a longa guerra Irã-Iraque. Aquilo que parecia ser presa fácil na visão iraquiana tornou-se um verdadeiro tormento. Para equacionar sua inferioridade militar naquele momento, Khomeini, o líder iraniano, utilizou-se de um ingrediente que Saddan não esperava: a Jihad (“Guerra Santa”). A guerra prolongou-se então por oito anos, arrasando a economia e as estruturas dos dois países. 

A Revolução Islâmica é o movimento xiita que depôs o regime secular iraniano e levou ao poder o Aiatolá Khomeini. O Ira se tornaria uma República Islâmica. A Jihad é a resistência santa, recurso que os fiéis muçulmanos utilizam em tempos de guerra. Para convocar uma Jihad, é preciso ter legitimidade espiritual, coisa que o Aiatolá Khomeini, de fato, possuía.

Durante a guerra, os países do golfo torciam pelo Iraque, mas não tornavam isso claro; todos temiam a ameaça xiita. Apenas um deles ousou apoiar explicitamente o Iraque: o Kuwait, país contra o qual, em retaliação, o Irã declarou guerra. O apoio do Kuwait ao Iraque tomou forma concreta com o financiamento da compra de armas dos Estados Unidos. Pois bem, após o término da guerra, com a economia destruída, endividado e não podendo saldar sua dívida, Saddam Hussein invade justamente o pequeno vizinho, em agosto de 1990. O argumento era o de que o Kuwait seria uma unidade inventada pela Inglaterra para atender seus interesses e do imperialismo. Na visão iraquiana; o Kuwait nada mais seria que um prolongamento do Iraque, ou seja, uma de suas províncias.

A ONU deu um ultimato ao Iraque, mas Saddam Hussein se recusou a retirar suas forcas do país invadido. E tentou uma jogada: comprometeu-se a sair do Kuwait tão logo Israel se retirasse dos territórios ocupados em 1967. E agora, ONU? O Conselho de Segurança ignorou a chantagem de Saddam e tratou logo de resolver a questão. Assim, lideradas pelos Estados Unidos, tropas da ONU atacaram as forças iraquianas, libertando o Kuwait. Derrotado, o Iraque foi colocado sob embargo em 1991. A partir de então, gradativamente sua economia foi sendo estrangulada. O país debilitou-se com a generalizada queda da qualidade de vida. A maior vítima do intenso embargo foi a população civil. Já no século XXI, no mundo pós-11 de Setembro e no contexto da guerra ao terror levada a cabo pelos Estados Unidos, o regime de Saddam Hussein foi posto na mira. Acusado de apoiar o terrorismo internacional e de produzir armas de destruição em massa (nunca encontradas), o país foi atacado pela coalizão anglo-americana em 2003. Convém lembrar que os Estados Unidos decidiram atacar o Iraque sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU. O regime – e o próprio Estado – foram arrasados: destruiu-se um Estado, uma nação, fazendo do “novo” Iraque um dos mais instáveis lugares do mundo. As forças de ocupação permanecem no país até hoje.

 

 

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