Tausret, a esquecida mulher Faraó

No final da XIX Dinastia, o Egito passava por mais um período de instabilidade profunda. Após o esplendor do longo reinado de Ramsés II, o império viu-se enfraquecido por disputas internas pelo trono, reinados curtos e uma crescente influência de cortesãos e militares no poder central. Ameaças externas somavam-se a uma crise econômica e administrativa, criando um ambiente em que a autoridade faraônica era desafiada tanto dentro do próprio palácio quanto nas fronteiras.

Nesse contexto de transição, a linhagem real direta foi enfraquecida, abrindo espaço para que figuras inesperadas assumissem o poder. A regência tornou-se um mecanismo comum, e a legitimidade dinástica foi frequentemente contestada por líderes militares e altos funcionários. Esse vácuo de poder, combinado com a necessidade de manter a unidade do Estado, criou circunstâncias únicas que permitiram a ascensão de governantes atípicos, cujos nomes, posteriormente, seriam muitas vezes suprimidos pelos sucessores que buscavam reescrever a história em seu próprio benefício.

Tal cenário de fragilidade institucional acabou proporcionando a elevação de Tausret ao poder, sendo mais uma das poucas mulheres faraó, desafiando as convenções de gênero de seu tempo. Antes dela, Sobekneferu exerceu o papel de governante feminina incontestável e a poderosa Hatshepsut governou como faraó plena por décadas, promovendo grandes obras e expedições comerciais.

Tausret emergiu diretamente do seio da família real como Grande Esposa de Seti II, um dos últimos faraós legítimos da linhagem raméssida. Sua posição a colocou no centro do poder durante um período crítico, marcado por disputas palacianas e pela sombra de um usurpador, Amenmesse, que disputou o trono com seu marido. Como viúva de Seti II e membro de uma linhagem consagrada, ela personificava a continuidade dinástica em um momento em que a sobrevivência da realeza dependia de vínculos sanguíneos claros e legitimidade incontestável.

A ascensão de Tausret ao trono como faraó foi, no entanto, menos uma ambição cumprida e mais uma resposta a circunstâncias desesperadoras. Com a morte prematura de Siptah — o jovem faraó de quem ela foi regente e que possivelmente era seu enteado —, a linha sucessória direta ficou vaga. Sem herdeiros masculinos adultos e com o risco iminente de guerra civil ou fragmentação do Estado, a coroação de Tausret representou uma solução de emergência. Apoiada inicialmente por facções que permaneceram leais à Seti II e enfrentando a influência de inimigos poderosos, ela assumiu a coroa não por direito incontestável, mas como estratégia dos grupos interessados na manutenção do poder.

Seu governo foi marcado por instabilidade política e lutas pelo controle do império. Embora ela tenha adotado os títulos e a iconografia real completa — incluindo a barba postiça e a coroa dupla, seguindo o exemplo de Hatshepsut —, seu reinado solo foi curto e turbulento. Tausret herdou um Egito enfraquecido por disputas internas, pressões econômicas e a crescente ameaça dos “Povos do Mar”. Sua tentativa de consolidar o poder envolveu a eliminação de rivais influentes, como o chanceler Bay, cuja execução sugeriu um esforço para neutralizar figuras que poderiam desafiar sua autoridade. No entanto, ela não conseguiu formar uma base de apoio suficientemente sólida entre sacerdotes, militares e nobres para sustentar seu governo a longo prazo.

A queda de Tausret foi tão abrupta quanto sua ascensão. Seu reinado — que durou apenas cerca de dois anos — terminou com a usurpação por Sethnajte, um militar ambicioso que fundou a XX Dinastia. Após ser deposta, o destino de Tausret não foi plenamente revelado – ela pode ter sido assassinada, aprisionada ou exilada. A carência de evidências e esse respeito deve-se ao fato de que Tausret sofreu um apagamento histórico sistemático (damnatio memoriae). Seus monumentos foram desmantelados, suas inscrições raspadas e seu túmulo no Vale dos Reis foi usurpado por seu sucessor. A ausência de registros de grandes conquistas ou projetos arquitetônicos significativos durante seu curto governo reflete não apenas as limitações impostas pela crise do período, mas também a resistência cultural e política a uma mulher no cargo de faraó.

A múmia de Tausret nunca foi identificada — um indício de que seu corpo pode ter sido removido de seu túmulo e possivelmente enterrado em local não marcado, privando-a dos rituais funerários essenciais. Esse destino era particularmente simbólico: ao negar-lhe uma sepultura digna, seus inimigos buscavam condená-la ao esquecimento eterno, tanto no mundo material quanto no espiritual.

A ironia histórica é que, apesar do esforço meticuloso para apagá-la, vestígios arqueológicos sobreviveram mencionando seu reinado, como fragmentos de vasos canopos com seu nome e a arquitetura de seu túmulo usurpado. Essas evidências, redescobertas séculos depois, não apenas resgataram Tausret da obscuridade, mas também expuseram a fragilidade do apagamento político. Aqueles que tentaram condená-la ao esquecimento falharam; hoje, ela é lembrada não como uma faraó fracassada, mas como um exemplo da resistência feminina em um mundo dominado por homens.


Referências:

Um comentário

Os comentários estão fechados.