A primeira metade do século XVI foi um período de convulsão e reconfiguração de poder no Mar Mediterrâneo. De um lado, o Império Otomano, sob o comando do formidável Sultão Suleiman, o Magnífico, expandia seus domínios e influência, representando a potência islâmica em ascensão. Do outro, a Casa de Habsburgo, liderada pelo imperador Carlos V, controlava um império vasto que incluía a Espanha, partes da Itália, e as riquezas inesgotáveis fluindo do Novo Mundo. Este cenário não era uma simples disputa territorial, mas um embate titânico entre duas visões de mundo, duas religiões e duas ambições imperiais que transformaram o Mediterrâneo em um campo de batalha líquido.
Neste palco de guerra entre gigantes, o Norte da África tornou-se uma região crítica e instável. A recente conclusão da Reconquista na Península Ibérica havia deixado um legado de perseguição religiosa, com muçulmanos e judeus sendo forçados a fugir para o outro lado do mar. Ao mesmo tempo, as potências cristãs, eflorescidas com o ouro das Américas, buscavam estender sua cruzada para o sul, conquistando portos estratégicos na costa africana. Neste vácuo de poder, entre governantes locais fracos e a ameaça da expansão europeia, a atividade da corsa – a guerra naval não oficial – floresceu, criando um ambiente onde empreendedores navais audaciosos poderiam forjar seu próprio destino.
Foi neste cenário de conflito global e oportunidade local que despontou a figura de Hayreddin Barbarossa. Sua origem, por si só, refletia a complexidade do mundo mediterrâneo: filho de um veterano otomano da cavalaria sipahi e de uma mãe grega cristã, ele nasceu por volta de 1478 na ilha de Lesbos, então parte do Império Otomano. Esta herança mista significava que ele era culturalmente bilíngue e bicultural, o que se tornou uma vantagem ao longo da vida porque lhe permitiu navegar não apenas pelos mares, mas também através das relações entre diversidades diversidades culturais. Seu nome de nascença era Hızır, e seu caminho parecia inicialmente traçado para o comércio, trabalhando com seu pai e irmãos no negócio familiar de cerâmica, que envolvia a navegação costeira para vender suas mercadorias.
O rumo de sua vida mudou drasticamente por volta de 1503, quando a violência do período o atingiu diretamente. Seu irmão mais velho, Oruç, foi capturado e outro irmão, Ilyas, foi morto em um ataque dos Cavaleiros de Rodes, uma ordem militar cristã dedicada à guerra contra os muçulmanos. Este evento trágico transformou os irmãos sobreviventes de comerciantes em corsários movidos por vingança e sobrevivência. Eles adquiriram um navio e obtiveram uma licença do governo otomano para atacar navios inimigos, dando início a uma carreira na corsa. Hızır, que provaria ser o mais estrategista dos irmãos, rapidamente se tornou o braço direito de Oruç, aprendendo as artes da guerra naval, da diplomacia e do comando enquanto combatiam as frotas cristãs e resgatavam muçulmanos perseguidos que fugiam da Espanha.
Hayreddin provou seu valor e ascendeu ao posto de capitão e líder supremo após a morte de Oruç em 1518, durante uma batalha contra as forças espanholas. Herdou não apenas o comando da frota, mas também o título de “Barbarossa” (Barba Ruiva) e a audaciosa missão de defender Argel. Percebendo que a luta ultrapassava uma simples vingança familiar, ele tomou uma decisão estratégica crucial: ofereceu o território de Argel ao Sultão Solimano, o Magnífico, em troca de seu apoio militar. O Sultão, reconhecendo seu valor, aceitou imediatamente, nomeando-o governador (beylerbey) e enviando-lhe milhares de soldados janízaros. Esta jogada mestra transformou Barbarossa de um corsário independente em um representante oficial do poderio otomano, dando-lhe a legitimidade e os recursos para transformar Argel em um estado naval fortificado e temível.
Como governante e almirante-chefe otomano (Kapudan Pasha), Hayreddin Barbarossa orquestrou uma série de feitos que solidificaram sua lenda. Sua vitória esmagadora na Batalha de Préveza, em 1538, contra uma esmagadora força combinada de espanhóis, venezianos e Cavaleiros de Malta, estabeleceu a supremacia naval otomana no Mediterrâneo por décadas. Suas campanhas não se limitaram à guerra; ele foi um mestre da estratégia geopolítica, formando uma aliança improvável com o rei Francisco I da França e levando sua frota para atacar Nice e invernar em Toulon em 1543 – um feito que chocou e aterrorizou a Europa cristã. Cada vitória, cada navio capturado e cada costa atacada amplificavam sua aura de invencibilidade sobre as ondas.
A lenda de Barbarossa foi forjada tanto por seus atos quanto pelo medo que incutia em seus inimigos. Na Europa, seu nome era sinônimo do “terror turco”, um espectro utilizado para assustar crianças e marinheiros. Cartas e relatos descreviam suas proezas navais com um misto de horror e admiração. No mundo islâmico ele era celebrado como “O Bem da Fé” (Hayreddin), um protetor dos oprimidos e um herói que desafiou os impérios cristãos em seu auge. Esta dualidade – o pesadelo para uns, o salvador para outros – eternizou sua figura não apenas como um grande capitão, mas como uma lenda da história marítima.
Além de seu gênio tático naval, Barbarossa era um diplomata astuto e pragmático, cuja capacidade de navegar nas complexas relações internacionais de sua época foi fundamental para seu sucesso. Sua jogada de mestre foi reconhecer a necessidade de legitimidade e poder de fogo além do que a atividade corsária independente poderia oferecer. Ao oferecer o controle de Argel ao Sultão Suleiman, em 1518, ele não apenas garantiu proteção contra a constante ameaça espanhola, mas também transformou-se de um líder corsário em um governador otomano, integrando suas operações ao aparato militar do império mais poderoso do mundo islâmico. Esta manobra demonstrou uma visão política excepcional, trocando autonomia nominal por poder real, recursos inesgotáveis e uma bandeira sob a qual poderia operar com autoridade incontestável.
Sua habilidade diplomática mais surpreendente, no entanto, foi transcender as barreiras religiosas em prol de seus interesses estratégicos. A aliança que firmou com o Reino Francês de Francisco I contra seu inimigo comum, Carlos V de Habsburgo, foi um marco de pragmatismo puro. Barbarossa, o almirante muçulmano, não apenas colaborou com uma potência cristã, como chegou a utilizar o porto de Toulon como base naval otomana durante o inverno de 1543-1544, efetivamente transformando uma cidade francesa em um enclave otomano. Esta cooperação, que escandalizou a Europa, mostrou que Barbarossa compreendia perfeitamente que as alianças eram construídas sobre interesses compartilhados, não sobre dogmas, uma percepção rara e avançada para seu tempo.
Barbarossa acumulou uma fortuna colossal, que foi diretamente alimentada por sua bem-sucedida carreira de corsário e sua posição de governante e almirante. Sua riqueza provinha principalmente do lucrativo saque de navios e cidades costeiras cristãs, que rendia ouro, prata, mercadorias preciosas e, o mais valioso de tudo, prisioneiros ilustres cujos resgates podiam financiar toda uma frota. Como governante de Argel, ele institucionalizou a economia da pilhagem, cobrando impostos sobre os espólios de outros corsários e estabelecendo um próspero mercado de escravos capturados nas investidas. Esta imensa riqueza não era apenas para luxo pessoal, mas era reinvestida em seu poder: financiando a construção e manutenção de navios, pagando e mantendo leais milhares de homens e erguendo as fortificações que tornaram Argel uma potência naval inexpugnável no Mediterrâneo.
Após décadas de combates incessantes, Hayreddin Barbarossa desfrutou de uma aposentadoria incomum para um homem de sua profissão. Por volta de 1544, já com cerca de 66 anos, ele retirou-se para uma propriedade luxuosa em Istambul, deixando o comando ativo da frota otomana. Seus últimos anos foram dedicados a ditar suas memórias em cinco volumes, um trabalho conhecido como Gazavât-ı Hayreddin Paşa (As Conquistas de Hayreddin Paşa), no qual detalhou suas campanhas navais e justificou suas ações para a posteridade. Sua morte em 1546, por causas naturais, foi um evento de grande magnitude no império; o próprio Suleiman, compareceu ao seu funeral. Barbarossa foi enterrado em um mausoléu especialmente construído em Beşiktaş, às margens do Bósforo, de onde sua presença simbólica ainda “vigia” o estreito que tanto dominou.
O legado histórico de Hayreddin Barbarossa é duradouro. Na Turquia, ele é reverenciado como um herói nacional e o maior almirante da história otomana, um símbolo de poder naval e bravura. Na Argélia, é celebrado como o fundador do Estado moderno e um pilar da resistência contra a dominação europeia. Para o Ocidente, sua figura tornou-se a personificação do “terror corsário” – um nome que ecoava em relatos e lendas para incutir medo. Além da lenda, seu impacto tangível foi profundo: ele estabeleceu o domínio otomano no Mediterrâneo por mais de trinta anos, reformou a marinha otomana e modelou a política de poder no Norte de África.
Referências:


[…] Barbarossa: O Almirante Otomano que Aterrorizou a Europa […]
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