Muito antes dos supertelescópios contemporâneos, vislumbrar o Cosmos envolvia uma ciência em pleno desenvolvimento, porém imaginação e especulações incríveis podiam também fazer parte das concepções elaboradas pelos estudiosos. Durante o século 19, a mecânica celeste e as órbitas planetárias passaram a ser calculadas com precisão, graças ao avanço da física newtoniana. Tecnologias modernizaram os telescópios, a eletroscopia revelou aspectos da química estelar, mapeamentos de constelações eram mais completos e os estudos lunares identificavam crateras enquanto se discutia se havia atividade vulcânica no satélite natural da Terra.
O interesse pelo espaço e corpos celestes estimulou ainda considerações sobre a existência de vida além de nosso planeta. William Herschel (1738–1822), o descobridor de Urano e pioneiro nos estudos estelares, acreditava que todos os corpos celestes poderiam abrigar formas de vida. Apesar de não dispor de evidências, Herschel acreditava que além de vegetações e outros organismos vivos, seria plausível que seres inteligentes habitassem diferentes astros cósmicos, inclusive o Sol.
O médico, astrônomo e professor alemão Franz von Paula Gruithuisen (1774–1852) foi muito além Herschel ao conceber teorias a respeito da vida alienígena. Apesar da origem modesta, Gruithuisen era dedicado aos estudos desde cedo. Inicialmente se interessou pela teologia e considerou ingressar na vida eclesiástica, mas acabou se formando em medicina na Universidade de Landshu. Especializou-se em cirurgia e obstetrícia e tornou-se professor na mesma instituição onde obteve sua titulação. Publicou trabalhos sobre obstetrícia e anatomia, contribuindo para a medicina prática de sua época. Sua perspectiva inventiva fez dele um dos pioneiros no uso de eletricidade no tratamento de doenças.
Seus interesses pela astronomia se revelaram enquanto estudava medicina e ocuparam significativa parte de seu tempo e dedicação. Ele realizava observações astronômicas em seu tempo livre e publicou vários artigos sobre o tema, chegando a obter espaço como professor de astronomia na Universidade de Munique.
Suas teses eram especialmente controversas. Ao observar os detalhes lunares, concluiu que em sua superfície havia evidências de intervenção inteligente operada por habitantes. Descreveu a existência de uma grande muralha que protegia uma cidade, apontou a existência de padrões geométricos no interior de crateras como evidência de campos agrícolas e assentamentos urbanos, enquanto outras crateras de bordas mais regulares sugeriam a realização de obras de terraplanagem. Conforme sua teoria, as manchas da Lua indicavam florestas ou até oceanos e além desses aspectos, o corpo celeste era dotado de intensa atividade de erupções vulcânicas que eram responsáveis pelos meteoritos que atingiam a Terra. Dotada de atmosfera própria, a Lua das teses de Gruithuisen era habitada pelos “selenitas”, que seriam seres humanoides alongados cujos corpos eram plenamente adaptados à vida nas condições lunares.
Além da Lua, Vênus também era considerado por Gruithuisen como um planeta habitado por uma sociedade avançada. Além das manchas do planeta como indícios de continentes e florestas, ele acreditava que os brilhos repentinos verificados na atmosfera venusiana (hoje conhecidos como relâmpagos ou auroras) eram explosões provocadas pelos habitantes como parte de alguma atividade de celebração ou como sinalização para observadores distantes. Ele também acreditava na existência dos marcianos, pois concluiu que existiam canais lineares na superfície do planeta que foram desenvolvidos pela sociedade local.
Gruithuisen dispunha de um telescópio rudimentar que não permitia ver detalhes, então ele preenchia as lacunas com conclusões fantásticas. Suas conclusões eram baseadas em interpretações equivocadas de suas observações numa época que sequer se entendia a natureza geológica da Lua – quem dirá vida alienígena. A falta de dados dava margem para elaborações impressionantes. Ele misturava ciência com imaginação, algo malvisto numa era em que a astronomia buscava rigor e reconhecimento. Gruithuisen projetava características humanas (agricultura, cidades, festivais) nos aliens, algo comum na época em que todos os planetas eram “mundos” como a Terra, com adaptações locais.
Suas ideias podem não ter sido levadas a sério pela comunidade científica, mas sua influência acabou atingindo outras dimensões. Seu artigo “Discovery of Many Distinct Traces of Lunar Inhabitants” (1824) foi uma das primeiras tentativas de usar conhecimentos astronômicos para argumentar em favor de civilizações extraterrestres e inspirou a literatura fantástica e ficção científica produzida por autores como H.G. Wells, Jules Verne e Edgar Allan Poe. Hoje, seu nome é lembrado como um exemplo curioso de como ciência e imaginação podem se cruzar em momentos de transição do conhecimento.
O descrédito e a ridicularização no cenário científico motivaram sua reclusão. Na velhice, sofria de artrite e problemas visuais, que limitaram suas observações. Faleceu em 21 de junho de 1852, em Munique, sem grande reconhecimento. Seu túmulo foi perdido, e nenhum obituário destacou seu trabalho.
Referências:


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