Muito antes dos perigosos e temidos grupos de mafiosos modernos e cartéis do narcotráfico, na Inglaterra do século XVIII já havia um esquema de crime organizado dotado de hierarquia, conexões ilícitas com o poder e estrutura estatal, além do emprego frequente da violência como forma de pressionar e eliminar seus oponentes e vítimas.
O contexto era favorável para o surgimento de organizações criminosas. Londres era uma cidade afetada pelo crescimento populacional desordenado proporcionado pelo êxodo rural. Áreas inteiras da metrópole estavam repletas de pessoas desempregadas e vivendo em condições precárias. A falta de alternativas atraía muita gente para o mundo do crime e as autoridades não estavam preparadas para lidar com o aumento das ocorrências. A força policial profissional era insuficiente e praticamente não existia trabalho investigativo, então o governo recorreu aos próprios cidadãos como agentes de combate ao crime. Foi estabelecido um sistema de pagamento de recompensas civis pela captura de bandidos e resgate de bens roubados, o que motivou indivíduos a verem tais serviços como atividades profissionais.
A atuação dos agentes informais de combate ao crime podia ser altamente vantajosa, então acabou de forma contraditória se transformando numa grande oportunidade para meliantes que souberam explorar as falhas do sistema. A corrupção generalizada que afetava a estrutura pública beneficiou a deturpação da parceria com “vigilantes” e “justiceiros”, pois autoridades como juízes e outros oficiais da lei eram sedentos por subornos e até por frações dos resultados das operações dos oportunistas.
Um vigarista célebre que atuou além dos limites da legalidade neste cenário foi Jonathan Wild, que se notabilizou como o chefão do crime organizado e comandou uma engenhosa operação de delitos em série. Wild nasceu por volta de 1683 em Wolverhampton. Era filho de um modesto marceneiro e chegou a aprender o ofício do pai para poder viver honestamente. Ele se mudou para a tumultuada Londres por volta de 1704 para tentar a sorte após enfrentar dificuldades em sua cidade natal, mas também não conseguiu se estabelecer por lá. Teve ocupações precárias e viveu na pobreza, chegou até a ser preso por dívidas em 1710. Foi na prisão que começou a conviver e aprender artimanhas com variados criminosos experientes no submundo da cidade, então ao sair de lá após dois anos de cárcere resolveu investir nas práticas ilegais para obter vantagens que um trabalhador não encontraria.
Wild montou uma espécie de agência para resgate de objetos roubados ou furtados, onde as vítimas poderiam reaver seus bens ou contratar um suposto trabalho de busca após o pagamento de taxas variáveis. Por trás da fachada do serviço estava uma operação engenhosa de articulação de uma rede de ladrões que atuavam na obtenção dos itens que acabavam em seu sistema de resgate. Os gatunos a serviço de Wild se espalharam pela cidade para obter joias, pratarias, obras de arte, cargas de navios e produtos comerciais. Os delitos e os conteúdos roubados eram registrados minuciosamente para assegurar uma boa gestão das operações realizadas, assim como os ladrões associados ao esquema eram “credenciados” e até pagavam uma taxa para permanecer ativos na organização criminosa.
Wild era um chefe centralizador, que fazia questão de controlar todas as atividades de seu negócio ilegal, enquanto mantinha uma imagem pública de empresário próspero, benfeitor e combatente do crime — com estabelecimentos que serviam para lavagem de dinheiro. A amplitude de seu envolvimento em práticas ilegais era vasta, pois além de controlar o mercado de bens roubados e arregimentar equipes de larápios, ele comandava negócios envolvendo o submundo da prostituição, tráfico humano e sequestros. Até crianças pobres eram aliciadas como aprendizes de criminosos em sua rede de atos ilícitos. Muitos agentes públicos como policiais, juízes e políticos estavam sob seu poder e eram omissos diante das arbitrariedades porque recebiam propinas. Sua organização incluía uma rede de informantes e espiões que vigiam eventuais alvos e rastreavam policiais dispostos a detê-lo ou a trair sua influência.
Era muito perigoso enfrentar o senhor da bandidagem, pois Wild tinha a sua disposição assassinos contratados para executar seus desafetos e delatores livres ou presos, pois também tinha agentes penais em sua lista de comparsas. Ele ainda aproveitava para lucrar bancando o “thief-taker” (“caçador de ladrão”), cumprindo a atribuição de denunciar, capturar e entregar bandidos para as autoridades recebendo recompensa pelo serviço à sociedade. Além de arrecadar dinheiro com essa possibilidade permitida pela lei, Wild recorria a tal abordagem para afastar concorrentes e se livrar de integrantes dissidentes ou indisciplinados de sua gangue. Entre 1715 e 1725, ele foi responsável pela prisão e enforcamento de mais de 120 pessoas.
Com o tempo Jonathan Wild foi ficando cada vez mais ganancioso e convencido de que estava acima da lei. Apesar disso, exercer o controle sobre sua diversificada gama de atividades tornou-se complexo demais e a percepção coletiva sobre suas atividades ficou escancarada através de uma persistente campanha de denúncias na imprensa e em panfletos. Muitos de seus próprios aliados começaram a se afastar porque não suportavam a pressão das constantes ameaças e estavam preocupados com o fato de serem oferecidos como presas para a polícia em troca de recompensa. Vários comparsas antes leais passaram a trair e denunciar suas atividades, o que desestabilizou sua autoridade e controle sobre a legião de foras-da-lei que estavam sob seu comando. Figuras marginais carismáticas como o jovem e rebelde Jack Sheppard, que praticou um banditismo que atraiu a simpatia popular, ofuscou o reconhecimento de Wild, que foi vingativo tratou de providenciar a execução do rival ascendente e provocou a ira da população que aclamava o desafiador “Robin Hood” de Londres. A partir de então, Wild passou a ser visto não mais como um justiceiro, mas como o vilão que manipulava o sistema em benefício próprio.
A impune e notória vida criminosa, assim como o poder de Jonathan Wild explicitaram a degradação das autoridades corruptas envolvidas no cenário de irregularidades. Diante disso, o Parlamento resolveu agir e exigiu providências para incriminar de vez o grande chefe do crime londrino. O pretexto definitivo para deter Wild foi finalmente apontá-lo como responsável direto por ao menos um crime considerado severo ao ponto de justificar um enforcamento, então, em 1725, ele foi acusado de facilitar a fuga de um prisioneiro – delito que ele praticava rotineiramente por dinheiro ou para libertar aliados. Um juiz que já havia sido seu aliado e favorecido por subornos sentenciou o malfeitor após um julgamento que durou pouco mais de 15 minutos. Wild ainda tentou aplicar um golpe fingindo suicídio, mas a farsa não funcionou e ele foi enforcado em praça pública diante de uma multidão que comemorou a sua morte.
O império que Jonathan Wild construiu não se sustentou. As circunstâncias mudaram e o monopólio do crime foi desmantelado quando seus antigos subordinados passaram a agir por conta própria ou organizados em pequenas gangues. A atuação policial e as posturas judiciais também foram sendo aprimoradas no decorrer dos anos, mas a luta contra a criminalidade não acabou.
Referências:


[…] era um bandido procurado e seu rival, o bandido e líder de gangue Jonathan Wild, o “Rei dos Ladrões”, entrou na caçada para evitar concorrentes, fornecendo […]