Encontrar ouro era um importante objetivo dos colonizadores do território brasileiro e, finalmente, durante o século XVIII teve início um período de intensa exploração mineral na colônia. Vastas jazidas de ouro foram descobertas na região que viria a ser conhecida como Minas Gerais. A montanhosa área do Serro do Frio foi um dos pólos mineradores e, assim como outras regiões ricas em ouro, recebeu um fluxo significativo de pessoas em busca de riqueza e oportunidades. Em meio a esse contexto de transformação, destaca-se a figura de Jacinta de Siqueira, uma mulher negra de trajetória singular no contexto da exploração colonial.
As informações exatas sobre a origem de Jacinta são desconhecidas. É mais provável que ela tenha sido procedente da Costa da Mina. Existe, no entanto, a possibilidade de que tenha nascido na Bahia, filha de uma mulher escravizada procedente do Golfo da Guiné. Foi provavelmente da Bahia que ela partiu com uma leva de bandeirantes até chegar ao Serro do Frio quando ainda era bastante jovem. Ela já era alforriada nessa ocasião, mas são desconhecidos detalhes sobre sua vida como escrava, tais como nome de seus proprietários, as condições de trabalho ou os eventos que levaram à sua liberdade. Sua chegada na região estava associada ao fluxo migratório interno provocado pelo ciclo da mineração aurífera, processo que transformou profundamente a dinâmica social e econômica da colônia.
A presença de Jacinta no Arraial do Ivituruí, que posteriormente passou a ser conhecido como Serro do Frio, foi logo destacada por causa de um feito decisivo ocorrido em 1700: ela fez a pioneira descoberta de ouro explorando um curso de água que ficou conhecido como Córrego dos Quatro Vinténs. Este resultado inicial motivou a continuidade da exploração e obtenção de significativo acúmulo de riqueza incrementada pela diversificação de atividades, pois ela também tornou-se proprietária de terras ao longo do tempo. Ela e sua atuação ajudaram a fazer a região progredir economicamente, elevando o arraial à condição de Vila Nova do Príncipe em 1714. Foi por intermédio de seu patrocínio que a comunidade passou a contar com a primeira sede religiosa, a Igreja da Purificação.
Jacinta de Siqueira levou uma vida independente bastante incomum para uma mulher, sobretudo negra, posição que as condições da sociedade mineradora poderiam possibilitar, apesar das limitações. Ela teve várias filhas de pais diferentes e nascidas fora do âmbito de um casamento formal. Tratava-se de uma situação ousada em uma sociedade que prezava formalmente e insistia em manter ao menos nas aparências os rigores da moralidade cristã. Seus relacionamentos com amantes e parceiros brancos, incluindo indivíduos proeminentes na região, podem ter configurado alianças importantes para favorecer seus interesses, mas ela não demonstrou ser submissa a eles, assumindo o papel de matriarca com poder e autonomia, figuração incomum numa sociedade patriarcal.
Em seu testamento, datado de 21 de abril de 1751, revela-se que Jacinta era uma mulher realmente abastada, pois o documento evidencia um patrimônio material extenso composto por imóveis, móveis de valor, prataria, vestuário de luxo e imagens sacras. Outro aspecto significativo de seu patrimônio era o fato de ser uma negra alforriada que era senhora de escravos. Por ocasião do levantamento para elaborar o testamento, foi registrado um efetivo de cerca de 40 escravos, mas a quantidade que ela possuiu no decorrer de sua vida é difícil de ser estimada – em um levantamento de 1720 foi registrado que ela possuía 10. Numa sociedade escravista, possuir cativos era um requisito de prestígio e ao mesmo tempo uma necessidade para prover de mão-de-obra suas terras e lavras. Esta situação ambígua era uma maneira que a proprietária Jacinta encontrou para utilizar as próprias regras dessa sociedade para ocupar uma posição impensável para muitas mulheres negras na época. No testamento, Jacinta manifestou a iniciativa de libertar alguns cativos, forma comum de retribuição ou reconhecimento por serviços prestados, mas a maioria permaneceu mantida em cativeiro e usada economicamente ao ser distribuída entre os herdeiros e como dote para as filhas.
A senhora negra foi uma devota dedicada que, além de financiar a construção de um templo, fazia doações regulares para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, confraria que reunia integrantes da população negra e parda da região. Seu testamento foi assinado dois dias antes de sua morte, o que sugere que ela estava em estado debilitado, embora consciente e lúcida sobre a situação e a respeito das providências necessárias diante da circunstância. Diante das testemunhas e de um escrivão, Jacinta determinou os encaminhamentos formais a respeito de seu patrimônio e prescreveu os atos religiosos para proporcionar um funeral digno e garantir a salvação da alma. Ela foi sepultada no interior da igreja matriz da vila, sinal de seu prestígio na comunidade, principalmente porque esta não era uma prática usual para pessoas negras ou ex-escravizadas.
Jacinta de Siqueira foi socialmente representada — e se fez representar — como uma senhora respeitável, poderosa e devota, que desafiava a ordem naturalizada de raça e gênero da sociedade colonial. Sua experiência revelou que mulheres negras, mesmo em contextos adversos, podiam assumir papéis centrais, moldando seu próprio destino e o imaginário social à sua volta.
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