As fake news são meios de desinformação cada vez mais preocupantes porque envolvem crenças políticas/religiosas propositalmente manobradas para causar efeitos danosos. Teorias conspiratórias, afirmações sem fundamentação factual e apelos sensacionalistas são atualmente difundidos através de recursos tecnológicos que possibilitam a “viralização” dos conteúdos falsos numa intensidade assombrosa com imenso potencial manipulatório. A predisposição do público para validação de concepções e vontades é um terreno fértil para que uma fake news tenha sucesso, pois esse estado inibe o senso crítico dos receptores da desinformação e faz dessas pessoas agentes úteis para a disseminação em grande escala. Quando as mídias fazem parte desse processo motivadas por interesses de lucro e ampliação de influência, elas se convertem em aliadas do uso da mentira como instrumento de poder direcionado para o cumprimento de objetivos frequentemente corrompidos.
Este é certamente um tema contemporâneo relevante, mas o emprego ardiloso das fake news não é nenhuma novidade. Se hoje pessoas caem em tramas absurdas, isso também ocorria no passado. Um episódio em particular é costumeiramente apontado como um curioso marco da exploração sensacionalista de fake news e recorreu a um sofisticado mecanismo enganador, envolvendo um tema espantoso em plena primeira metade do século XIX. Trata-se do caso conhecido como “Grande Embuste da Lua de 1835”.
O repórter Richard Adams Locke, do jornal The New York Sun, publicou no jornal matérias sobre descobertas científicas espantosas sobre uma incrível sociedade identificada na Lua. As publicações eram pura invenção, mas a repercussão funcionou porque o autor recorreu ao emprego de termos científicos, elementos dos estudos astronômicos da época e até citou falsamente o prestigiado astrônomo John Herschel para validar a estranha narrativa publicada.
Era uma fase propícia para explorar esse tipo de tema, pois a visão da passagem do Cometa Halley era aguardada com entusiasmo por uns e pânico por outros. Os assuntos relativos às inovações das ciências estavam chamando atenção do público, incluindo os mais recentes avanços dos estudos astronômicos que proporcionaram tecnologias de observação aprimoradas representadas pelos modernos telescópios capazes de proporcionar imagens com detalhes até então jamais percebidos. Além disso, alguns cientistas mais ousados chegaram a especular de maneira vaga sobre a possibilidade de vida além de nosso planeta, mas o alemão Franz von Paula Gruithuisen foi além desse ponto. Em 1824, Gruithuisen apresentou uma teoria espantosa que detalhou como deveria ser uma plausível sociedade nativa do ambiente lunar, comandada pelo “selenitas”, humanoides inteligentes e avançados.
O astuto jornalista Richard Locke era leitor assíduo de publicações científicas e pode ter chegado a conhecer a teoria de Gruithuisen. Sua familiaridade e atualização sobre os fatos recentes da comunidade científica podem ter levado a crer que seria propício desenvolver um artigo sensacionalista inspirado no assunto. Para o periódico The New York Sun essa história poderia render boas vendas de exemplares num mercado de jornais baratos que competiam pela atenção do público.
Depois de anúncio previamente publicado sobre impactantes notícias científicas que o jornal divulgaria exclusivamente, o primeiro texto de uma inusitada série de cinco artigos foi publicado em 25 de agosto de 1835 na primeira página do jornal. A publicação inicial noticiava que o eminente astrônomo confirmou a existência dos seres lunares e observou cuidadosamente os detalhes da descoberta através de um super-telescópio que ele instalou em um observatório na África do Sul. Nos dias seguintes, novas informações sobre as alegadas descobertas apresentaram detalhes igualmente falsos e fascinantes sobre a estranha natureza existente na Lua.
Segundo os textos, de seu avançado telescópio, Herschel viu e descreveu um ambiente repleto de vegetação onde viviam rebanhos de animais semelhantes aos bisões, outros parecidos com ovelhas, algumas zebras, uma espécie de cervo branco gigante e havia até um tipo inusitado de unicórnio que habitava um vale lunar. Foram identificadas várias espécies de aves, umas praticamente semelhantes a outras correspondentes terráqueas, enquanto algumas delas eram extraordinárias e enormes. Pequenos animais foram vistos, a exemplo de um tipo de castor bípede, além de um anfíbio esférico estranho. Os variados animais pareciam viver em harmonia nos ecossistemas identificados.
Os seres mais impressionantes eram os humanoides. A espécie, já identificada como Yespertilio-homo, era constituída por corpo coberto de pelos, parecia um orangotango mas tinha estatura de seres humanos. O que era mais espantoso nessas criaturas eram as asas semelhantes às de um morcego. Esses homens morcegos voavam, caminhavam e se agrupavam para coletar frutas ou para perambular aparentemente sem objetivo. Estes não eram os únicos tipos humanoides, pois outros existiam em menor número. Eram belos, mais avançados que os peludos voadores e poderiam ser descritos como semelhantes a anjos. Provavelmente foram estes os construtores de um templo localizado em uma observação. Era uma construção espantosa feita de pedra azul resplandecente desconhecida coberta por um telhado metálico. O nível espantoso da observação foi capaz de identificar um enigmático globo em chamas e até um pergaminho misterioso no interior do templo sem assentos nem altar.
A recepção do público foi variada. Os artigos despertaram curiosidade geral e muitas vendas de exemplares, que quintuplicou sua circulação habitual, alcançando 19.360 cópias, superando o prestigiado London Times. Várias reimpressões foram realizadas e uma edição especial reunindo todos os artigos foi publicada, vendendo mais de 60 mil cópias no decorrer do tempo, virando um impressionante sucesso editorial. Apesar de muitos leitores terem ficado genuinamente convencidos a respeito da veracidade desses artigos, as fontes informativas que baseiam os textos eram evidentemente fajutas e não sustentavam o convencimento coletivo. Certamente a falsidade do conteúdo foi logo denunciada, porém o jornal propositalmente se negou formalizar uma retratação a respeito da farsa porque os lucros não poderiam ser afetados pela admissão da mentira.
O astrônomo John Herschel só descobriu posteriormente que seu nome foi utilizado indevidamente. Ele realmente estava na África do Sul na ocasião da publicação, conforme citado nos artigos, contudo, ele viajou para realizar um longo trabalho de mapeamento estelar utilizando um telescópio altamente moderno para a época – que não era nada parecido com o equipamento de viabilidade tecnológica impossível citado nos textos. Herschel era uma personalidade respeitada no meio científico por seu trabalho consistente, então utilizar seu nome ajudou a dar ares de credibilidade para as matérias falsas. Apesar de ter ficado indignado com a associação de seu nome à farsa, Herschel preferiu não processar os agentes da fake news.
A repercussão de toda invenção da observação lunar acabou se transformando em uma experiência de entretenimento, humor e até de distração por desviar a atenção pública de temas controversos como a abolição de escravos. A situação virou tema de conversas, anedotas, peças populares e motivou a a acusação de plágio feita por Edgar Allan Poe, que no mesmo ano publicou o conto “As Aventuras de Hans Pfaall”, que tratava de uma extraordinária viagem à Lua e que descrevia estranhas formas de vida encontradas por lá.
O próprio autor da farsa reuniu os artigos num livro que também relatou a experiência e abordou suas motivações. Richard Adams Locke justificou que seu objetivo não era produzir uma farsa, mas promover uma sátira da própria imprensa e de sua capacidade de inventar versões e interpretações conforme os interesses de seus editores partidários e parciais. A veiculação de teorias pseudocientíficas era um outro alvo de sua série de textos e por isso ele apelou para elementos de verossimilhança como a inclusão de terminologia científica e citações falsas como recursos para melhorar a narrativa. Além disso, a farsa atendeu a mais um propósito: escrever algo que proporcionasse o entretenimento dos leitores. Apesar de toda confusão, o autor reconheceu que se sentiu satisfeito por ajudar a impulsionar um segmento acessível da imprensa e por ter feito muitas pessoas leem um jornal pela primeira vez em suas vidas.
Referências:


[…] Já imaginou abrir o jornal e descobrir que encontraram unicórnios e cidades habitadas na Lua? Pois foi exatamente isso que milhares acreditaram em 1835! Conheça a inacreditável história da Grande Farsa da Lua, uma fake news de outro mundo que enganou… […]