Oriente Próximo do século IV d.C. era uma região turbulenta. As tribos árabes eram pressionadas por Roma num tenso estado de enfrentamentos. Entre os povos do deserto estavam os Tanuquidas, que constituíam uma federação de tribos seminômades espalhadas por áreas atualmente correspondentes ao sul da Síria, norte da Arábia e Jordânia. Os romanos interferiam sobre a região de variadas formas, incluindo alianças estratégicas com seus aliados federados (foederati), que recebiam terras e recursos em troca de proteção das fronteiras.
Os Tanuquidas eram federados que ajudavam o Império Romano a conter os persas e os sassânidas, mas as relações entre os aliados não era nada estáveis. Um dos fatores das divergências era religioso. Os Tanuquidas estavam entre os primeiros povos árabes convertidos ao cristianismo, adotando a linha nicena com influências locais, o que divergia da vertente romana, o arianismo. As duas bases doutrinárias tinham concepções distintas a respeito da natureza de Jesus Cristo. Os nicenos defendiam a noção de que Jesus e o Deus Pai eram iguais, possuindo a mesma natureza divina, e, além disso defendiam que Cristo sempre existiu e não foi criado, pois era coeterno com o Pai. A fundamentação teológica desse grupo foi estabelecida no Concílio de Niceia (325 d.C.). Os romanos seguiam na ocasião a perspectiva do arianismo, estabelecido por Ário, presbítero de Alexandria, que defendia que Jesus era um ser derivado do Pai e que não possuíam a mesma natureza, já que o Filho não existiu sempre e, assim, não era dotado da mesma eternidade. Cada lado via a posição alheia como uma manifestação herética e os romanos se aproveitavam disso para intensificar perseguições contra os tanuquida seguidores da ortodoxia nicena.
Essas diferenças religiosas acabaram proporcionando um confronto envolvendo questões políticas e diplomáticas. Para Roma era importante controlar as igrejas locais e minar a influência dos bispos nicenos independentes desse controle. Por outro lado, defender sua posição religiosa representava uma forma de resistência para os Tanuquidas. A situação conflituosa chegou a um ponto crítico entre 375 e 378 d.C., quando uma grande revolta dos Tanuquidas eclodiu e agitou a região árabe. Durante o confronto destacou-se a liderança da rainha Mavia (ou Mawiyya).
As origens de Mavia não são suficientemente conhecidas. Ela foi identificada como viúva de um chefe tribal que exercia o poder diante dos Tanuquidas como um rei. A ascensão de Mavia ocorreu após a morte do marido, o que ocorreu em provável situação de confronto contra os romanos numa fase de confrontos que envolvia questões religiosas, pressões em torno de tributos e outras imposições do império.
A rainha conseguiu unir as forças tribais e articulou uma grande frente militar para encarar os romano. Foram realizados ataques bem planejados contra posições estratégicas para os romanos e a abordagem tática dos rebeldes evitou batalhas campais, já que este tipo de enfrentamento era um dos pontos fortes do exército oponente. Os alvos da coalizão de tribos foram fortalezas e cidades romanas, além da Via Trajana, estrada através da qual fluíam mercadorias e tropas.
A ação tática dos Tanuquidas explorava o reconhecimento do terreno e as condições do deserto em favor de suas ações. As abordagens eram rápidas, afetando as possibilidades de defesa dos romanos e a própria rainha Mavia se encarregava de traçar as abordagens estratégicas. A governante indicou os alvos dos ataques escolhidos, optando por aqueles que prejudicassem mais o fluxo de suprimentos dos romanos, além de tramar emboscadas rápidas com a possibilidade de retirada segura pelo deserto e organização das unidades montadas de combate, eficientes no uso de cavalos e camelos. Os planos de Mavia foram bem executados e isso assolou acampamentos e fortes romanos.
Além das estratégias de combate, a rainha costurou uma boa trama diplomática com tribos e lideranças religiosas nicenas e que também foram alvos de perseguições por parte do imperador Valente. Após suas vitórias, imediatamente iniciava negociações para obter vantagens, como a exigência de um bispo niceno autônomo para conduzir a religião de seu para seu povo e conseguiu firmar uma nova aliança com os romanos ao arranjar o casamento de sua filha com o comandante que conduzia os interesses do império na região.
O discurso religioso era um trunfo na legitimação de sua posição, pois ela se apresentava como defensora da fé e da doutrina nicena. A rainha foi perspicaz ao identificar o momento promissor de iniciar sua rebelião, pois ela estava informada sobre as dificuldades de Roma diante de outras ameaças como godos e persas e percebeu que o império estava vulnerável. Pragmática, ela sabia que não tinha condições de derrotar definitivamente o oponente, mas negociou pessoalmente posições para fazer de seu movimento rebelde um ato de afirmação de autonomia das tribos árabes. A revolta evidenciou para Roma que o poder dos povos periféricos que viviam no império não poderia ser desconsiderado e como saldo da rebelião, Roma retirou tropas de regiões controladas pelos Tanuquidas e o acordo de paz possibilitou uma nova fase da participação das tribos nas forças aliadas dos romanos, pois os árabes ajudaram o império a combater os godos na Batalha de Adrianópolis (378 d.C.).
Mavia seguiu comandando seus povos dos desertos até sua morte, em data indefinida pela falta de registros. Após sua morte, no decorrer dos anos, a Confederação Tanuquida se enfraqueceu.
A defesa persistente da posição religiosa nicena foi uma característica marcante da revolta, pois salientou que esta tendência era predominante entre os seguidores do cristianismo. O próprio império mudou de orientação após o Concílio de Constantinopla (381 d.C.), adotando oficialmente a doutrina como orientação para a igreja católica que se estabelecia.
Referências:


[…] Mavia, a Rainha do Deserto que enfrentou Roma […]