Tamara da Geórgia: A Santa Rainha do Cáucaso

Durante o final do século XIII, o Reino da Geórgia, situado entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, ocopava uma importante posição nas rotas comerciais ligando Europa, Ásia e Oriente Médio. Era um aliado do Império Bizantino e cooperava com as Cruzadas, pois lidava frequentemente com rivalidades e conflitos envolvendo potências muçulmanas como Sultanato de Rum (turcos seljúcidas da Anatólia), o Império Seljúcida e o Califado Abássida. A Geórgia era um reino poderoso, com uma população diversa, majoritariamente cristã ortodoxa. Entre os habitantes, havia georgianos, armênios, judeus, alanos, turcos seljúcidas e curdos. A continuidade da Dinastia Bagrationi, que governava desde o século IX e afirmava descender do rei bíblico Davi, dependia da estabilidade do reino.

Uma crise interna afetou a Geórgia sob o reinado de George III, pois ele estava pressionado por rebeliões da nobreza e não tinha um herdeiro homem para a sucessão do trono. Sem alternativas, o rei designou sua única filha Tamara como co-regente quando ela tinha cerca de 18 anos de idade, situação inédita e preocupante para a aristocracia que não aceitava uma mulher no comando, contudo, após superar as resistências, entre outros desafios, ela acabou se tornando uma das mulheres mais poderosas da Idade Média e uma das maiores governantes do reino.

Tamara foi coroada formalmente em 1184, após a morte de George III mas, apesar de passar uma fase regendo ao lado do pai e se habituando ao exercício do poder, precisou lidar e superar a imediata tentativa da nobreza de impor um conselho ministerial para governar em seu nome. Ela aceitou se casar com Yury Bogolyubsky, um príncipe russo aprovado por seus opositores, para garantir alianças, mas a união durou pouco porque o marido ambicioso logo demonstrou o interesse de usurpar o trono, então Tamara reagiu se divorciando e exilando o conspirador. Para garantir apoio dos alanos, importante grupo étnico do Cáucaso, ela resolveu tomar David Soslan como novo companheiro. O segundo marido assumiu o comando militar e ajudou a derrotar os rebeldes, o que garantiu a segurança do trono e condições. Uma nova composição na nobreza ajudou a estabilizar a situação, pois aqueles que foram leais receberam terras e posições enquanto os inimigos foram afastados ou punidos de outras maneiras.

O fortalecimento militar proporcionou condições para enfrentar ameaças externas e importantes vitórias sobre os inimigos muçulmanos elevaram ainda mais a posição da Geórgia, que incorporou novos territórios. A expansão dos domínios proporcionou o fortalecimento do reino na Rota da Seda e cidades como Tbilisi e Kutaisi tornaram-se centros de comércio de especiarias, seda e metais preciosos. Estradas, fortes e castelos foram construídos para aprimorar a infraestrutura e defesa e reformas administrativas e legais aperfeiçoaram a administração e equilibraram a política de arrecadação de impostos. Além de todas essas realizações, a rainha tinha especial interesse pelas pela cultura, apoiando literatos, produtores das artes plásticas e ourivesaria, enquanto escolas monásticas se espalharam para difundir conhecimentos diversos e fé cristã.

A rainha foi uma cristã ortodoxa e promoveu uma série de feitos para consolidar a Geórgia como um centro espiritual. Sua determinação expandiu as instalações eclesiásticas com a construção de mosteiros, igrejas e locais para estudos sagrados. Os temas religiosos foram amplamente explorados através da produção artística, textos religiosos foram amplamente compostos e copiados e até uma liturgia própria foi desenvolvida para fortalecer o cristianismo na região. As relações com o clero ortodoxo proporcionaram uma aliança entre Igreja e Estado que favoreceu o apoio mútuo e a união contra dissidentes e seguidores de práticas consideradas heréticas como os paulicianos, uma ativa seita dualista. Ela promoveu a devoção dedicada a São Jorge, padroeiro da Geórgia e enalteceu outras figuras santificadas pelos praticantes para reforçar a identidade religiosa do reino.

A soberana foi aclamada como “Rei dos Reis e Rainha das Rainhas”, sinal de sua reputação como governante que equilibrava autoridade e realizações. Sua condição foi além das posições de outras mulheres medievais poderosas como Eleonor de Aquitânia (França/Inglaterra) ou da Imperatriz Teodora (Bizâncio), pois governou como uma rainha absoluta por direito próprio numa sociedade dominada por homens. Ela morreu em 1213, aos 53 anos, e foi sucedida por seu filho George IV, que havia sido nomeado co-regente já em 1207 para iniciar sua preparação para exercer o governo . A Geórgia não conseguiu sustentar o apogeu alcançado durante o reinado de Tamara, fase conhecida como “idade de Outro” do reino, e a desgastante decadência teve início com a ascensão dos mongóis, que avançavam pela Ásia.

Tamara da Geórgia foi canonizada Igreja Ortodoxa pouco depois de sua morte, reconhecida por sua vida virtuosa, defesa do cristianismo diante dos muçulmanos e ampliação da igreja. O culto em seu favor cresceu ao longo dos anos e seu alegado túmulo virou local de peregrinação.


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