Ainda durante o século XVII era arriscado ser um pensador autônomo na Europa, pois ideias e crenças que contrariavam os poderes estabelecidos eram rechaçadas frequentemente de maneira violenta e até fatal. Os preceitos da religião eram especialmente cobrados, pois questionar dogmas e a autoridade das instituições era considerado crime grave que atingiu muitos livres pensadores e críticos. Uma das vítimas da imposição religiosa e ideológica Kazimierz Łyszczyński, que foi executado em 1689 sob a acusação de ateísmo.
Łyszczyński nasceu em 1634 na atual região da Bielorrússia, que fazia parte da comunidade Polaco-Lituana. De família nobre, estudou em uma instituição jesuíta e recebeu uma firme base de formação cristã, além de filosofia clássica, latim e retórica. Depois dessa fase formativa, ingressou na prestigiada Academia de Vilnius para obter uma formação superior em direito e filosofia. Ele chegou a iniciar uma carreira eclesiástica e atuou como diácono, mas largou o ofício religioso por desilusão e pelos interesses materiais de uma atividade mais vantajosa porque herdou a fortuna e as propriedades familiares, assumindo a responsabilidade de administrar o patrimônio e os negócios.
Como um homem culto, Łyszczyński tinha familiaridade com o pensamento dos mais notáveis filósofos clássicos e ideólogos de seu tempo, explorando o racionalismo, correntes céticas, ideias pré-iluministas e ainda outras influências consideradas radicais. Seu contato com entendimentos divergentes da mentalidade predominante sobre fé e papel da igreja era uma experiência pessoal, pois ele não discutia publicamente suas ideias e limitava as interações com poucos interlocutores que comungavam das mesmas perspectivas.
Apesar de não se expor, suas posições contra valores religiosos e atuação da igreja eram conhecidas por desafetos e esta situação revelou ser uma vulnerabilidade perigosa. Um vizinho e credor chamado Jan Brzoska resolveu levar suas diferenças pessoais e negociais contra Łyszczyński para a denúncia de suas alegadas práticas heréticas, então deu um jeito de furtar os manuscritos de seu desafeto para deliberadamente prejudicar e causar sua ruína. Os escritos secretos de Łyszczyńsk foram apresentados às autoridades como provas de sua posição blasfema como ateu, pois negar a existência de Deus era considerado um ato gravíssimo.
O material apresentado como criação de Łyszczyńsk foi conhecido como “De non existentia Dei” (“Sobre a Não Existência de Deus”) e foi submetido à avaliação do tribunal religioso em Lutsk (atual Ucrânia), sob jurisdição do bispo local. O que se conhece sobre o tratado só ficou conhecido através dos registros processuais, pois o material original foi destruído por ordem da igreja. A acusação indicou que Łyszczyńsk argumentou que Deus não era um ente superior e sim uma ideia criada por homens e, do mesmo modo, a Bíblia era um produto da elaboração de pessoas e não resultado da inspiração divina. Além disso, o réu teria afirmado na obra que as religiões eram instrumentos de dominação controladas por elites e administradas por agentes corruptos enriquecidos através da ilusão dos ignorantes. A profundidade das ideias atribuídas ao acusado incluíam a noção de que era viável a existência de uma moralidade livre de preceitos religiosos e que a razão era superior à fé.
As ideias de Łyszczyńsk desafiavam os parâmetros hegemônicos da Igreja Católica e a influência religiosa sobre as leis e o Estado. O julgamento foi um evento público utilizado como forma de exemplificar o poder dominante e impor medo a quem o desafiasse. O acusado teve o direito de defesa prejudicado durante um julgamento apressado e parcial e o resultado foi radical, pois foi imposta a pena de morte por decapitação. Antes do golpe final sua língua foi arrancada e depois do golpe fatal seu corpo foi queimado em praça pública. A execução ocorreu em 30 de março de 1689 em Varsóvia. Ele tinha 55 anos por ocasião da morte e seu caso foi exemplar de uma repressão extrema contra o ateísmo.
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