Um dos maiores gênios da ciência desenvolveu uma produção monumental, mas não é tão destacado como ícones do conhecimento científico a exemplo de Isaac Newton, Albert Einstein, Marie Curie ou Charles Darwin. Ele é, talvez, o maior gênio que você nunca ouviu falar — mas deveria.
Henry Cavendish realizou descobertas fundamentais para a física e a química e antecipou conhecimentos que só seriam detalhados por outros cientistas posteriores. Ele nasceu em 1731 e era integrante de uma das mais influentes famílias aristocratas da Inglaterra. Sua mãe, Lady Anne Grey, morreu quando ele tinha apenas 2 anos de idade, então seu pai, Lord Charles Cavendish, assumiu a criação de Henry e se tornou a primeira influência científica do filho, pois era um pesquisador amador e membro da prestigiada Royal Society, entidade que reunia cientistas de variados campos. O menino revelou um incrível gosto pelo conhecimento e frequentou a reconhecida Hackney Academy, escola privada destinada à elite inglesa, onde aperfeiçoou sua aptidão para a matemática e as ciências e se preparou para ingressar na Universidade de Cambridge. Sua vida universitária não foi muito exitosa e abandonou a instituição por motivos religiosos ao se recusar a prestar juramento à Igreja Anglicana, mas isso não abalou sua determinação de ser um cientista. Mesmo depois de sair de Cambridge sem se formar, ele chegou a ingressar na Royal Society apoiado pelo prestígio da família e resolveu estudar por conta própria e viver em função da ciência.
Seus primeiros estudos e atividades experimentais envolviam gases e eletricidade, rendendo sua obra escrita “Three Papers Containing Experiments on Factitious Airs” (“Três artigos contendo experimentos sobre ares fictícios”), onde fez a primeira descrição do hidrogênio, que chamou de “ar inflamável” como um elemento distinto. Ele também estudou o dióxido de carbono (“ar fixo”), o nitrogênio e demonstrou que o ar atmosférico não era uma substância única.
Ele trabalhou no próprio laboratório e sustentou sua atividade através dos recursos familiares, que garantiram meios para que ele dispusesse de dedicação exclusiva e meios para bancar os elevados custos dos artefatos e materiais necessários para suas pesquisas. A estrutura financeira foi reforçada por uma herança recebida do tio, Lord George Cavendish (1773), e, posteriormente (1783), pelo controle da herança deixada por seu pai. Seu laboratório em Clapham Common, Londres, era um centro avançado de pesquisa, equipado com o que havia de mais sofisticado para o desenvolvimento de experimentações, incluindo instrumentos de medição, termômetros, bombas de vácuo, fornalhas, vidrarias para substâncias e vários dispositivos que ele mesmo produzia. A infraestrutura de seu laboratório contava com adaptações de segurança como um sistema de ventilação para dispersão de gases, o que era uma melhoria inovadora. Materiais raros e valiosos faziam parte de seu acervo e uma vasta biblioteca integrava seu complexo científico. O aparato ajudava a viabilizar os experimentos elaborados a partir de sua genialidade e curiosidade e o nível de sofisticação tecnológica de seu ambiente de trabalho demonstrava o rigor e o planejamento do cientista, além de evidenciar o alto grau de investimento que Cavendish se dispôs a realizar.
A diversificação de suas investigações levou a mais descobertas relevantes. Em 1784 ele conseguiu provar que a água era composta por uma combinação de oxigênio e hidrogênio, refutando uma antiga e persistente tese de que a substância era indivisível. Outra pesquisa incrível levou ao cálculo da densidade média da Terra (com os recursos tecnológicos que ele dispunha, apresentou o valor de 5,45 g/cm³, muito próximo do valor atual de 5,52 g/cm³, obtido através de meios mais modernos). Esta descoberta permitiu estimar indiretamente a constante gravitacional (G) e validou a Lei da Gravitação Universal de Newton. Cavendish também estudou aspectos avançados da eletricidade, antecipando conceitos como capacitância, potencial elétrico e a relação entre corrente e tensão, além analisar meios para e materiais para a condutividade. Seus estudos neste campo também antecederam aspectos que somente seriam desenvolvidos nos séculos XIX e XX.
Além da variada influência de suas descobertas para a ciência moderna, sua rotina de trabalho foi registrada em seus diários, que continham os detalhamentos de suas metodologias, de seus padrões para experimentação controlada, medição e obtenção de dados, práticas que viraram referências para os cientistas.
Este gênio dedicado à incansável vida de descobertas científicas evitou se envolver nos assuntos que desviassem sua atenção e seu comportamento refletia isso. Cavendish era tido como um homem excêntrico que optou pelo isolamento e evitava contatos com outras pessoas. Ele se comunicava com seus auxiliares e serviçais domésticos e pessoais através de instruções por escrito. Ele mandou construir escadas e corredores secretos para minimizar as chances de cruzar com seus funcionários, sobretudo governantas, faxineiras e cozinheiras, pois sentia grande nervosismo diante da presença feminina. Nunca se casou e recusava se comunicar com mulheres. A matemática Sophie Germain, por exemplo, não conseguia que ele respondesse suas cartas e precisou recorrer a uma falsa identidade masculina para receber sua atenção. Dizia-se que ele se comunicava com as sombras e que alguns de seus subordinados nunca trocaram uma palavra com o patrão. Até familiares eram privados de sua convivência pessoal, pois não saía do complexo constituído por seu laboratório e residência e não convidava nenhum parente para vê-lo.
Cavendish era obcecado por rotinas. Ele tinha horários fixos para cada atividade cotidiana como acordar, dormir, fazer as refeições, realizar uma caminhada em sua propriedade (cumprindo exatamente o mesmo itinerário), além de se alimentar utilizando sempre com os mesmos pratos e talheres. Ele não se importava com a aparência e, apesar de ser um dos homens mais ricos da Inglaterra, vestia roupas velhas de moda do século anterior que eram normalmente gastas e remendadas. Sua personalidade retraída fazia dele uma figura que detestava até mesmo o reconhecimento pelos seus feitos extraordinários. Sendo uma espécie de fantasma erudito, não se importava com a publicação ou a divulgação de suas descobertas e essa despreocupação fez com que criasse teses que outros pesquisadores posteriores figurassem como pioneiros.
Com o avançar da idade, sua postura alheia ao mundo externo e às interações sociais se acentuou ainda mais. Ele morreu de infecção respiratória em 24 de fevereiro de 1810, aos 78 anos. Percebendo que estava em seus últimos instantes, instruiu o serviçal que o atendia a lhe deixar sozinho e acabou morrendo exatamente como desejou. Ele foi sepultado sem cerimônia fúnebre e sem homenagens. Sua fortuna foi herdada por parentes distantes, mas uma observação em seu testamento revelou um traço de afeto importante: Ele determinou que seu cachorro recebesse um fundo generoso para assegurar sua sobrevivência confortável.
Especulações contemporâneas sugerem que o genial Henry Cavendish era autista, especificamente com características da Síndrome de Asperger. Sua dificuldade e aversão à interação social, seu foco altamente concentrado em aspectos de intenso interesse (hiperfoco), a rigidez de seus hábitos e rotinas, a obsessão como “quantificador” (buscando medir e expressar fenômenos e forças físicas por meio de leis e símbolos matemáticos), inteligência muito elevada e a evidência dos registros que indicam que sua fala era peculiar são traços que podem indicar seu quadro neurodivergente.
Referências:


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