Um importante marco na história da arte é a criação da obra “Genji Monogatari” (O Conto de Genji), que despontou por volta do ano 1008 e foi posteriormente reconhecida como o primeiro romance da literatura mundial. A narrativa inovadora foi escrita por uma mulher, a japonesa Murasaki Shikibu. Estima-se que a autora nasceu em 973 numa família aristocrata associada ao poderoso clã Fujiwara. Logo cedo ela se habituou ao universo literário, pois seu pai, Fujiwara no Tametoki, era um respeitado integrante da burocracia que também se dedicava aos estudos das obras chinesas, um interesse erudito elevado em seu meio. Esse conhecimento foi transmitido secretamente à jovem Murasaki, que ficava atenta aos ensinamentos que eram direcionados ao seu irmão e acabou aprendendo muito mais que o próprio beneficiário das aulas.
Transcorria o Período Heian (794–1185), época de forte desenvolvimento cultural do Japão, embora esse tipo de instrução fosse considerado impróprio para o público feminino. Mulheres nobres como Murasaki eram geralmente educadas em casa por familiares ou tutores, contudo os conteúdos que aprendiam eram diferentes daquilo que os homens aprendiam. A educação feminina preparava principalmente para a vida cortesã, casamento, criação de filhos e atividades domésticas, sendo incrementada por habilidades artísticas como o domínio da escrita (kana), poesia (waka), caligrafia, música, dança ritualística, artes têxteis, etiqueta e conhecimentos genéricos sobre a natureza. As mulheres não recebiam preparação para lidar com assuntos públicos, ocupar cargos e sequer podiam se aprofundar nos estudos religiosos, embora algumas integrantes dos mais altos níveis da elite pudessem influenciar indiretamente as esferas do âmbito masculino,
As criações artísticas das mulheres eram geralmente anônimas ou escondidas em pseudônimos (como da própria Murasaki Shikibu, cujo nome original permanece desconhecido) e foram importantes durante a Período Heian. Murasaki é a maior expoente entre as autoras e o impulso de sua produção ocorreu por volta de 1001, após a morte de seu marido, Fujiwara no Nobutaka, funcionário da corte com quem se casou através de um matrimônio arranjado. Nobutaka era um homem mais velho e de prestigiada posição que já tinha outras esposas além dela e da união tiveram uma filha, Kenshi (também conhecida como Daini no Sanmi), que seguiu os passos da mãe no mundo da literatura. A viuvez mergulhou Murasaki num luto profundo e ela direcionou seu sentimento para a escrita como uma forma de escapismo emocional.
As primeiras partes de Genji Monogatari começaram a circular em ambientes aristocráticos como manuscritos ilustrados que encantaram os leitores nas reuniões literárias. A autora foi depois convidada pela imperatriz Shōshi (Akiko) para servir como sua dama de companhia, oportunidade que enriqueceu sua experiência e posição como observadora dos costumes, o que aprimorou a sua escrita e inspirou a continuidade do desenvolvimento de sua obra, concluída em 1008.
Genji Monogatari é um longo texto composto por 54 capítulos. Trata-se de uma narrativa complexa centrada no príncipe Hikaru Genji, personagem profundamente desenvolvido através de várias situações e contextos explorados do livro. Os capítulos iniciais envolvem os primeiros anos de Genji, que vive amores proibidos (inclusive com uma concubina do próprio pai) e se envolve em conflitos familiares. Depois de experimentar um exílio, aventuras e novos relacionamentos, retorna para Kyoto e constitui sua família. Muitos dramas preenchem as várias páginas que tratam da vida de Genji e a narrativa se estende através dos últimos capítulos tratando dos descendentes do personagem principal e de seus próprios conflitos e tramas.
Genji Monogatari não é apenas um livro: é um portal para o passado, onde uma mulher silenciada pela história ecoa, há mil anos, perspectivas sobre amor, poder e impermanência. Uma combinação de aspectos inovadores caracterizaram a obra como primeiro romance escrito. A narrativa ficcional original concebida pela autora não se prendeu aos tradicionais mitos e lendas e apresentou personagens totalmente novos em um universo próprio. O desenvolvimento da trama percorre uma linha de continuidade que vai dando cada vez mais complexidade à história contada, trazendo personagens diversificados e bem constituídos com seus aspectos particulares cuidadosamente detalhados. Murasaki empregou técnicas estilísticas avançadas, descrevendo sentimentos e pensamentos dos personagens para proporcionar uma experiência mais envolvente aos leitores. O texto contém flashbacks, premonições e saltos temporais, técnicas avançadas mesmo para padrões contemporâneos. Escrito com uma mistura de prosa e versos, Genji Monogatari foi reproduzido em cópias que se espalharam pelo Japão e inspirou obras posteriores que até imitavam sua estrutura e estilo e derivou adaptações através do teatro tradicional japonês ao longo dos tempos.
Além de Genji Monogatari, Murasaki Shikibu escreveu poemas e um rico diário no qual registrou sua experiência pessoal, além de impressões sobre a vida cortesã, críticas sociais e reflexões existenciais. Ela abandonou a corte quando tinha por volta dos 40 anos e há especulações de que ingressou na vida monástica num retiro budista. Os registros biográficos não são precisos a respeito de sua morte, que pode ter ocorrido entre 1014 e 1025.
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