Tarabai: A mulher que liderou um império em guerra

(Representação visual gerada pela IA Midjpurney)

A Índia como nação unificada é resultado de um processo moderno, consolidado a partir do final do século XIX, então antes disso o subcontinente indiano era uma vasta região dividida e disputada. Reinos, impérios e outras organizações autônomas ou dependentes compunham a diversidade geopolítica indiana e frequentemente coexistiam de maneira conflituosa como o Império Mughal (controlando o norte e partes do centro), o Império Maratha (no centro-sul indiano), o Reinos Rajput (no Rajastão), o Império Sikh (emergente no Punjab), os sultanatos de Bijapur e Golconda (no sul, antes de serem conquistados pelos Mughals), além dos estados independentes como Mysore, Travancore, e enclaves europeus (Goa, Pondicherry). As histórias de cada uma dessas composições político-territoriais são complexas e marcadas por conexões entre elas, ressaltando ainda suas identidades regionais próprias. O aspecto religioso também era um fator  que reforçava a diversidade, pois o hinduísmo e o islamismo eram seguidos por vastas populações enquanto minorias de outros credos buscavam resistir aos desafios de um meio tão marcado por disputas. 

Foi neste contexto turbulento que ascendeu o Império Maratha, centrado na região do Deccan. Durante o século XVIII, o Império Mughal tentava ampliar seus domínios na região e controlar o povo Maratha, que demonstrou uma notável resistência reforçada pelo conhecimento e adaptação ao relevo montanhoso. O Império Mararatha foi fundado pelo líder carismático Shivaji Bhonsle, que conseguiu unificar os clãs e ser coroado em pleno processo de reação contra o poder Mughal. Seu filho, Sambhaji, tentou conduzir a luta contra Aurangzeb (1658–1707), imperador mughal que dedicou muito de seus esforços nas campanhas das Guerras do Deccan (1680–1707). Sambhaji acabou derrotado e executado pelos oponentes, mas os Mararathas reagiram sob o comando de seu meio-irmão Rajaram, que contou com apoio de seus comandantes para organizar uma desgastante estratégia de ataques contra os inimigos apoiados numa persistente abordagem de guerrilha que garantiu a proteção do interior do Deccan. Aurangzeb morreu sem obter o êxito desejado de conquista da região, situação que enfraqueceu a posição do Império Mughal no conflito e possibilitou a vitória dos Marathas, mas as ameaças persistiram.

 Rajaram não estava sozinho no poder. Ao seu lado estava a rainha Tarabai, que revelou ser uma líder excepcional e exerceu um papel determinante no império após a morte do marido. Tarabai nasceu em 1675 no seio de uma linhagem nobre do importante clã Mohite, seu pai era o mais proeminente general do império. Aos 14 anos ela se casou com Rajaram numa união que fortaleceu a aliança entre sua família e a dinastia reinante durante uma fase crítica da guerra contra os Mughals. Ela se encarregou cedo de questões administrativas porque exerceu funções enquanto o marido estava ocupado com a guerra e dependia de seu empenho direto as negociações com líderes locais e a gestão de suprimentos. 

A experiência de sua origem, formação e do contexto vivido forjaram na jovem imperatriz uma perspectiva estratégica profunda sobre os assuntos bélicos, diplomáticos e necessidades de um governo que funcionava sob as condições extremas, então estava apta para assumir o governo quando Rajaram morreu em 1700. Ela tomou o poder  como regente em nome do filho Shivaji II, ainda criança na ocasião, após uma intensa disputa interna que tentou impedir sua ascensão. Ostentou o título de Maharani (rainha) para projetar autoridade em uma sociedade patriarcal, mas sua legitimidade foi fortemente contestada por segmentos da nobreza. Ela precisou defender a posição de seu filho na linha sucessória diante das ameaças de usurpadores na própria família real e negociou a pacificação interna com os líderes militares para evitar a fragmentação do império. 

Uma vez no comando, Tarabai manteve os esforços de combate, articulando os ataques de sua guerrilha e reforçando as estratégicas fortalezas nas montanhas. Os ataques repentinos que seus guerreiros realizavam asseguraram importantes vitórias que desgastam os inimigos. Uma das mais bem aplicadas abordagens foi obter o domínio sobre os territórios das rotas de suprimento dos Mughals, ação que enfraqueceu os invasores mesmo sem o enfrentamento imediato. O sucesso dessa atuação forçou tropas Mughais, exaustas e sem liderança, recuaram para o norte, permitindo que os Marathas recuperassem territórios.  Os esforços de guerra eram custeados por uma dura mas eficiente política de arrecadação de impostos e pela organização da estrutura e funcionamento do sistema administrativo. Seu governo melhorou e construiu estradas para promover condições para as comunicações e o comércio e a rainha supervisionava pessoalmente obras, colheitas e distribuição de grãos em áreas afetadas pela guerra para enfatizar sua presença e liderança. Em suas abordagens diplomáticas, procurou apoio de antigos rivais e até de colonizadores portugueses para isolar os inimigos.

 Apesar de todos os esforços, ocorreu a guerra civil  (1707–1714) entre sua própria facção e a do sobrinho Shahu (filho de Sambhaji) numa disputa tanto militar quanto propagandística repleta de acusações mútuas e traições. O saldo da divisão interna foi a derrota da Tara Bai, que manteve um governo rebelde e autônomo em Kolhapur, no sul do Deccan, onde precisou aceitar limitações como o fortalecimento dos Peshwas, ministros hereditários que exerciam uma influência definidora sobre o governo. Novos problemas políticos e militares ocorreram quando, em 1749, ela tentou fazer seu alegado neto Rajaram II assumisse o trono para desestabilizar os nobres. Tarabai chegou a buscar apoio do imperador Mughal Ahmad Shah Bahadur para recuperar influência, mas a manobra custou sua prisão. 

Tarabai morreu em 1761, aos 86 anos, afastada do poder, enquanto o Império Maratha já estava em um processo de declínio, marcado por conflitos internos, pressão colonial britânica e derrotas militares decisivas. O desfecho do contexto foi a dissolução do império e o subsequente domínio pelos britânicos em 1818. 

Além de guerras e desafios de governo, Tarabai enfrentou uma cultura que não admitia uma mulher em posição de poder, desafiando brâmanes que recorriam a argumentos religiosos contra seu status, propaganda negativa que visava lhe desqualificar e conspiradores sempre dispostos a lhe derrubar. Seu papel histórico foi minimizado até o século XX, quando novas perspectivas e posicionamento resgataram sua relevância como líder em um período crítico.


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