O poder e a influência de Mkabayi kaJama, liderança feminina dos zulus

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Estabelecidos na parte leste da atual África do Sul, os Zulus consolidaram seu poder durante o século XVIII e uma personalidade importante foi definidora para este processo. Trata-se da “princesa” Mkabayi kaJama, que assumiu um papel relevante na arquitetura do poder na região, articulando condições para centralização do comando e, consequente, estabilização da região. Ela nasceu por volta de 1750, filha do líder tribal Jama kaNdaba e foi preparada para atuar como uma figura influente em sua sociedade.

A vida de Mkabayi já começou de forma desafiadora, pois nasceu em um parto de gêmeas e, conforme uma antiga tradição local, seria condenada ao lado da irmã Mmama ao sacrifício ritualístico porque um nascimento de gêmeos era um sinal de mau agouro. A interferência dos pais, que recusaram o respeito ao hábito ancestral, salvou a criança e o destino comprovou que a decisão de contrariar o costume foi acertada, pois Mkabayi chegou à fase adulta para ser reconhecida como exemplo de determinação, bravura, perspicácia, sabedoria e liderança, demonstrando que até os presságios enraizados na vivência do povo poderiam ser sujeitos aos mistérios do destino. 

A complexa composição familiar nobreza zulu gerava sucessões tumultuadas repletas de conflitos entre os parentes. Os chefes tribais tinham filhos com diversas esposas e o critério de transmissão do poder não era definido por primogenitura, então era comum que variados postulantes reivindicassem a legitimidade de assumir o poder. Quando Jama kaNdaba morreu, Mkabayi foi designada para orientar a  sucessão, apesar de ser uma jovem que tinha entre 15 e 20 anos de idade, pois era respeitada por conhecer bem o contexto e as necessidades do povo, além de ser dotada de bom senso adquirido por sua precoce formação como líder que a preparou para lidar com questões políticas, estratégicas e diplomáticas, além de ser uma orientadora para assuntos que envolviam tradições. Ela decidiu apoiar seu irmão Senzangakhona kaJama e serviu como conselheira e mediadora de conflitos de seu governo, o que ajudou a promover a prosperidade entre os zulus, que aproveitaram as boas condições para promover uma expansão de seus domínios sobre outras tribos. 

Após o longo reinado de Senzangakhona, mais uma vez Mkabayi assumiu uma posição determinante para a sucessão. Novas intrigas e disputas familiares ameaçavam a situação e sua preferência para a liderança se voltou para o sobrinho Shaka kaSenzangakhona, contestado por ser ilegítimo, porém ela já o observava e o reconheceu como um potencial chefe zulu, apesar das discordâncias e divisões que culminaram com a indicação de Sigujana contra sua vontade. Ela aderiu à causa de Shaka, que acabou triunfando e assumindo o poder. O novo chefe zulu admirava a tia, a quem tratava como um “pai”, e também a consultava para assuntos relevantes. Shaka implementou uma política agressiva de dominação, o que realizou após aprimorar sua força militar até mesmo introduzindo a utilização de armas de fogo em seu exército através de negociações com agentes europeus. Shaka contrariou costumes para impor sua força pessoal e se aliou aos forasteiros para favorecer a instalação de colônias britânicas na região de Durban e essas posturas geraram resistências entre seu povo, incluindo a oposição da própria Mkabayi, que resolveu agir para destronar seu antigo aliado e planejou o assassinato de Shaka.

Mkabayi passou a apoiar os sobrinhos Dingane e Mhlangana, que conseguiram triunfar, embora sem conseguir estabilizar o império dos zulus, esfacelado após a morte de Shaka. Ela ainda foi conselheira sob o reinado de Dingane, mas sua influência não era a mesma e progressivamente seu nome perdeu força política na corte enquanto sua idade avançada diminuía sua presença pública. 

Ela morreu em 1830, tendo por volta dos 80 anos de idade. Mkabayi foi uma mulher poderosa e frequentemente temida num contexto patriarcal, embora nunca tenha exercido de forma pessoal e direta o comando dos zulus.


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