A Loba da França: Uma rainha medieval que liderou a queda do próprio marido

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Uma das mulheres mais ousadas da Idade Média foi a rainha Isabel, que ficou conhecida como a “Loba da França”. Ela assumiu um papel ativo e determinante num cenário de adversidade e de poucas alternativas para uma mulher – até mesmo na nobreza. Destinada a ser uma rainha consorte e geradora de um herdeiro real, ela resolveu dar um rumo diferente à sua vida e suas ações acabaram surtindo efeitos marcantes que ajudaram a desencadear a intensa Guerra dos Cem Anos (1337 a 1453), conflito conturbado entre a Inglaterra e a França.

Nascida na França por volta de 1295, Isabel era filha do rei Filipe IV, popularmente conhecido como “Filipe, o Belo” e da rainha Joana I de Navarra. Esta condição fazia dela uma privilegiada figura da realeza, integrante das mais elevadas dinastias europeias. Era certo que a jovem princesa teria papel no jogo político entre potências monárquicas e por isso foi educada para cumprir os desígnios de sua posição social, sendo preparada desde cedo para se tornar uma rainha. Ele recebeu uma educação refinada que incluía etiqueta, arte, religião, diplomacia e política.

Um previsível matrimônio arranjado estratégico foi negociado logo. Quando ela tinha cerca de 13 anos casou-se com Eduardo II, rei da Inglaterra, como parte de um tratado entre os dois reinos. Em 1312 ela cumpriu a expectativa de dar à luz ao herdeiro do trono inglês, o futuro rei Eduardo III, e assumiu com determinação a defesa do direito sucessório de seu filho, o que levou a rainha a promover uma guerra quando a coroa de seu filho foi ameaçada.

Eduardo II começou a marginalizar o príncipe enquanto manifestava o favoritismo a outros nobres como sucessores. O primeiro rival do príncipe foi Piers Gaveston, favorecido pelo monarca através de títulos e concessões de terras e privilégios. A situação incomodava os defensores da legitimidade do príncipe herdeiro e apoiadores da aliança com a França, então Gaveston foi assassinado numa conspiração em 1312. Decidido a desafiar os lords opositores, o rei impopular se aliou a Hugh Despenser, o Jovem, que passou a exercer poderes consideráveis na corte, influenciado as ações do próprio soberano.

A situação de Isabel era frágil, pois estava presa a um casamento fracassado e isolada numa corte hostil, no entanto, nobres descontentes com o reinado de Eduardo II viam nela e em suas conexões uma saída para um reinado problemático. Em 1324, o rei chegou a confiscar os bens da esposa e colocou seus filhos sob custódia de Despenser para humilhar sua consorte e retaliar a França por ocasião de um conflito entre os reinos, mas a vingança da rainha não demoraria. Isabel foi enviada para sua terra natal no ano seguinte numa missão diplomática para negociar a paz, mas acabou fazendo o posto. Ela se aliou a nobres ingleses exilados, principalmente Roger Mortimer, que era um forte rival de Hugh Despenser e que precisou fugir após a participação em uma rebelião frustrada. Com apoio dos opositores de Eduardo II e reforço francês e, Isabel decidiu participar da articulação de uma iniciativa para invadir a Inglaterra com o objetivo de destronar o marido. Ela justificou que o ato não era desleal, declarando que “uma esposa deve seguir o marido, mas só se ele não for um inimigo”.

Mortimer recrutou reforços mercenários em Flandres e arquitetou um plano de ataque contando com as divisões internas dos nobres ingleses. Durante a fase preparatória, o nobre conspirador e a rainha acabaram se envolvendo como amantes, o que foi considerado um escândalo na época. Apesar dos comentários difamatórios, a legitimidade defendida por Isabel em nome de seu filho como sucessor de Inglaterra era forte e contava com muitos defensores, o que era um elemento importante em seu favor. A tropa liderada por Isabel e Mortimer conquistou a simpatia dos súditos ingleses, que se uniram à causa e engrossaram as forças contra Eduardo II. Isabel virou uma figura agregadora para conquistar apoio popular, sendo apresentada como uma líder que visava salvar o reino da tirania. Hugh Despenser acabou derrotado e brutalmente torturado em público antes de ser finalmente executado. O rei foi destronado no início de 1327, e tentou fugir para Gales, onde acabou sendo capturado. O destino do monarca deposto é controverso, pois há relatos conflitantes indicando sua execução ou sua fuga.

Eduardo III foi coroado, mas como ainda era muito jovem o poder foi exercido por Isabel e Mortimer na condição de regentes. O governo provisório foi tumultuado, pois Mortimer resolveu levar adiante seu plano de vingança, ordenando perseguições e execuções. Ao seu lado, Isabel acabou sendo inevitavelmente associada aos abusos e a crises econômicas, elevação de impostos, além de derrotas militares e diplomáticas como Tratado de Edimburgo-Northampton (1328), acordo que reconheceu a autonomia da Escócia, o que foi considerado uma humilhação para os ingleses. A regência enfrentou opositores leais a Eduardo II e também foi acrescida por dissidentes.

Denúncias contra a vida luxuosa da rainha e de seu amante, além de rumores sobre uma eventual manobra para coroar Mortimer acabaram precipitando a tomada de poder por parte de Eduardo III, aos 17 anos de idade. O novo rei eliminou seu regente, ordenando o enforcamento de Mortimer, mas poupou sua mãe de um destino sofrido. Isabel foi afastada da política e passou a viver num exílio pouco rigoroso, instalada confortavelmente em dois castelos, recebendo uma generosa renda e mantendo o honroso título de Rainha Mãe, preservando as regalias que o status proporcionava. Isabel recebia visitas, inclusive do rei, participava de eventos sociais e se dedicou à vida religiosa e caridade.

Ela viveu por 28 anos sob uma espécie de aposentadoria real e faleceu em 1358, aos 63 anos. Seu nome e reputação foram preservados por Eduardo III, que evitava críticas públicas contra sua mãe, cuja impetuosidade garantiu sua ameaçada posição sucessória. Quando Isabel morreu seu filho estava lutando pelo trono francês, invocando sua ascendência real após a morte de seu tio Carlos IV. Isabel, a Loba da França, era o elo dinástico imediato para fundamentar o pleito de Eduardo III, situação que iniciou a Guerra dos Cem Anos.


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