Safo de Lesbos: A voz que ecoa além dos séculos

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

“Alguém lembrará de nós, no futuro”. Assim Safo (Σαπφώ ou Sapphō), poetisa grega do século VII, expressou suas expectativas a respeito da posteridade. Ela viveu aproximadamente entre 630 a.C. e 570 a.C. durante o período da Grécia Arcaica, fase de forte desenvolvimento das cidades-estados gregas. Ela era procedente de Mitilene ou Eresos, cidades localizadas na ilha de Lesbos, reconhecida por sua relevância pela intensa atividade comercial e por ser um importante cenário artístico. Em sua ilha natal, mulheres aristocratas como Safo tinham acesso a uma instrução fortalecida no ambiente doméstico ou religioso e a arte era a principal via de expressão feminina, pois a filosofia, a política e mesmo a literatura eram ambientes dominados pelos homens.

Sua família era proeminente na região, o que que também envolvia determinados problemas, pois as intensas disputas políticas regionais podiam afetar a estabilidade de grupos poderosos. Assim, quando tinha por volta dos 25 anos de idade, Safo precisou se exilar de Lesbos, se alojando na Sicília por um tempo por causa de questões políticas envolvendo seus familiares. De volta à sua ilha nativa, Safo intensificou a atividade criativa que lhe caracterizou e fundou um grupo de mulheres dedicadas às artes e à educação (Thiasos), atuando como uma mestra (didaskalos) que preparava suas aprendizes para a vida social, atividade religiosa e para o casamento.

Sua reputação poética era reconhecida e mesmo seu rival literário, Alceu de Lesbos, expressou admiração por aquela a quem se referiu como “a de cabelos violetas”, além de ter sido elogiada pelo filósofo pré-socrático Heráclito, que ressaltou sua qualidade como instrutura. Seus versos foram mencionados posteriormente por Heródoto e material arqueológico encontrado na região fazem referência ao seu trabalho. Há moedas de Mitilene que trazem sua efígie, indício de que a poetisa foi uma personalidade de destaque na sociedade de Lesbos.

Era costume que performances públicas fossem realizadas em festivais e cerimônias, ocasiões nas quais a poesia lírica, como a produzida por Safo, era destacada e encantava o público. Esse tipo de evento ajudou a dar visibilidade ao seu talento, embora limitações para a atuação de mulheres em outras atividades dedicadas à produção literária pudessem ter interferido em sua vida artística. A circulação de seu trabalho dependeu bastante de cópias manuscritas que circulavam livremente ou da repetição de seus versos através da recitação oral. 

Safo compôs uma poesia refinada e repleta de técnicas estilísticas da época sobre temas como amor, desejo, perda e contemplação. Seus escritos sobre amor eram dirigidos a um público feminino, envolvendo êxtase, paixão, ciúme, ausência e um estado de sublimação sentimental, mas sua abordagem do amor também incluía os epithalámios (cantos nupciais). A deusa Afrodite inspirou e foi homenageada por seus versos que sinalizavam a devoção da poetisa e a natureza e seus encantos motivaram as belas combinações de seu lirismo. Em sua fase mais madura com o avançar da idade, a autora se ocupou de reflexões nostálgicas, desilusões afetivas e com a angústia de pensar no fim da vida.

As fontes sobre sua biografia são indiretas, presentes em informações póstumas ou sugeridas a partir de seus textos, o que incluis a maternidade de Cleïs, referida em dois trechos de seus escritos. Safo morreu possivelmente de causas naturais quando tinha por volta dos 60 anos de idade, mas posteriores histórias inventadas a seu respeito citavam um suicídio por amor.

A sobrevivência de sua obra dispersa e fragmentária foi severamente comprometida no decorrer dos anos. Estudiosos helenísticos chegaram a editar Papiros contendo compilações de sua poesia, material que fazia parte do acervo da Biblioteca de Alexandria, no Egito, mas o progressivo desinteresse pela poesia lírica grega obscureceu o reconhecimento de sua arte. Além disso, a criação literária elaborada por mulheres mereceu poucos cuidados de preservação no decorrer do tempo e sua obra ainda foi alvo da moralidade romana e cristã, resultando na censura ao conteúdo considerado homoerótico e à expressão explícita de evocação ao prazer sexual. A maior parte dos registros da criação de Safo foi perdida, sobrevivendo apenas através de citações de outros autores clássicos e de fragmentos como versos e frases desconectados de seus poemas originais.

Uma “nova vida” foi dada à poetisa após uma recente reinterpretação de sua produção e do contexto de sua existência. Os fragmentos da poesia de Safo que exaltavam sentimentos a respeito da relação entre mulheres foi abordado como evidência de sua própria sexualidade, ressaltando que na Grécia do tempo da escritora as percepções e categorizações de identidade sexual eram diferentes daquilo que se observa atualmente. Ela chegou a ser aclamada como ícone do “amor proibido” no século XIX e finalmente como símbolo por parte do ativismo feminista e LGBTQ+, dando ao seu nome uma derivação que identifica o amor entre mulheres (“sáfico”) e até sua terra natal, a ilha de Lesbos, passou a designar os termos “lesbianismo” e “lésbica”. Esta dimensão tem gerado controvérsias, contudo, confirmaram a frase da autora citada no início deste texto e faz com que Safo seja lembrada mesmo atualmente.


Referências: