O genial e inovador Heron de Alexandria

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

A tradicional cidade de Alexandria, no Egito, era um ambiente cosmopolita no primeiro século da Era Cristã, tendo recebido uma influência multicultural na composição de sua população, pois abrigava egípcios nativos, possuía uma notável comunidade judaica e uma elite de ascendência grega estabelecida pela dinastia fundada por Ptolomeu I Sóter. Desde os tempos do imperador Augusto, após a derrota de Cleópatra VII, o Egito foi integrado ao Império Romano e, apesar do status dos gregos na sociedade, Alexandria não contou com a mesma autonomia de outras cidades da Grécia, o que gerava tensão entre a elite local e os dominadores de Roma, que mantinham tropas para controlar a região e dominar os povos que viviam por lá. Apesar da diversidade de povos, Alexandria convivia com conflitos étnicos e religiosos envolvendo a tradicional religião egípcia, a fé grega combinada com influências locais que proporcionaram o culto a Serápis, fusão de Zeus e Osíris, e o judaísmo, cujos seguidores eram pressionados pelos praticantes das demais religiões. 

Apesar da complexidade dessa composição social e do contexto político, Alexandria tinha a reputação de ser um centro cultural pulsante, que abrigava estudiosos de diversas áreas em torno de locais como Biblioteca de Alexandria e Mouseion. Um desses notáveis estudiosos era Heron de Alexandria ou Hero, cuja atuação intelectual abrangeu principalmente a matemática, a física e a engenharia. Ele nasceu por volta de 10 d.C. e desde cedo começou a estudar os fundamentos matemáticos e físicos de Arquimedes, Euclides e outros célebres gregos. Ele desenvolveu não apenas o interesse teórico contido no legado científico que aprendeu e resolveu abordar aplicações em projetos experimentais inovadores. Ele trabalhou como pesquisador e professor no Mouseion, posição prestigiosa que lhe conferiu reconhecimento entre acadêmicos e despertou o interesse de leigos por suas invenções e demonstrações chamativas e curiosas.

Ele produziu tratados como Πνευματικά (“Pneumatica”), obra dedicada aos estudos de aplicações das forças do vapor e da água para o funcionamento de dispositivos mecânicos, Μετρικά (“Metrica”), obra dedica à geometria e que contém a famosa Fórmula de Heron, utilizada para calcular a área de triângulos, Μηχανικά (“Mechanica”), dedicada aos estudos das máquinas e suas aplicações, entre outros escritos inovadores. Foi de sua autoria a noção que considera que a luz viaja entre dois pontos através do caminho mais curto, o Princípio da Menor Trajetória da Luz. 

Ele era um inventor produtivo e desenvolveu o primeiro exemplar de um motor movido a vapor, a aeolipile ou “Máquina de Heron”, que consistia num mecanismo que convertia a energia térmica em energia mecânica. A máquina era composta por um recipiente esférico com dois bicos que ficava cheio de água, montada sobre um suporte e um fogareiro. Quando a temperatura elevava, transformava a água em vapor que passava através dos bicos e a pressão fazia a esfera girar freneticamente. Era o princípio básico do funcionamento de um motor a vapor que foi potencializado pela Revolução Industrial. Ele inventou diversas máquinas hidráulicas e pneumáticas, incluindo uma máquina de venda automática que liberava água de seu interior quando uma moeda era inserida. Heron ainda foi capaz de elaborar instrumentos de medição como o odômetros para medir distâncias e a dioptra, para análises topográficas e planejamento de construções porque servia para a medição de ângulos e determinação de alturas. Além dessas aplicações, ele também se dedicou a criar mecanismos voltados para o entretenimento público e o grande exemplo é seu teatro mecânico, montado com um sofisticado aparato de peças, cordas, nós, polias e montagens que moviam personagens autômatos num espetáculo que era um exemplo de produção artística baseada em princípios físicos e aplicações mecânicas. Sua mente inventiva elaborou imagens de deuses dotadas de movimento para atrair fiéis e até portas de templos que abriam e fechavam automaticamente para provocar reações impressionadas nos frequentadores dos locais sagrados.

A genialidade de Heron foi registrada nas descrições que ele escreveu, além de diagramas e ilustrações que o estudioso produziu para documentar suas criações. Este material também era sua produção didática para difundir a aplicações dos conceitos e princípios através de artefatos mecânicos. 

Heron morreu por volta de 80. dC. e, apesar de toda riqueza de sua produção, recebeu relativamente pouco reconhecimento em vida fora dos círculos científicos ou daqueles que viam seu trabalho com curiosidade. Muitas de suas invenções tinham pouca aplicação na época, pois os dominantes romanos valorizavam acima de tudo criações de funcionalidade imediata para uso militar e para a construção. Seu legado foi aproveitado posteriormente durante a Idade de Outro Islâmica, na Idade Média, através de traduções de suas obras que influenciaram estudiosos muçulmanos e depois chegaram aos europeus. Os princípios da automação contidos em seu tratado Αὐτοματοποιητικά (“Automata”) influenciaram gênios como Leonardo da Vinci e inspiraram ideias a respeito dos futuros robôs.


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