Era dura a rotina dos trabalhadores pesqueiros na Bahia nos idos do fim do século XVIII e primeiras décadas do século XIX. As condições de trabalho e moradia das pessoas que desempenhavam esse serviço eram precárias. Trabalhadores negros libertos ou descendentes diretos da escravidão compunham a maioria dos pescadores e marisqueiros do Recôncavo Baiano, vivendo numa sociedade marcada pelas desigualdades e sob o controle dos comerciantes que determinavam as condições dos ganhos da pescaria. Entre esses trabalhadores estava a negra Maria Felipa de Oliveira, que acabou se destacando na luta contra o domínio português.
As origens de Maria Felipa são incertas. Ela nasceu por volta de 1799 na Ilha de Itaparica e tinha ascendência sudanesa, praticante da clandestina fé do candomblé. Não há identificação de registros que indiquem que ela foi escrava, embora seja comum a sugestão de que ela era uma liberta e que se sustentava como “ganhadeira”, condição das trabalhadoras pobres que eram ex-escravas ou já nascidas livres. Ela navegava em sua jangada principalmente pelo Rio Paraguaçu para pescar e coletar mariscos, sendo notável conhecedora de suas águas, mangues e embocaduras, além de também ser reconhecida por saber lidar com o preparo dos pescados. A atividade conferia uma certa autonomia, pois ela se deslocava de Itaparica para Salvador e outras áreas banhadas pelas águas, aprimorando o conhecimento sobre lugares e interagindo com pessoas diferentes.
Maria Felipa vestia-se com batas brancas folgadas e bordadas, além turbantes e saias rodadas, sendo descrita como uma mulher alta, corpulenta e de notável força física. Era ainda habilidosa na capoeira e costumava portar facas escondidas sob seus trajes, o que indicava que não era fácil detê-la quando ela decidia partir para a luta para se defender ou para confrontar adversários em outras circunstâncias.
Quando a independência do Brasil foi deflagrada, foi formada na Bahia uma intransigente ação contrária à autonomia colonial. Diante disso, um ambiente de conflito violência foi estabelecida entre as forças fiéis à Portugal e os defensores da independência, mobilizando pessoas de diversos segmentos sociais. As tropas portuguesas atuavam como uma força vigilante e repressora que afetava o cotidiano no Recôncavo, inclusive a vida dos trabalhadores pesqueiros. A situação logo mobilizou uma resistência popular na região e Maria Felipa foi uma figura importante nesse contexto de enfrentamentos.
Dotada de uma incrível postura de liderança, Maria Felipa organizou o “Batalhão das Vedetas”, uma organização de luta composta por mulheres negras, indígenas e mestiças que atuavam como sentinelas patrulhando as águas e margens de Itaparica. Elas monitoravam os deslocamentos das embarcações portuguesas, identificavam as atividades dos inimigos e trabalhavam integradas a outras forças de resistência, prestando serviços de informantes, interceptando e neutralizando tentativas de saques contra povoados ribeirinhos e costeiros ou somando esforços em ataques. Conhecedoras do território, as vedetas eram ousadas ao ponto de tomarem a iniciativa de praticar emboscadas contra os portugueses. Elas recorriam até aos recursos encontrados na natureza em suas ações, como os galhos de cansanção que causavam um efeito desagradável e incapacitante efeito urticante nos seus oponentes. Além da proteção das comunidades, elas cumpriam um serviço estratégico de afetar a obtenção de suprimentos dos portugueses e Maria Felipa tinha uma relevância central nesse esforço por ser a principal líder estrategista do grupo, além de atuar como combatente nas situações de atuação física direta contra inimigos masculinos com sua desenvoltura de capoeirista.
Após as lutas, em 1823, Maria Felipa de Oliveira voltou a desempenhar suas atividades para se sustentar na Ilha de Itaparica. Ela viveu até 1873. A mulher estrategista, guerreira e líder popular que lutou pela defesa das comunidades pobres no Recôncavo Baiano e pela imposição da independência é ainda uma personalidade pouco conhecida pela população brasileira. Apenas em 2018 seu nome recebeu o reconhecimento oficial de ser inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.
Referências:
- 200 anos de Independência e suas heroínas: Maria Felipa de Oliveira, uma mulher negra na luta pela Independência na Bahia
- Maria Felipa
- Maria Filipa: a escrava liberta que se envolveu na luta contra as tropas portuguesas
- Independência: Ela liderou exército feminino que deu surra nos portugueses
- Quem foi Maria Felipa? O protagonismo feminino, negro e popular na batalha pela independência
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